#ÉoVale: MC Dö, ‘Qualquer luta que seja por igualdade é minha também.’
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Há 15 anos no corre do rap, entre eles 8 como produtor, MC DÖ é também militante da cultura. Arte-educador de projetos como o ‘Arteiros’ pela ONG CEDAP, levando a mensagem através do Rap na Fundação Casa e do ‘Hip-Hop Prevenção’, como beatmaker pela ONG GAM. Residente do Vale do Paraíba, integra o coletivo S.A.F.A.R.I, ao qual lançaram o EP “Muito Prazer”. Além das parceria, Dö possui 2 discos na rua, “Vali-Dö” e seu mais recente trabalho, a mixtape “Luta”, com participações de Tássia Reis, Mestiço, Skeeter entre outros. A frente do estúdio Pura Rua, um dos mais reconhecidos estúdios do Hip Hop Local, Dö já trabalhou com diversos nomes, entre eles MC Ralph, Síntese e Criolo. Mensagens e ideias contundentes, são abordadas em todas as faixas de seu recente trabalho trazendo assim pequenas ‘alfinetadas’ em temáticas diretas. “Luta” é baseado na poesia “Novos Dias”, do poeta Sérgio Vaz.
Confira o bate-papo do artista com o BF.
Bocada Forte: Você participou de oficinas de arte e educação na Fundação Casa utilizando o rap como ferramenta. Nos fale sobre esses trabalhos.
MC Dö: Sim. Fui contratado pela Ong CEDAP (Centro de Educação e Assessoria Popular) para ministrar oficinas de Arte Educação na Fundação CASA nos anos 2013, 2014 e começo de 2015, e o que posso dizer é que a verdadeira educação transforma e liberta, afinal, aprender é ensinar e ensinar é aprender, simples assim. A arte é uma ferramenta poderosa e o desafio -pelo menos pra mim- é aproximar a arte da educação. Na cultura Hip Hop fazer essa aproximação nem chega ser tão difícil pois os meninos a assimilam muito rápido, a quebrada é cheia de Graffiti sempre passa algum carro tocando rap, a maioria deles já viram um B-Boy dançando e/ou um DJ de rap riscando e, quando ele assiste algum dos elementos sendo executados é por alguém que, na maioria das vezes mora no mesmo bairro (ou em outro bairro mas nas mesmas condições), usam as mesmas roupas enfrentam os mesmos problemas, falam o mesmo dialeto, ou seja, eles se sentem representados (é claro que tem algumas resistências, ninguém gosta de tudo e com eles não é diferente), muita coisa aconteceu, acontece, e continuará acontecendo na vida desses meninos, meu papel era ajudar eles a entender o que está acontecendo e passar os seus sentimentos para folha, e, ver um mano que mal sabe escrever fazer a primeira linha de um rap é indescritível.
Bocada Forte: Seu recente trabalho “Luta” foi inspirado na poesia “Novos dias”, de Sérgio Vaz. Fora o sentido literal de “Luta”, essa palavra representa algo a mais para o Dö?
MC Dö: Então essa Mixtape era pra ser só um catadão de músicas minhas feitas em épocas diferentes, porém quando fui terminando o disco comecei a ver a semelhança das ideias das faixas e, a música Luta – que da nome ao disco – foi uma das ultimas a serem escritas, a poesia do Sergio Vaz foi o gatilho pra começar escrever essa faixa, e, quando eu acabei de escrever percebi que ela tinha sintetizado toda a ideia do disco. Essa poesia é uma compilação de ideias boas, mais o trecho que mais mexeu comigo foi “(…) E não confunda briga com Luta, briga tem hora pra acabar, e Luta é para vida inteira (…)” Daí saiu o nome, e assim o disco se fez (risos) . Pra mim é uma palavra que representa resistência e principalmente resiliência. Qualquer luta que seja por igualdade e/ou liberdade e transformação é minha luta também.
Bocada Forte: Qual sua opinião sobre a política do Brasil?
MC Dö: Caótica! Veja bem, como diz meu amigo Mild, ainda somos muito novos nessa tal de democracia, estamos brigando entre a gente, enquanto isso tem gente se aproveitando pra negligenciar nossos direitos. Temos uma constituição e nem nos damos conta dela, e de repente política virou discussão de futebol, ou você torce pro vermelho ou você torce pro azul, ganha quem tiver o grito mais alto. A diplomacia passa longe, a intolerância da o ar da graça e a democracia conquistada a duras penas vai pro saco. Precisamos urgentemente de uma reforma na nossa educação, pra que nossos filhos e netos saibam quem foi Zumbi no jardim da infância, pra que todos saibam como um país tão rico como o nosso se transformou em uma nação tão desigual, pra daí sim começarmos a falar de reforma política. Posso estar errado mais eu prefiro que professores e educadores tenham salários, condições e formações dignas, e que todos tenham acesso a essa educação pra daí sim conseguirmos entender e assimilar a ideia de uma reforma política.
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Bocada Forte: No que trabalha atualmente e quais projetos futuros?
MC Dö: Bom no momento estou trabalhando na divulgação do CD pra que ele ganhe mais visibilidade, também estou no comando do estúdio Pura Rua então estou envolvido com diversos trabalhos, entre eles um que se chama Projeto Hip Hop Prevenção, encabeçado pela ong G.A.M (Grupo de Adolescentes Multiplicadores) e esta sendo uma experiência sensacional. Eu escuto muito rap nacional, e tem muitos MCs que tem a linha ideológica muito próxima a minha, tenho o sonho de um dia poder escrever com eles, mais aí já não é um projeto é um sonho, então eu vou trabalhar e torcer pra que ele se realize.
Bocada Forte: No seu mais recente disco, uma faixa nomeada de “E.C.A” que faz referência ao ‘Estatuto da Criança e do Adolescente’ você aborda questões do estatuto que não funciona em nosso país. O que tem a nos dizer sobre o tema, levando em consideração o momento em que está sendo votado a Redução da Maioridade Penal no Brasil?
MC Dö: Muito obrigado por fazer essa pergunta , nós precisamos fomentar cada vez mais essa discussão pra que ela saia do discurso raso e todos entendam realmente a dimensão do problema. O E.C.A serve para garantir os direitos e deveres da criança e do adolescente, dito isso cabe a nós sabermos quais são esses direitos e se eles estão sendo garantidos e quais são os deveres e se eles estão sendo cumpridos. Eu sintetizo essa ideia através de uma experiência com um jovem dentro da Fundação CASA foi assim:
– Sr. Du
– Fala mano
– Por que o Sr. vem aqui dar essas oficinas pra gente?
– Porque é seu direito mano.
– Hummm….Então é meu direito aqui dentro ter essas oficinas?
– Não mano, é seu direito em todo o Brasil ter acesso a arte e cultura.
– Então quer dizer que tem essas “aula” do Sr. lá no mundão também?
– Não mano, só sou contratado pra dar aula dentro da Fundação.
– Mais não é meu direito?
– Sim é um deles.
Exemplos não faltam e os números não mentem. Sites e blogs como o Geledés, Diário do Centro do Mundo, Pragmatismo Político entre outros fazem uma discussão muito rica sobre o assunto, sempre apresentando números, estatísticas, resultados e suas fontes. Se você não tiver preguiça de ler um pouco sobre o assunto vai entender porque somos contra a redução. Fábio Brazza lançou uma acapela que explica isso de uma maneira muito simples e de fácil entendimento, meu mano Tiago RedNiggaz a tempos já tinha uma ideia na mesma pegada. Temos argumentos embasados, enquanto quem é a favor tem os mesmos argumentos rasos, “ta com dó leva pra sua casa“, “quero ver quando um desses coitadinhos matar alguém da sua família“, enfim… Não se faz justiça com vingança e nem transformando exceção em regra, não se deixem enganar por pseudojornalistas tendenciosos de programas de televisão sensacionalista, leia, estude e tenha sua própria opinião sobre o assunto.
Bocada Forte: Como foi a recepção do público a este seu último trabalho?
MC Dö: Foi e está sendo legal, muita gente elogiando a produção como um todo (beats, letras, capa etc.) estou muito feliz com o feedback que venho recebendo, a meta agora é levar o disco pro maior número de lugares que eu conseguir.
Bocada Forte: O que te inspira e lhe motiva a compor suas letras?
MC Dö: A fé que eu tenho na humanidade. Pode soar um tanto quanto altruísta essa ideia que um dia ainda vamos entender que como humanidade somos uma grande família mesmo saca… Tipo eu sei que quando e se isso acontecer nem estarei mais por aqui, mas as Lutas são assim mesmo, eu não criei essa causa, ela já existe faz muito tempo, eu só me identifiquei com ela e decidi ajudar do meu jeito como muitos outros já o fizeram. Se pararmos pra pensar muita gente deu sua vida pra podermos ter liberdade de expressão, e falarmos – sem ferir o próximo é claro – o que quisermos, e é por essas e muitas outras pessoas que dou continuidade nessa luta.
Bocada Forte: Como é ou foi o trabalho junto ao coletivo S.A.F.A.R.I?
MC Dö: Quando começamos tínhamos uma série de coisas em comum, mas a maior delas era a vontade de cantar, de por pra fora mensagens positivas através do nosso rap, e, sem darmos conta ja éramos uma família – FAMÍLIA MESMO – que briga e da risada junto, que passa perrengue e fome e ainda faz piada um com a cara do outro (quem esta ou já esteve em um grupo provavelmente sabe do que estou falando). O grupo teve várias formações, e cada um dos que passaram, sejam os que foram ou os que ficaram foi e é muito importante até hoje, construímos muitas coisas juntos, o EP é só uma delas. Meus irmãos se tornaram pais e mães e eu me tornei tiu (risos)… O que me da mais orgulho é saber que a caminhada de todos continua firme e forte no rap. O Skeeter continua mais pesado que nunca com suas batidas e agora é DJ, o Seht Mc e o Ice Black estão gravando seus trampos solo aqui comigo no Pura Rua, a Preta Ary ta firme e forte com o D’Origem, o DJ MD ta a milhão tocando nas festas aqui da região e eu amo muito cada um deles por ter me concedido a honra de estar no mesmo palco cantando junto e defendendo os mesmos ideais.
Bocada Forte: Como você avalia o Hip-Hop nos dias de hoje? Considerando a cena regional e nacional há algo a melhorou ou piorou comparado a 10 anos atrás?
MC Dö: É complexo avaliar saca, ao mesmo tempo em que olho pro passado e vejo o quanto evoluímos quando olho pros lados percebo que nem toda evolução é boa. Mas no balanço geral das coisas, no meu ponto de vista, ainda consigo avaliar que melhoramos, não podemos levar tudo a ferro e fogo mais também não devemos aceitar qualquer coisa. O Hip Hop é uma cultura séria que já provou varias vezes a sua serventia social, entramos em escolas e nos sentimos bem lá, estamos dentro das quebradas mais violentas e de presídios e por várias vezes mostramos o nosso poder de resgate. Veja bem, não estou pedindo pra ninguém que seja um “exemplo de vida”, mas sim que entenda a responsabilidade que é ser da cultura Hip Hop pra quer possamos evoluir sem perder nossa essência.
Bocada Forte: São 15 anos de militância e 8 como produtor a frente do estúdio Pura Rua. Você se considera realizado como MC, Produtor e Militante? Trabalhar com o que se gosta, independente das dificuldades é e sempre será a melhor forma de vida?
MC Dö: Me considero realizado sim, não estou satisfeito, sinto que tenho muita coisa pra escrever, muita batida pra produzir, muito palco pra pisar, muita gente pra conhecer e muita Luta pra lutar. O filósofo Mário Cortella em uma de suas palestras facilmente encontradas no youtube faz uma analogia entre trabalho e serviço e, depois que assisti, carrego ela comigo que é mais ou menos assim : “quando você esta fazendo o que gosta você esta trabalhando do contrário você esta prestando um serviço, trabalho cansa, serviço estressa. Serviço é fonte de renda, trabalho é fonte de vida”. Sim, na minha opinião todos deveriam fazer somente aquilo que gostam, é eu sei que é difícil conceber essa ideia, mas se pararmos pra pensar temos muitos desejos, muitas necessidades, inúmeras contas, mais somente uma vida.
Vencedores da Promoção EP “Luta” autografado:
Alexandre Garga
Luan Nascimento
Marcus Vinícius De Paiva Souza
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