Uma Tribo Chamada Quest
ESPALHA --->
No dia 17 de abril de 1990, o grupo A Tribe Called Quest lançava seu primeiro álbum, intitulado “People’s Instinctive Travels and the Paths of Rhythm“. pelo selo Jive Records. Foi o início de uma nova era para a música rap, indiscutivelmente. O disco, que foi extremamente ovacionado pela crítica (inclusive ganhando 5 microfones da revista The Source), acabou recebendo o disco de ouro em 1996.
Dentre os vários grupos e artistas que fizeram história e construíram uma reputação extremamente positiva para a música rap, a partir dos nos anos 90, está, sem dúvida alguma, o trio, e depois quarteto nova-iorquinho A Tribe Called Quest.
Formado por Malik Taylor (Phife Dawg), Jonathan Davis (Q-Tip), DJ Ali Shaheed Muhammad e, posteriormente, Jarobi White – todos nascidos em 1970 – o grupo nasceu em 1988, quando Phife e Q-Tip – ambos amigos de infância e moradores do bairro do Queens, em Nova York – conheceram Ali Shaheed na Escola de Ensino Médio Murry Bergtraum. Os primeiros passos do grupo pela música Rap se deram já no ano seguinte, em julho de 1989, com a gravação do single “Description of a Fool”. No entanto, Q-Tip, considerado o líder do grupo, já havia anteriormente produzido e participado de músicas com outros artistas já estabelecidos no cenário, como, por exemplo, na música “Grooves is in the hearth”, do grupo Deee-Lite, que teve imenso sucesso e é executada, ainda hoje, em pistas de dança em todo o mundo.
Mais ou menos no mesmo período o trio, juntamente com os grupos De La Soul, The Jungle Brothers e Black Sheep e os artistas Monie Love e Queen Latifah, formaram o coletivo chamado The Native Tongues, ou “As Línguas Nativas”. A intenção era a de congregá-los em prol da preservação da essência do Hip hop, mantendo a música rap em um alto nível, evitando, assim, a banalização do gênero no mercado já saturado por “falsos MCs”. Essa união pode ser muito bem notada nos vários vídeo-clipes e músicas produzidas por eles nos anos seguintes, onde sempre encontramos a participação de um grupo/artista com o outro e também citações em suas letras.
Com uma atitude diferente da ostentada pela maioria dos rappers daquela época – e também porque não dizer, da atualidade também – o grupo A Tribe Called Quest sempre procurou ir na contramão da postura “machista” que foi construída por muitos artistas do Rap. Desde o início, suas letras chamavam a atenção pelo grau filosófico que continham e pelas mensagens de positivismo.
Após o sucesso do single “I left my wallet in El Segundo”, gravado pelo trio em 1990, chegou o momento da “Tribo Chamada Quest” assinar com uma grande gravadora. A Jive Records, por segundo eles próprios, possuir maior afinidade de representação com seu trabalho, foi a escolhida. Seu primeiro álbum, lançado também no mesmo ano, foi intitulado “Peoples Instinctive Travels and the Paths of Rhythm” (ouça abaixo), ou“Viagens Instintivas dos Povos e os Caminhos do Ritmo”. Os sucessos imediatos do disco foram as músicas“Bonita applebum” e “Can i kick it?”. Toda a crítica foi excelente e dizia que o A Tribe Called Quest se diferenciava porque, ao invés de apenas jogar um beat em looping, eles colecionavam partes “íntimas” de músicas e clássicos do jazz, funk e pop, juntando-as e transformando-as em novas músicas, com um resultado totalmente inesperado e verdadeiro. Além disso, suas letras não enfocavam somente os problemas dos jovens negros americanos, como a maioria fazia, mas tinha senso de humor único. Falava de experiências positivas e tentava mostrar que um outro mundo existia – paralelo ao mundo construído até então pela música Rap vigente, de sexo, drogas, mulheres, violência e etc. Era algo ainda não escutado naquela época, onde a música rap começava a mostrar uma nova face criativa. Q-Tip, numa entrevista a uma revista declarou: “meu pai foi quem me ligou e me apresentou ao Jazz e a poesia. Numa época em que todos procuravam discos velhos de batidas para rimar eu apenas fuxicava em todos aqueles álbuns de Jazz (…)”. Em pouco tempo, outros grupos de Rap foram contaminados com a química “da Tribo”.
Após o lançamento de seu primeiro disco, o ATCQ tornou-se um dos grupos de rap mais requisitados para shows, apresentações e entrevistas em programas de TV e rádio pelos Estados Unidos. Eram muito bem recebidos tanto pelos fãs do rap como também por pessoas não ligadas de nenhuma forma a música ou ao hip hop, bem como músicos e personalidades de outros gêneros. Num período em que o gangsta rap eclodia com força, chocava e conquistava grande espaço – como, por exemplo, o N.W.A. na costa oeste, em Los Angeles – o A Tribe conseguia transitar por um vasto perfil de público. Eram seus ouvintes, tanto aqueles que curtiam Eric B & Rakim, KRS-One ou Beastie Boys, como aqueles que escutavam 2 Pac, Dr. Dre, Snoop Dogg ou outros artistas da linha conhecida como “hard core hip hop” pelos norte-americanos.
O álbum “The Low End Theory” (ouça abaixo) veio em 1991 e revolucionou a música rap com uma pegada ainda mais jazz . Os destaques vão para as faixas “Jazz (We’ve Got)“, “Check The Rhime” e a clássica “Scenario”, com participação do grupo Leaders Of The New School, que tinha o rapper Busta Rhymes como destaque.
Dentre os trabalhos seguintes, destacam-se, sem dúvida os álbuns “Midnigth Marauders” (ouça abaixo) e “Beats, Rhymes and Life”. Ambos alcançaram o topo das paradas, por categoria, sendo sucessos absolutos de venda e crítica. Em “Midnight Marauders”, podemos perceber uma boa dose de influência de música brasileira, como bossa nova, e também muito Jazz. Foi um disco que marcou época com destaques para as músicas “Award tour” e “Eletric relaxation” e também apresentou um jovem produtor da cidade de Detroit, chamado Jay Dee. Foi então que surgiu, da parceria entre ele e Q-Tip o “grupo de produção” chamado The Ummah, que veio posteriormente a realizar trabalhos de grande sucesso com artistas como Nas, Mobb Deep, Cypress Hill, TLC, D´Angelo, Shaquille O´neal, Gil Scott-Heron, dentre outros.
Já o álbum lançado em 1996, “Beats, Rhymes and Life” representou o congraçamento do grupo. Os sucessos “1nce again” (part. de Tammy Lucas) e “Stressed Out” (part. Faith Evans), unidos a um excelente trabalho produção, levaram o grupo ao topo de todas as paradas.
No total, o ATCQ produziu cinco álbums oficiais em sua trajetória de dez anos, tendo como último lançamento o disco “The Love Movement” (ouça abaixo), lançado em setembro de 1998. Todos eles ficaram entre os duzentos melhores da BillBoard, sendo quase todos entre os cinco primeiros da categoria r&b/hip hop, dois deles conquistando o primeiro lugar. Foram inúmeros os sucessos e milhares de fãs conquistados em todo o mundo. É um grupo que realmente pode ser considerado como um expoente da Cultura Hip-Hop, assim como são Run DMC e Public Enemy para a história da música rap. Sem a contribuição da “Tribo Chamada Quest”, provavelmente teríamos hoje um rap menos rico e criativo e, quem sabe, muitos outros artistas e grupos não teriam surgido e contribuído para expansão do estilo pelo mundo.
Em entrevista a revista norte-americana The Source, no ano em que o grupo encerrou suas atividades, Q-Tip, Phife Dawg e Ali Shaheed Muhammad comentarem que tipo de legado gostariam que seus trabalhos e sua história juntos deixassem para as novas gerações. Confira um trecho de cada resposta:
Q-Tip: “Eu apenas espero que aquilo que deixamos pra traz as pessoas possam escutar. Que seja algo atemporal. Espero que quando as pessoas escutarem a nossa música possam senti-la da mesma forma que a sentimos hoje ou que encontrem algo mais nelas. Que elas possam ver o Hip-Hop ali, sentir a musicalidade, ver as oportunidades e chances que tivemos na vida, todo o divertimento que tivemos, as dificuldades e tudo mais e apenas tomar, compreender. Espero que as pessoas lembrem-se disso: que nós apenas fizemos um esforço para que as pessoas gostem mais de si mesmas e escutem um som do caralho!”
Ali: “Eu espero que seja lembrado. E não somente como o açúcar, que é rapidamente absorvido e era isso. Mas que você possa voltar a escutar e realmente significar algo. Que inspire as pessoas e que elas possam abrir suas mentes. Assim elas poderão perceber que nós colocamos muito trabalho duro no A Tribe e em nossas músicas e que lutamos para levar mudanças não só a nós, mas as pessoas que vem atrás de nós. Esperamos que estes que venham depois, possam fazer a mesma coisa para com aqueles que vêm ainda depois e tentar devolver algo as pessoas e não só tomar, tomar, tomar.”
Phife: “Que trabalhamos definitivamente para o melhoramento do Hip-Hop. O que fizemos sempre representou o nosso mundo, mas sempre tentamos representá-lo fazendo boa música o tempo todo. Tenho esperança de que as pessoas possam se atentar a isso e acreditar mais nelas e não apenas escutar o que todo mundo tem a dizer. Apenas seja você mesmo.”
*Matéria originalmente publicada em 2007. Acervo BF.
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