Dory de Oliveira: rap que resiste
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Sem esse papo de “rap é rap” pra dizer que tudo é igual. O rap – acima de tudo – é obra humana, não é algo que paira no ar, não é uma entidade divina, autônoma. Esta manifestação é influenciada pelo meio em que os artistas estão inseridos, pelos conflitos sociais, pelas representações. Neste contexto, DORY DE OLIVEIRA, MC que está na ativa desde 2005, constrói seu espaço na cena, segue militando e enfrentando o preconceito dentro do próprio hip hop.
Ao lado de Luana Hansen e Tiely Queen, a rapper integra o grupo Les Queens que, segundo a cantora, é o primeiro grupo de mulheres negras e lésbicas do país. “Levanto bandeira sim, luto pelo que eu sou e acredito”, afirma Dory de Oliveira em entrevista exclusiva ao Bocada Forte. Hoje (04/02), Dory – que é destaque no documentário Mulheres no Rap e prepara um disco solo – participa do Polo Hip Hop, evento que realizado em Pernambuco. Abaixo, conheça um pouco mais das ideias da MC.
Bocada Forte: Seu SoundCloud tem sons lançados desde 2005. Como foi seu envolvimento com o rap? Quando começou a levar a sério e gravar sujas músicas?
Dory Oliveira: Eu comecei a compor aos 13 anos de idade. Escrevia samba e alguns poemas. O rap me fascinou um ano depois, quando vi o show do Rapper Xis no meu bairro, e pensei: “É isso que eu quero ser”. E fui atrás de mais informações e influências. Sempre levei a sério, em 2005 foi quando tive a oportunidade de mostrar alguns dos meus primeiros sons. O rap “Manifestante”, produzido pelo DJ RM, já deixava estampado o meu seguimento e minha luta por justiça.
Bocada Forte: Grande parte dos beats dos seus raps seguem a linha pesada do boom bap. Como foi essa aproximação do seu estilo com o trabalho de beatmakers como Renan Saman, DJ RM, entre outros?
Dory Oliveira: Desde quando comecei a rimar e escrever meus sons, eu carreava comigo esse espírito de luta, de resistência, sempre com um vocal agressivo, assim, sempre me mandavam beats nessa pegada. Mas eu consigo desenvolver e me expressar em qualquer um, do mais pesado ao mais suave. Tive a honra de gravar em beats do Renan Saman: “Sons”, “2.5”, e “Lá vamos nós”, do DJ RM: “RapSomPrasLoka” e “Por 1seg”, entre outros, que não vão entrar nesse CD.
Bocada Forte: Você tem mais facilidade para fazer letras contundentes, mais pesadas, ou é mais tranquilo para você falar de temas mais sossegados?
Dory de Oliveira: Não tenho dificuldade nenhuma em rimar ou escrever em beats diferentes, adoro desafios (risos). Tem a música “É o que tem pra hoje”, que vem numa pegada suave e fala sobre o romance entre duas mulheres, assim como a “Vai Lembrar de Mim!”( produção Rafaela Andrade), são músicas para você ouvir em casa, de boa, tomando um drink.
Bocada Forte: Vi que você participa de coletivos e projetos como o Mulheriu Clã. Coletivos como este e a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop continuam militando e promovendo eventos. Você consegue imaginar como seria o espaço para as minas no rap sem estas iniciativas?
Dory de Oliveira: Continuaria sendo menor, como sempre foi. Antigamente, nós mulheres nos víamos como coadjuvantes. E por que não como atriz principal? Contando nossas próprias histórias, os valores, a sabedoria e os desejos? As mulheres que existiam eram poucas e tinham a responsabilidade de falar por todas as que não tinham a chance de representação. O legado dessas mulheres serve de referência até os dias de hoje. As minas devem meter a voz, alguns homens não gostam de perder para uma mulher, nem todos vão admitir que as mina rimam mais que eles, por isso sempre colocam a gente em segundo plano mesmo. A mulher precisa se impor, com coragem e ousadia. Esse coletivos devem crescer mais. Eu quero ver a multiplicação das mulheres no rap, pois temos muito o que falar.
Bocada Forte: 2014 foi um ano em que o rap teve algumas conquistas. Você está otimista neste 2015? Está preparando algum CD de inéditas?
Dory de Oliveira: Sim, foi um ano que aprendi muito, fiz bons contatos, participei do Coletivo Mulheriu Clã, gravei o clipe do som “Avisa Lá” (produção do DJ Negrito), o vídeo teve a participação de Cesar Hostil, Vinicius Preto (Zamba Rap Clube) e vários outros protagonistas do rap nacional. No momento estou terminando o meu CD, com sons inéditos e produções de Renan Samam, DJ RM, DJ Negrito, DJ Jerm, Rafaela Andrade e Esquina da Gentil.
Sempre procuro talentos diferenciados, cada um tem a sua pegada e tal. Pra mim é da hora, pois fica um trabalho bem diversificado. As parcerias para este ano já estão sendo fechadas, e as participações também.
Bocada Forte: A violência policial continua em alta. Nossa PM é uma das que mais matam jovens, grande parte deste jovens são negros. O rap, como arte negra e da favela, pode ajudar na mudança desta realidade? Por que poucos artistas – alguns com grande destaque na mídia – não entram de cabeça nesta luta?
Dory de Oliveira: É a pergunta mais tensa. “Barão faz lei para te fuder/Você não entende, que o peso/Do martelo pra nós é diferente” (Marcão – DMN). Em cinco anos, a PM de São Paulo mata mais que todas as polícias dos EUA juntas.
Eu já perdi amigos e conhecidos, todos jovens, mortos sem motivo algum, sem aparentarem perigo. O número de jovens mortos é preocupante, de negros então, um absurdo. Você sai pra trabalhar, estudar ou fazer um rolê, mas não tem a certeza de voltar. Tem que existir leis mais rígidas para esse tipo de crime mais investigação, fazer com que os culpados paguem até o final, a na sociedade em que vivemos a carne mais barata do mercado é a carne negra, diariamente morrem mais vitimas da pele preta.
Nós, militantes, ativistas e pensadores, temos não só o dever, mas responsabilidade de abrir a mente dessa molecada, os jovens precisam enxergar que o crime não compensa, que as ruas são perigosas. Precisamos indicar novos rumos, novas referências. Precisamos dizer que o nosso lugar é nas faculdades, em bons empregos, e não na biqueira vendendo drogas, tendo a sexualização precoce dos corpos. É fazê-los crescer com perspectivas de vida, provar o contrário das expectativas da periferia. Quem nasce preto, periférico e excluído vai esperar o que? Todo mundo quer viver bem, pagar de carro, moto e roupas de marcas, o pobre também quer oportunidades iguais de ascensão social, ter uma educação de qualidade, oportunidade de empregos, saúde de qualidade, moradia digna, tudo o que a constituição deveria garantir, mas não garante. Viver bem é viver dignamente, ter ruas asfaltadas, bem iluminadas, uma boa formação, um bom emprego.
Bocada Forte: A homossexualidade ainda é um grande tabu em nossa sociedade, o rap reflete isso. Sabendo que parte da cena compartilha um sentimento homofóbico, como lida com essa parada? Seus próximos trabalhos vão meter o dedo na ferida e abordar com mais força essa questão?
Dory Oliveira: Nossa, tem vários na cena. Não digo só os atuantes no hip hop, mas o público também. Vejo muitos comentários de ódio, uma homofobia escrachada: “que viado e sapatão não tem que fazer rap, porque rap é lugar de macho”. É lamentável ver isso, pois o movimento nasceu para ir contra a opressão e o preconceito, e não é o que se vê. Eu já ouvi de um carinha: “por que você fica falado que é lésbica? Para com isso. Isso só vai te queimar”.
Machismo e homofobia existem em todo lugar, no rap não seria diferente, mas em contrapartida, existe muita resistência e ousadia. Não quero ser conhecida como a Dory de Oliveira, a rapper lésbica, mas sim como a mulher, rimadora, protestante e lésbica. Levanto bandeira sim, luto pelo que eu sou e acredito. Sou integrante do primeiro grupo de mulheres pretas e lésbicas de São Paulo o Les Queens, junto com Luana Hansen e Tiely Queen. Tenho alguns sons escritos e umas ideias na cabeça. abordarei ainda mais esse tema neste ano.
Bocada Forte: Após tramitar por mais de oito anos sem avançar no Legislativo, o projeto que criminaliza a homofobia foi arquivado nesta semana no Senado. Poucos MCs e membros do hip hop repercutiram essa decisão, protestaram. O que você tem a dizer sobre este fato?
Dory de Oliveira: É inaceitável o crime de homofobia ser ignorado. Todos os dias gays são mortos de uma forma violenta, o preconceito é gritante. Temos que ter os nossos direitos garantidos, ninguém aqui está pedindo mordomia, queremos uma legislação que nos represente e nos proteja. É muito grande o ódio e a intolerância contra os homossexuais, todos os dias esse ódio é disseminado por pessoas como Jair Bolsonaro, Levy Fidelix e Marco Feliciano. Caras que nem deveriam estar onde estão, pois multiplicam o ódio e a homofobia. Enquanto isso, milhares de gays são mortos há anos. A luta continua…
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