#ÉoVale: Leo Ice, ‘Pro que é do mal caia por terra…’
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ICE é oriundo da cidade de São José dos Campos, localizada no Vale do Paraíba /SP, uma região que vem revelando a cada dia novos nomes dentro do cenário rap. No fim de 2015 disponibilizou seu primeiro trabalho solo, “MARESIA”, um EP com 5 faixas, que conta com produções de Neto (Síntese), William Monteiro, Moita e Rafael Cerqueira. No corre da música a aproximadamente 6 anos, Ice já integra o coletivo de MCs S.A.F.A.R.I, ao qual trampa ao lado de nomes como Dö MC e Preta Ary. Confira este trabalho de estréia de Ice e acompanhe a troca de idéias que o MC teve com o BF.
Bocada Forte – Como foi seu primeiro contato com o Rap?
Ice: Sempre escutei letras do Racionais, Sabotage, RZO entre outros em minha infância/pré-adolescência, mas meu primeiro contato se deu na época de 2005 a 2007, creio que esses anos foram pra mim de grande relevância pro que sou hoje, porque acredito que nunca estamos prontos é uma casa em constante construção e reforma. Naquela época, me lembro que haviam reuniões de jovens na porta do shopping onde aconteciam muitas rodas de freestyle, eu só fazia beatbox e dali a pouco foi natural o envolvimento com a rima. Mais a escrita se tornou um vicio latente mesmo em 2008, quando formamos o grupo S.A.F.A.R.I. Foi um período de aprendizado ao lado de pessoas que vieram a se tornar referencias pra mim no rap. Estava me construindo, estava apurando mais o meu olhar, minha visão e conseguindo expor de maneira que todos os ouvidos, ouvissem e as pessoas enxergassem o que eu estava vendo, sentindo e vivendo.
Bocada Forte – E os trampos com o S.A.F.A.R.I, estão parados?
Ice: Estamos dando ênfase nesse momento em nossos trabalhos solo, por esse motivo estamos em uma espécie de recesso por tempo indeterminado.
Bocada Forte – O que procura propagar no seu rap?
Ice: O que você quer ser com seu rap? No seu rap, você mata ou salva? São perguntas que me faço. Acho que todos, que se propõem em uma causa nobre, deveriam se fazer essas perguntas. “Pro que é do mal caia por terra e o que é do bem venha vencer” Pra mim sempre vai ser assim.
Bocada Forte – Você acha que falta ideia de conscientização nos raps de hoje?
Ice: Tenho sorte de ter referencias não só no rap mais em outros estilos musicais que já se foram, vivas e ainda na atividade que me fizeram acreditar que não é só me expressar de maneira que minha realidade coincida com a de outras pessoas, isso é natural e sim transmitir a sua realidade com responsabilidade e cumplicidade. Existem dois caminhos na vida, do bem e do mal
Bocada Forte – A faixa “Observem” do seu EP é uma alusão ao ser humano de hoje?
Ice: Sim, mais não por que queremos e sim por que somos de certa maneira manipulados a tratar pessoas com descaso pelo que tem ou aparenta ter, fabricando pré conceitos. Quando digo isso trago pro pé da realidade. Quando em grupo nos sentimos tão confortáveis a sermos indiferentes aos que REALMENTE necessitam de ajuda, mas quando um individuo se encontra no singular, tête-à-tête, com uma mesma pessoa necessitada, não se mostra indiferente, ou faz chacota, porque, temos vergonha de expor os sentimentos, afeto, carinho, ternura e amor. Se você tem boa aparência, logo se pensa que tem boa educação e boa criação também. Mas na real não é assim. Isso ocorre todos os dias, com todos nós e quase todo tempo. Por isso trago essa questão pro refrão.“Vivemos pela paz morremos pelo prazer, ganância de querer mais, sempre mais pra se viver”. Se vivemos pra ter, pra que ter? Pra ser alguém que queremos ou alguém que as vitrines e mídias nos impuseram a sermos? O sentido de prazer em viver, tá deturbado de tempos pra cá, somos induzidos a pisarmos nos outros onde pisamos, pra sermos esse “tal alguém” imposto. E nos escondemos, a traz dos maus sentimentos, achando que é um bom sentimento, ao ver da sociedade. Devemos despertar essa consciência, olhando pra dentro de nós pra transcendermos fora e pra tudo ao nosso redor, de que o amor é a cura e é a resposta pra muitas questões, se não todas que procuramos.
Bocada Forte – Quanto tempo durou a produção do disco e como foi escolher os temas a serem colocados no álbum?
Ice: O disco demorou uns 6 anos pra sair, naturalmente, sem pressa, foi escrito ainda quando o S.A.F.A.R.I estava na ativa. A “Maresia”, faixa título do disco era a segunda parte que eu cantaria na música do S.A.F.A.R.I chamada “Sonhadores” (idealizada e escrita em 2009). Até então ela não tinha a melodia que hoje tem no refrão nem a pegada reggae. O primeiro arranjo da “Maresia” foi feito por Eduardo Lessa, grande amigo e musicista acanhado. Me lembro que nessa época havia mais ou menos um ano e meio que conhecia o Neto e o Léo (Síntese) por intermédio do Heitor, grande amigo e na época integrante do S.A.F.A.R.I. Naquela época ele já fazia umas bases no PC e pá. Daí o Neto me apresentou a batida que usei pra essa faixa. A melodia, nem a letra haviam sido escritas em cima da base, mas se encaixou perfeitamente. Fiz minha primeira guia dessa música na casa do Moitão (Matrero Unidade I), grande amigo e ainda integrante, na época do S.A.F.A.R.I no fim de 2009.
Na mesma época a Preta Ary (integrante do S.A.F.A.R.I) mostrou me a letra dela da “O Canto”, que até então não tinha instrumental e eu na época e ainda hoje, aprendiz no Fruit Loops, desenvolvi um instrumental “Malemá”, um rascunho da instrumental mesmo. Achei que precisava um pouco mais de peso então fui até casa do DJ, produtor e MC Skeeter (Integrante do S.A.F.A.R.I) e ele pois o timbre do baixo. Já quase na data de gravarmos uma guia na Unidade II da Matrero (2013), o Neto me fez a pergunta: “Deixa eu mexer nessa base aí, Ice?” daí então ficou da maneira que imaginava mesmo, pesada e mantendo o baixo de reggae que o Skeeter pôs. Essa letra traz uma atmosfera diferente das outras, falo um pouco mais sobre questões de diferenças sociais e a Ary, grande defensora do direito das mulheres, feminista e ativista traz um pouco da opressão que elas sentem na pele dentro e fora do rap.
“Pro que é do mal caia por terra e o que é do bem venha vencer” é pra isso que o rap nasceu, pra nos dar esperanças, nos manter unidos e da união tirar forças pra continuar lutando contra o mal que insiste em nos afetar. No fim de 2012 nasceu a “Pensemos” nessa época eu colava mais frequentemente na Matrero Unidade II, quando conheci e naturalmente me tornei amigo do DJ e Produtor William Monteiro. Produzida pelo meu irmão Moita, a “Pensemos” foi concebida no período em que despertei de fato minha consciência de tratamento a todo ao meu redor de que algumas coisas são transmitidas de pai e mãe pra filho, como cumplicidade afeto, amizade e altruísmo, mas ao longo dos anos nós vamos nos endurecendo achando que isso significa amadurecer e trocamos o significados das palavras. Por exemplo, sinceridade com crueldade, não é só por que a verdade é uma realidade, que essa realidade tem que marcar uma pessoa de uma maneira negativa pra vida toda com nossa sinceridade cruel. Quando a cabeça não pensa nas consequências dos nossos atos, somos capazes de transformar o nosso destino ou o de outras pessoas tanto pro bem quanto pro mal, nessa música eu e o meu grande amigo Inglês retratamos e trazemos essa responsabilidade que deveríamos ter pra letra, que viria mais tarde (2013) a ser meu primeiro single lançado.
Ainda em 2012 trabalhando na empresa, onde ainda trabalho, conheci uma pessoa que me ensinou muito sobre Folk, Blues e Rock. Rafael Cerqueira, grande músico e dono de uma personalidade forte,me falava muito da história do Rock, sobre Che Guevara, Bob Dylan, sobre os festivais, Rage Agains The Machine e Jimi Hendrix. Foi em uma de nossas conversas que surgiu a ideia de fazer um som. Naturalmente ele fez uma base simples de violão e me mostrou, me identifiquei com a melodia criei a letra, depois refrão da musica que mais tarde eu chamaria de “Observem”. Mais tarde em 2014 em uma das visitas a Unidade II da Matrero, fui presenteado com uma batida do meu irmão Willian Monteiro, me recordo que ele, mesmo sendo o criador da batida não gostou muito do resultado, mais logo que a escutei comecei a dar inicio já a obra “Um ferido não se abandona”, foi uma das mais demoradas no processo natural de criação, só fui de fato termina-lá em 2014. A música fala um pouco sobre a dificuldade de ajudarmos uns aos outros em dado momento, até impotente frente a realidade que a vida nos impõe, algumas pressões psicológicas, questões como dinheiro, poder, abuso de poder e autoridades, a busca de um futuro melhor pisando em um outro irmão, toda essa babilônia que nos cerca e a que existe dentro de nós.
No inicio de 2015 senti a necessidade de expor tudo o que me veio nesses últimos anos, decidi então entrar em contato com um grande amigo e professor, Dö MC. Assim que falei da ideia, ele logo me apoiou e me deu todo o suporte pra gravar no Estúdio Pura Rua, onde gravamos o trabalho do S.A.F.A.R.I, o processo de gravação/ mixagem/ masterização deu se no período de 6 meses com inicio em fevereiro de 2015. Devo lembrar aqui que nada disso teria acontecido se estivesse sozinho, como dizem meus irmãos “ninguém é auto suficiente…” Agradeço a todos os envolvidos, Eduardo Lessa, Rafael Cerqueira, Douglas Sant’ana, Vinicius Moreira pelo apoio e a Família Pura Rua e Família Matrero, por me ensinarem muito e fazerem parte da minha impressão no universo. “Pro que é do bem vença. Amém e lutem. Sempre!”
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