O carisma de Karol Conka
ESPALHA --->
Não parar para entender esse fenômeno… É se anular historicamente.
Por Fábio Emecê
Fotos: Divulgação
Fico cheio de ideias quando percebo o quanto estamos fazendo as coisas acontecerem e não sabemos ainda a força e o tamanho disso. E quando digo que estamos fazendo, digo isso enquanto povo preto mesmo, não é um esforço individual meu ou de um chegado só, é algo com mais potência.
Na trama, estava imaginando o porquê de líderes como Zumbi, Luíza Mahin, Rainha Nzinga e João Cândido terem sido seguidos e modificado o status quo num momento histórico específico. Antes das ideias por si só, acredito, existia o carisma.
Carisma é algo que alguém tem e essa pessoa é estimada, ouvida, desperta o interesse, sendo simpática e contagiante. Algumas pessoas têm e quando elas cismam em desafiar o status quo, ferrou. E quando essa pessoa cisma em ser artista?
Bom, aí que eu chego na Karol Conká e seu Batuque Freak. Já conhecia a Karol numa época de tentar descobrir mcs femininas ao longo do brasilzão e gostava bastante. Ela vem com o Batuque Freak, uma rápida audição, uma certa estranheza e tá, legal!
Por que Batuque Freak, né? Reconhecer elementos de música popular por ali já é um indício. Maracutu e jongo por exemplo. Reconhecer as batidas fortes e marcantes da música eletrônica contemporânea: outro indício marcante. E talvez um elemento primordial nisso tudo. Uma mulher preta que entende de onde veio e pra onde quer ir.
Aliança de ancestralidade com contemporaneidade. Sankofa traduzindo-se numa proposta musical aí nos nossos olhos. Potência, e bota potência nisso. Ainda sim na desconfiança usual de sempre, estava faltando uma identificação, pelo menos pra mim, que poderia caracteriza-la como uma artista preta de fato, sem rodeios.
O meu referendo nunca vai ser importante de fato, porque simplesmente ela não precisa disso, mas prestem atenção, estava assistindo uma série de vídeos que ela lançou em turnê recente na Europa e um fato me chamou atenção.
Lugares em que se tem uma população preta marcante, como Londres e Paris, por exemplo, os pretos foram em peso, e não foram radicados brasileiros, foram pretos ingleses, franceses, senegaleses, ganeses, nigerianos, enfim, a Karol conectava-se com os pretos da diáspora. Pow.
Tratei de viciar umas amigas em Karol Conká e fomos pra Madureira – Rio de Janeiro assistir ao show dela. Madureira, pra quem não sabe, só tem o Império Serrano e a Portela no seu território, além do tradicional Baile Charme, ou seja, mais preto, impossível.
Um espaço lotado majoritariamente de pretos, com suas complexidades, sejam elas financeiras ou afetivas ali reverenciando uma mulher preta magnética, que colocou todo mundo pra dançar, celebrar, delirar e até por algum momento, respeitar uns e outros.
Karol Conká é uma artista que o Hip Hop moldou, o rap sustentou, só que ela entendeu o quanto vale ser preta nesse contexto, o quanto é carismática e que se for pra deixar algum legado, que tenhamos tempo para nos amar, nos beijar e nos amassar, sendo esses atos, atos revolucionários.
Porque na complexa trama para nos exterminar, acabar com a afetividade e com a aceitação de nossa particularidade, sempre foi algo em voga. A Karol Conká vem e diz que nós pret@s podemos sim nos amar e nos aceitar do jeito que somos.
Sem manuais, apenas com o carisma e o impulso contemporâneo. Não parar para entender esse fenômeno, é se anular historicamente. A Karol Conká é uma artista de nosso povo. É artista de nosso tempo, e o melhor, ela não precisa se explicar, a arte dela se prolifera e os pret@s sabem, e como sabem…
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