MarcãoBaixada: mais importante que estar, é ser
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Por: Fábio Emecê
MARCÃO BAIXADA lançou Itinerante , seu primeiro EP, no ano de 2012, trabalho que contou com a participação de artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. O MC também é conhecido fora da sua região pelo videoclipe da música “Baixada Em Cena”, que foi citado nos jornais cariocas “Extra” e “O Globo”. Expoente da cena do Rio de Janeiro, Marcão acredita quebrou algumas barreiras, o artista acha que deve haver equilíbrio entre a militância e o lado artístico. “A cultura em geral tem dificuldades em dialogar com o meio do entretenimento”, afirma o MC da Baixada Fluminense. Marcão está envolvido na produção de uma revista sobre a cultura de rua e no evento Beco festival, que vai rolar em fevereiro. O MC bateu um papo com Fábio Emecê, do Bocada Forte. Confere aí a ideia trocada com o mano.
Bocada Forte: Se o Marcão Baixada fizesse um autorretrato, como seria?
Marcão Baixada: Cara, seria um desenho simples, bem de criança do primário mesmo. Provavelmente focando nos detalhes do meu rosto e cabelo. Tentaria deixar claro na imagem que todos estamos suscetíveis à mudança, seja ela física ou comportamental. Quando era mais novo e tentava fazer autorretratos, gostava muito de desenhar ao redor do meu corpo, coisas que tinha influência na minha vida, como minha família, instrumentos musicais, bola de basquete, computador.
Bocada Forte: Todas essas mudanças e influências mostra um jovem preto comospolita em sua vivência. O que isso te traz na construção de sua arte?
Marcão Baixada: Justamente por esse fato de transitar em vários lugares, faz com que minha arte seja local e global ao mesmo tempo. Tento expressar coisas muito próprias a respeito da minha origem, que talvez só eu ou quem vem do mesmo lugar saiba, ao mesmo tempo que eu abordo a respeito de outros lugares. Um exemplo claro: eu moro na Baixada Fluminense, aqui não tem praia, mas se eu tiver um mínimo de grana e paciência pra pegar um metrô, ou 2 ônibus, eu vou saber qual é a experiência de estar naquele lugar, curtindo o sol, pegando uma onda, entende? Eu penso que não preciso necessariamente ser oriundo de um lugar pra me sentir pertencente à ele. Acho que isso se reflete muito na minha arte, falo muito sobre a Baixada Fluminense em minhas letras. Quando não cito diretamente, falo de coisas comuns com esse lugar, mas um morador da Zona Norte, do Centro ou até mesmo da Sul, pode acabar se identificando e enxergando coisas que são similares entre os lugares.
Bocada Forte: Do rap que você aprendeu a ouvir e gostar no Movimento Enraizados ao rap que faz hoje, o que converge e o que diverge?
Marcão Baixada: Acho que o que convergiu e até acredito que atingiu um outro nível foi o fato de eu me enxergar como preto e assumir isso em minhas letras, acho que hoje consigo abordar isso de forma mais inteligente e bem humorada, tendo em vista que quero atingir pessoas além do rap, que possivelmente não entenderiam essa ou aquela expressão. Acho que o que se divergiu foi a sonoridade em si. O som que eu tiro hoje é bem diferente do da época do EP Itinerante. Antes eu me via muito como militante e nem tanto como artista, hoje já tenho em mente que deve haver um equilíbrio entre os dois. A cultura em geral tem dificuldades em dialogar com o meio do entretenimento por conta de não haver esse equilíbrio que eu tô te falando. Hoje eu penso que o grande desafio não é falar pra quem você conhece, mas sim para aqueles que você não conhece, que não tem uma vivência baseada nos mesmos valores e ideias que os seus.
Bocada Forte: Aliás, quais são suas influências?
Marcão Baixada: Minha família, principalmente pela herança musical, que me fez conhecer nomes como Djavan, que sou muito fã. Estava muito ligado naquela “vibe” do Charlie Brown Jr, de rock, punk, skate, rap, coisas que eles tinham, acho que foi minha principal influência na música em geral. Na escrita, eu lia muito Machado de Assis, essa relação que tenho com o cotidiano do Rio tem muita influência dessa fonte. Depois que realmente conheci o rap e a cultura hip hop, peguei como influência vários nomes, mas acho que os principais são A Tribe Called Quest, Mos Def, Jay-Z, Parteum, Racionais. Dessa galera mais nova eu tenho curtido muito o A$AP Rocky, talvez nem tanto no quesito letra, mas digo na sonoridade e fluxo das rimas, mesmo.
Bocada Forte: Você é um dos expoentes da cena carioca, contemporâneo de cena de jovens pretos pelo mundo com a Pro Era dos EUA, Spoek Mathambo da África do Sul, Ghostpoet de Londres e Eddy Kenzo de Uganda. É um levante cultural da juventude preta na Diáspora?
Marcão Baixada: Eu acredito que estamos nos reeducando, aprendendo a nos movimentar por outros caminhos, deslocar pela cidade, ocupar, independente de governos ou instituições, sem desmerecer a importância dos mesmos, mas sinto nessa galera uma energia muito boa de ‘pegar e fazer’, de não ficarmos esperando muito os outros virem ao nosso encontro, mas de ir ao encontro dessas pessoas que são nosso possível público. Existem muitas ferramentas pra isso, estamos aprendendo a utilizá-las ao nosso favor, sem esse papo de que ‘se vendeu’, de que fez música ‘assim ou assado’ pra tocar no rádio. A gente está fazendo música de todos os tipos de sonoridade, o que não toca no rádio, se espelha pela internet e pela rua, e não é isso que vai determinar se determinado som é bom ou ruim, se tem ideologia, ou não, se é de mensagem ou é vazio. E a gente tá fazendo o som que a gente gosta, de acordo com nossas referências e influências, acima de tudo.
Bocada Forte: Vivemos uma época de apropriação cultural do hip hop? Se sim, como empoderar quem precisa ser de fato?
Marcão Baixada: Acredito que a apropriação sempre existiu desde que o hip hop alcançou o mainstream. Com o jazz e o rock, não foi diferente. Cara, a real é que eu acredito que todos que estão aí trabalhando, se esforçando, merecem sim ter seu trabalho valorizado independente de sua cor. Mas a gente percebe e fica revoltado quando a indústria se beneficia à custa da arte e da imagem dos outros. Tem gente que tem um trabalho bom demais, mas não tem oportunidade de ter um BOOM midiático porque a indústria escolheu investir em um outro que tem o rostinho mais bonito, ou a cor da pele é mais clara, ou sua música não é tão densa como outras canções de hip hop. Pra empoderar quem precisa ser de fato, acho que é bem na “vibe” da resposta anterior, é pegar e fazer, não ficar esperando grandes mídias, grandes gravadoras, grandes contratos. Se rolar, beleza? Se não, não dá pra ficar esperando. Tem que fazer acontecer, jogar o nosso jogo, no nosso terreno, na nossa quadra, porque a gente conhece bem cada pedacinho do chão, a gente treina nela todo santo dia. O próprio Joey Bada$$, da Pro Era, por exemplo, ele assinou com o Cinematic Music Group, que é um selo independente, de pequeno porte, e o B4.D4.$$ mal saiu e já tá fazendo um sucesso enorme porque o neguinho se empenhou nisso. Tu vê os shows dele em Nova York, em turnê, o mais recente que rolou na Austrália estava lotado. Se tu parar pra ver legal, ele não está indicado ao Grammy, tu não vê o NY Times publicando coisas sobre ele com muita frequência, ele aparece na TV, mas bem pouco, e tudo por mérito, porque ele fez a própria mídia dele. Acho que vai se empoderar de fato quem entender isso, que nós mesmos somos a nossa própria mídia, falo de irmão pra irmão, de vizinho pra vizinho, até alcançar o mundo inteiro.
Bocada Forte: E o que o Marcão Baixada anda aprontando?
Marcão Baixada: Como eu disse na ‘convocação’. Tô jogando nas 11. Recentemente tô prestando consultoria pra uma agência criativa, e um dos produtos dela é uma revista voltada pra cultura de rua, só que a revista já está fazendo parcerias e se firmando como produtora. Um dos resultados dessas parcerias é o Beco Festival, um festival de música que vai acontecer dia 25 de Janeiro em Nova Iguaçu, e que traz um conceito de block party. Vou fazer show no Festival, mas tô botando a mão na massa, comprando o barulho, sendo porta-voz, indo nos eventos divulgar e tudo mais. Tenho feito poucos beats ultimamente, mas estou fazendo colaborações com alguns parceiros, então garanto que vão sair sons de alguns artistas por aí com produção assinada por mim. O ano mal começou e já tenho muitos projetos musicais pra lançar, mas ainda estou definindo datas e prazos pra terminar de gravar e produzir. O que já tenho certo é um EP de Remixes do single “BangBang”, que vai sair pela RWND Records, e o EP “Geração 90”, pelo selo Apavoro Brutal. Pelo Apavoro Brutal ainda sairão outras coisas futuras, mas ainda é segredo e quero soltar as informações no momento certo. Nessa semana estive com o DMA (Dudu de Morro Agudo) e trocamos altas idéias, vamos começar a pensar no próximo clipe do #ComboIO, que é o grupo de rap que faço parte e que surgiu através do Movimento Enraizados. Estamos pensando já no segundo álbum do, em breve vamos começar a compor.
Bocada Forte: Além do calor, o que o Rio anda oferecendo pros ouvidos do povo? Quem você destaca?
Marcão Baixada: Falou de calor, lembrei logo da música “Calor no Baile”, do Carta Na Manga. O disco deles tá quase pronto e tem participação minha na parada. O trampo tá classe! Dois álbuns que curti bastante de 2014 foram o Circo dos Motivos, do Ramonzim, e o Nós Somos a Crise, do Xará. A Ética Molotov, CD do Antiéticos tá bombando no Rio inteiro, tenho ido em alguns dos shows, e a parada fica em chamas, bate-cabeça rolando à vera, muita energia positiva. O Nyl MC lançou álbum na reta final do ano passado; O Aori vai lançar o EP dele em fevereiro, pelo Apavoro Brutal e tá muito f*da também. Daqui da Baixada, o Léo Da XIII lançou um disco na semana passada. Tem um bonde de Nova Iguaçu, Caxias, Belford Roxo e São João que tão quebrando tudo, como os grupos ZeroDollar, Kamikaze e Nóiz da Rima, ONNI. Tem o meu irmão BZ, também, estou ajudando nas produções e gravações no estúdio que ele montou. Ele lançou seu primeiro single no ano passado, neste ano vai ter outros lançamentos. Recomendo todos esses artistas que citei, vale a pena o play.
Bocada Forte: Marcão não abandona a Baixada (Fluminense) ou a Baixada (Fluminense) não abandona o Marcão?
Marcão Baixada: Acho que mais importante do que estar é ser. Marcão é Baixada e [acho] que a Baixada é Marcão (risos).
Bocada Forte: Pra finalizar, Fale o que quiser, deixe seu recado pros leitores do Bocada Forte.
Marcão Baixada: Primeiramente, muito obrigado ao Bocada Forte pelo espaço, pela atenção e por se mostrar aberto à ouvir o que tenho pra dizer. Convoco à todos que estiverem lendo a conhecer meu trabalho. Vamos correr pra nos manter vivos. O ritmo da pista pode não estar à nosso favor muitas das vezes, mas isso não pode nos abalar. E continuemos fazendo a nossa própria mídia. Big up!
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