20 de junho de 2016: DJ Primo, 36 anos.
ESPALHA --->
Nascido em 20 de junho de 1980 na cidade de Curitiba/PR, DJ PRIMO, um dos maiores, senão o maior DJ que o Brasil conheceu, completaria hoje 36 anos de vida. Sua trajetória foi abruptamente interrompida no dia 8 de setembro de 2008, quando uma forte pneumonia viria a causar uma parada cardíaca fulminante. Foi-se o homem e o artista, mas ficou sua música, seus riscos, suas mixagens e, principalmente, seu exemplo de vida dentro da cultura hip hop brasileira.
Para celebrarmos a sua vida, o Bocada Forte relembra uma série de matérias em sua homenagem, encabeçada pelo jornalista DJ TAMENPI (Só Pedrada Muscial), e a REVISTA BOCADA FORTE especial, que foi publicada em 2009.
EDITORIAL – Por DJ Tamenpi
Sou frequentador do Bocada Forte desde sua criação em 99. Antes, não havia muito o que procurar na internet sobre Hip-Hop no Brasil. Contato feito, tempos depois passei a fazer parte da equipe, escrevendo, do Rio de Janeiro, matérias, entrevistas, resenhando discos e fazendo mixtapes. Tenho muito orgulho de dizer que o Bocada Forte e sua equipe foram a minha primeira “família” em São Paulo.
O tempo passa e já lá vão 10 anos de história; agora começa uma nova fase com a revista impressa. Prova de um trabalho bem feito e reconhecido. Tive a honra de ser chamado para criar uma edição neste projeto,e pra mim, a honra ainda foi maior, pois a minha vontade foi a mesma de toda a equipe: uma homenagem a Alexandre Muzzilo Lopes, ou simplesmente DJ PRIMO.
Primo foi, e ainda é minha maior inspiração como DJ, e tive o prazer de tê-lo não só como ídolo, mas como amigo. Apesar da distancia entre as cidades, sempre que nos encontrávamos era um fato histórico na minha vida. Exemplo de humildade, perseverança, raça e determinação. Correu atrás de seus objetivos e em muito pouco tempo, conquistou notoriedade por onde passou, seja no Brasil ou no exterior.
Infelizmente, sua história nesse plano onde vivemos foi de curta duração. Cabe a nós passarmos às gerações futuras tudo que o nome DJ Primo significou. Um dos melhores DJs do mundo: técnica perfeita, repertório intocável e uma simpatia que transbordava para todos que o conheciam. Nessa edição especial, tentei mostrar quem foi o Alexandre, contando sua trajetória desde quando era um “piá” em Curitiba.
Com a ajuda de sua família (obrigado Dona Regina, você criou uma jóia rara nesse mundo) e de amigos de infância, traçamos sua historia desde os primeiros contatos com a música, quando viajava nos passos de Michael Jackson, até sua ida para São Paulo. E através de depoimentos de amigos você poderá conhecer um pouco do DJ, que foi Primo.
A HISTÓRIA
Alexandre Muzzilo Lopes era o nome dele. Mas todos o conheciam como Primo, DJ Primo. Filho de Dona Regina e Seu Ivan, irmão de Juliana, nascido em Curitiba, e com uma base musical vinda da própria família, recheada com muito samba, funk e soul. Desde criança, convivia em rodas de samba em festas de parentes, e até arriscava um repique e um pandeiro de vez em quando. Seu ídolo de infância? Michael Jackson. “O Alexandre sempre foi muito brincalhão, gostava de imitar os artistas, dançando. Amava o Michael Jackson. Imitava tudinho e era a sensação na família. (risos) ‘Billie Jeans’. Não podia ouvir que saia dançando”, lembra sua irmã, Juliana. Seu pai adorava mexer com caixas de som, cabos, montando e desmontando, e o filho sempre por perto, rodeando, observando, dando sinais que seu destino estaria por ali.
Na escola ele conheceu o rap e o basquete. Apresentado por seus amigos, o interesse pelo “ritmo e poesia” foi crescendo gradativamente. Formou grupo com amigos onde fazia rimas. Mas a iniciação aconteceu numa loja no centro de Curitiba. A loja SPIN 94 era o ponto de encontro dos adoradores da cultura Hip-Hop. De dia funcionava como loja, com venda de roupas, discos e etc. De noite ela virava um estúdio de ensaio. Ali aconteciam os ensaios do grupo Black Out, um dos pioneiros do rap curitibano. Formado, inicialmente, pelo Jonathan (dono da SPIN 94), Bill e DJ KR, o grupo ensaiava três vezes por semana quando o expediente da loja acabava. Marlão, amigo dos integrantes do Black Out, estava sempre na loja e levava com ele um garoto franzino, calado e tímido, que ficava por lá até quando Marlão ia embora. Esse menino de roupas largas simples e boné que escondia o rosto foi tornando-se meio que um mascote da loja. Todos brincavam com ele. E como não sabiam seu nome, o chamavam de “o primo do Marlão”. E, de tanto o chamarem assim, acabou ficando somente “Primo”.
Entrevista de DJ Primo ao programa “Bastidores”, de Pedro Gomes:
Primo começou a ficar fascinado com os ensaios e, principalmente, com os toca-discos. Nessa mesma época, ele começou a trabalhar na SPIN 94. Quando KR não podia comparecer aos ensaios, colocavam o Primo para virar os instrumentais. Mesmo não sabendo e não tendo a técnica, ele ficava super feliz. Isso foi acontecendo cada vez com mais freqüência. A cada ensaio sua evolução era assustadora. Trazia novas propostas para as musicas, colagens e bases que ele mesmo editava em um toca-fitas. “Sim, ele tinha a manha de fazer loops com um deck de cassete incrível!”, conta Jonathan
. “Seu crescimento era notável a ponto de eu ter de decidir colocá-lo no grupo, pois seu nível era bem superior ao DJ atual. Que situação delicada trocar de DJ sendo que os dois envolvidos eram meus amigos. Fiz uma reunião com o KR e expliquei o inexplicável: ele seria substituído pelo tal piá que há tempos atrás nem sabia pegar direito no vinil.”, complementa.
Jonathan foi o principal incentivador nesse início de carreira. Com a saída do KR, os toca-discos foram-se embora também, já que pertencia ao ex-DJ. Mas Jonathan apostou suas fichas no garoto Alexandre e, através de empréstimos de amigos e cachês de shows, conseguiu comprar um par de MKII. A partir daí foi só historia. “Primeiro show com o Primo como DJ oficial do grupo foi na abertura do show do Thaide & DJ Hum em Curitiba, no dia 8 de março de 1997, foi foda! Ele tremia pela pouca experiência de palco, imagine, quase quatro mil pessoas. Ele errou já no inicio e uma galerinha ali no pé do palco não perdoou e, em coro, gritava ‘amador, amador, amador’. Fiquei mordido, afinal ele era meu orgulho, mas eu sabia que ele tinha uma carta na manga. No meio do show eu e Bill trocaríamos de figurino e era o momento do DJ Primo fazer uma performance de scratchs e colagens que deixou todos de boca aberta. Enfim, ele destruiu e ao final eu falei no microfone ‘é isso que este menino é? Amador? Imagine quando ele for profissional!´ (risos)” .
DJ Primo se tornou uma figura ativa no Hip-Hop curitibano. Mesmo com pouca idade, organizava festas memoráveis. “Peso Pesado” teve três edições, e em uma delas o Black Out foi o convidado. “Ele veio até nós e nos contratou. Eu achei muita atitude e moral de um piá do nada, vir e ter uma postura profissional que muitos adultos nunca tiveram.” Numa dessas festas, no bar Era Só O Que Faltava, Primo convidou os paulistanos DJ Nuts, Keffing, Negro Rico e Zé Gonzáles, que, impressionados com a técnica do garoto, retribuíram o convite e o levaram pra tocar em São Paulo. A partir daí a história do garoto franzino e tímido, começa a tomar o mundo. Em 2000, foi DJ da Drop Tour, com o time de skate da grife Drop Dead, e foi convidado pra abrir a final do Hip-Hop DJ, na época, o único campeonato dedicado a arte dos toca-discos no Brasil.
Com diversas idas a SP, Primo foi impressionando a todos com sua técnica e simpatia. Em uma dessas ocasiões, na festa de aniversario do DJ Zé Gonzáles, um dos produtores do evento, Guigo, o viu tocar pela primeira vez e ficou chocado com a apresentação. Cismou de trazer o garoto para São Paulo. Foi a época de acontecimentos que mudaram a vida de Alexandre para sempre. A Red Bull Music Academy estava fazendo sua edição em São Paulo, e estavam por lá DJs como Cut Chemist, Babu, J.Rocc e Madlib. Nuts e Zégon o convidaram para ir no evento e por lá ele ficou, impressionando a todos, dos gringos aos brasileiros. Exatamente nesta época, o produtor Guigo, formou a Chocolate. Uma produtora/agencia com um projeto inovador: os melhores DJs do Brasil tocando a verdadeira musica Rap. A festa Chocolate estreou no club Mood com os convidados gringos que estavam no país e com Zégon, Nuts, Dubstrong e Primo como residentes.
Foi a primeira residência dele em São Paulo e de lá ele tomou a cidade, firmando-se de vez. Tocou ao lado de Afrika Bambataa, Lyrics Born, fez trabalhos com Mamelo Sound System, Otto e Max B.O. Em 2003, foi chamado pelo rapper Marcelo D2 para ser o DJ oficial da turnê do disco “A Procura da Batida Perfeita” e fixou-se com o artista durante três anos seguidos, rodando o mundo. Durante esse período, porém, não parou de fazer trabalhos próprios, seja em palco, pista ou estúdio. Tocou ao lado de nomes de peso do rap alternativo internacional, como Hieroglyphics, Aesop Rock & Rob Sonic, e participou do projeto Brasilintime, sessão de improviso entre bateristas lendários (Wilson Das Neves, o nigeriano Tony Allen e Pupillo, da Nação Zumbi) e heróis do scratch (J-Rocc, Babu, do grupo Dilated Peoples).
Outras paixões surgiram na vida de Alexandre. Uma delas foi a produção. Primo começou a produzir beats de muita qualidade. Produziu para Marcelo D2, MC Cindy, Helião & Negra Li, Kamau, Emicida, Subsolo, entre outros. A outra paixão foi sua mulher, Patrícia de Jesus, com quem conviveu até o fim de sua vida.
Após a saída da banda de Marcelo D2, DJ Primo começou a trabalhar com Rappin’ Hood em shows e em seu programa na TV Cultura, o “Manos & Minas”. Também passou a ser figura ativa nas festas de break, tocando na Rockmaster Party e trabalhando com o Tsunami All-Stars, dos B.Boys Pelézinho, Chaverinho, Kokada, Catatau, Aranha e Neguim. Primo produzia as trilhas pros campeonatos, ajudava nas coreografias e até na vestimenta da crew. Em 2008, uma conquista inimaginável, começou a dar palestras e aulas de DJ e scratch na Faculdade Anhembi no Morumbi, apresentando para os acadêmicos, o instrumento que é um toca-disco. Infelizmente pouco tempo depois sua história foi interrompida, mas jamais será esquecida. “Ele tinha uma pressa incrível. Eu dizia ‘calma filho, tem tempo, vamos fazer isso amanhã’. E quando chegava o amanhã ele já tinha feito. Hoje entendo sua pressa. Ela foi responsável por conquistas, por realizações, por reconhecimento, por respeito, por admiração. Pelo orgulho que sinto do meu filho. Com tudo isso, nunca deixou de ser humilde, de se lembrar de todos, de desejar sempre que todos estivessem bem. Sempre foi muito família, tinha muitos projetos, muitos sonhos. Quando paro para pensar em como ele se foi cedo, penso também que cedo ele começou a batalhar para que tudo acontecesse a tempo, e foi o que aconteceu.”, finaliza Dona Regina, mãe de Alexandre.
Ouça uma mixtape gravada por DJ Primo em 2006, em comemoração aos 7 anos do Bocada Forte:
ENTREVISTA – GUIGO LIMA
Bocada Forte (BF): Você foi um dos grandes responsáveispela vinda do DJ Primo para Ssão Paulo. Conte pra nós como isso aconteceu? Como você o conheceu? E qual impressão ele te passou de primeira?
Guigo: Bom… por muito tempo eu ouvia os DJs Zegon e Nuts falarem sobre um DJ de Curitiba que era bem foda, e eles me falavam em dar uma oportunidade para ele, mas naquela época eu trabalhava com mais duas pessoas e todos precisavam concordar com a decisão… Eles não se cansavam em repetir, e a esta altura eu já estava louco para conhecer este DJ… Mas quando chegou o aniversário do DJ Zegon, achamos a ocasião certa para ter o Primo tocando pela primeira vez em nossa festa, pois os outros dois não iriam negar um pedido de aniversário… Ele não teve um ótimo horário para tocar, mas com o pouco tempo que teve mostrou que tinha qualidade para ser residente de qualquer festa de SP, e no final da festa bateu a sintonia… Eu passava pela pista que ele tocava, o club que acontecia a festa na época tinha duas pistas, e ouvi uma musica do Quanum Spectrum que eu pirava, mas que ninguém tocava, e quando corri pra ver quem estava tocando aquela musica, dei de cara com o Primo, e fiz questão de comentar o quanto curtia aquele som, e aí tudo começou.
Alguns meses depois, eu e o DJ Zegon estávamos conversando para montar o projeto Chocolate e decidimos que o Primo seria um dos residentes da festa, pois ele tinha algo diferente, que era exatamente o que procurávamos,além do bom gosto, técnica e a sintonia que fazia parecer que ele sempre esteve ali, vendo o que fazíamos, aguardando o momento certo para mostrar a sua cara.
A Chocolate, inicialmente, era um projeto de Hip-Hop Underground, feito pra chocar e chacoalhar o mercado, e para isso precisávamos montar um time de responsa, pois seríamos julgados por todos, pois estávamos indo contra tudo e todos, para montar o que hoje é um dos maiores, se não o maior, selo de festas Hip Hop do Brasil. Com isso o DJ Primo começou sua primeira residência em SP, garantindo sua estadia na babilônia e ajudando ele a mostrar todo seu talento. De SP ele ganhou o mundo, e sou feliz por ter feito parte disso, pois eu só abri uma porta, dali em diante foi com o talento e persistência dele, pois ele sabia onde iria chegar. Inicialmente a festa acontecia no Mood Club, com os DJs Primo, Zegon, Nuts e Dubstrong. Depois de um tempo o DJ Nuts saiu e mais na frente o DJ King viria substituir o DJ Zegon, que partia para Los Angeles para iniciar seu projeto NASA. E quando o DJ Zegon voltou, formamos o “Quarteto Fantástico”. A melhor equipe de DJs com que trabalhei em 13 anos de noite em SP: DJs Primo, King, Zegon e Dubstrong. Trabalhei com o Primo por 6 anos todas as terças, algumas quintas, sábados, sextas. Em SP, POA, Floripa, Maresias e Caxias do Sul.
BF: Fale um pouco do DJ Primo como DJ, e do Aalexandre como pessoa?
Guigo: Eu sou suspeito para falar sobre ele, seja como DJ, ou como pessoa… Pois sempre fui seu fã e “irmão”… E às vezes, pela responsabilidade que eu sentia em manter uma boa estrutura para ele em SP, ele era como meu filho…
O DJ Primo foi um dos melhores DJs que eu vi tocar na minha vida, e eu já vi vários que são ditos como os maiores do mundo, como J-Rocc, Cut Chemist, Nu-Mark, Roc Raida, Shadow, Craze, Q-Bert, entre outros. O DJ Primo era completo… Mixava como poucos, cortava como poucos, seus scratches ficaram famosos no mundo todo e imortalizados no Brazilintime, e seu estilo nos toca-discos era único. Por mais que alguém tentasse ou tente copiá-lo isso será impossível! Seus sets sempre eram diferentes um do outro, cada dia uma novidade. E o melhor, sempre diferente de qualquer outro DJ. Perfeccionista ao extremo, sempre cobrou de si mesmo mais do que qualquer outra pessoa poderia imaginar em cobrar. DJ confiante, que sabia do que era capaz. Eu vou citar um bom exemplo disso. Nos dias de Serato quase todos os DJs tem as mesmas musicas, pois quase todas estão disponíveis na internet, mas muitos DJs insistem em manter certas musicas como seu “ouro sagrado” e não passam para ninguém, mas o DJ Primo dizia o seguinte sobre isso: “Eu passo a música mesmo, quero ver ele tocar esta musica da mesma forma que eu toco!”. O Primo tinha uma dedicação absurda, e um bom exemplo disso é um fato ocorrido quando fazíamos uma festa que se chamava Chocolate Beats, no extinto PIX. Eu, como sempre fazia, chegava cedo, antes do club abrir, e o Primo, DJ residente deste projeto, ia comigo. Na primeira edição chegamos uma hora antes do club abrir, e enquanto eu organizava tudo, o DJ Primo estava sentado num banco com o seu mixer no colo, e já fazendo seu aquecimento dedilhando o crossfader de seu mixer. Depois de alguns minutos ali, ele pergunta: “será que eu posso ir ligando meu mixer?” E lá foi ele, ligar o mixer e começar seu aquecimento. Ele ficou por uns 50 minutos fazendo scratch usando apenas seu fone de ouvidos, com o som todo desligado, até o dono do club, André Juliani, perguntar: “Tá tudo bem ali com ele? Será que eu ligo o som? O cara tá a quase uma hora fazendo scratch só no fone de ouvido!”
O DJ Primo treinava todos os dias, pelo menos umas seis horas por dia. Tem uma frase de um atleta famoso das antigas, conhecido como Pre, um dos maiores corredores de todos os tempos, que dizia o seguinte: “Se não for para você dar o melhor de si, é perda de tempo!” Acho que o Primo era como ele, e esta frase resume em poucas palavras quem era o DJ Primo.
O Alexandre era um menino simples, que gostava que as coisas fossem feitas sempre da melhor maneira, e o mais importante, da maneira correta. Menino de valores simples, que são esquecidos hoje em dia, como respeito, dignidade, amor ao próximo, e muita paciência. Menino que soube lidar com o sucesso repentino, pois veio muito mais rápido do que podíamos imaginar, de maneira grandiosa, sem nunca esquecer quem ele era e nem de onde veio. Menino que adorava comer uma boa comida acompanhada de um bom vinho, mas que comia o Hot Dog com refrigerante na saída da festa com o mesmo prazer! O Alexandre vivia o momento, com muita alegria, segurança e calma. Costumava brincar com ele dizendo que ele era um ET, que nós somos homo sapiens, e ele era da espécie Primus tranquilus. O Alexandre sempre foi um grande homem, um grande amigo, um grande marido e um grande filho. Pena que o tempo não deixou que ele fosse um grande pai. A companhia do Alexandre era diversão garantida!
BF: Você presenciou sets do Primo ao lado de DJs de ponta, como Roc Raida, Cut Chemist, J.Rrocc, entre outros. O que os gringos achavam do trabalho do Primo? E o que você pode nos dizer, na sua opinião, em relação ao set do Primo e os sets dos gringos. Qual era a diferença?
Guigo: O que eu posso dizer sobre isso é que todos os DJs que vieram de qualquer parte do mundo e que viram o Primo tocar ficaram fãs dele. Hoje em dia em qualquer área profissional a carência maior esta na criação, e não por que a criatividade está em baixa, mas por que as pessoas não são mais criativas. As pessoas sabem copiar muito bem e não sabem mais a diferença entre você ter referências e influências, de copiar literalmente. O DJ Primo foi influenciado por vários artistas, como os DJs Q-Bert, D-Styles, Melo-D, Revolution, J-Rocc, Cut Chemist, Z-Trip… Mas ele criou seu próprio estilo, um estilo agressivo, extremamente técnico, que não permitia um segundo de descanso durante seus sets. DJ de encher os olhos e ouvidos de quem podia acompanhar de perto o seu trabalho!
A diferença entre o Primo e os gringos muitas vezes chegava a ser ridícula. Cansei de ver ele colocar grandes nomes mundiais no “bolso”. Mas a grande diferença dele para os outros era a sua vontade de tocar, sempre! Seu apetite assustava certos DJs, que às vezes não conseguiam entender de onde vinha tanta vontade. A vontade de melhorar sempre. E quando uma pessoa chega no topo, alguns acham que de lá não tem mais para onde subir, mas quem faz a trilha sempre sabe por onde continuar, e quem segue precisa esperar uma nova trilha se abrir. E o Primo sabia exatamente para onde ir. O Primo conquistou o respeito de todos por onde passou, com sua humildade, competência e alegria. O DJ Primo é um DJ que faz e fará falta, pois ele era um gênio, sem exagero, e vai demorar muito para termos no Brasil outro DJ do mesmo calibre, se é que vamos ter um dia.
A história do Primo é uma lição de vida, de um garoto humilde, que saiu de sua cidade natal atrás de seu sonho, deixando sua família, namorada e conforto da casa dos pais, um sonho a ser conquistado em uma das maiores cidades do mundo, sem garantia de nada, de nada mesmo, acreditando em seu potencial e destino, acreditando o tempo todo que era capaz, capaz de conquistar e de manter, capaz de mudar coisas, capaz de ser quem ele realmente queria ser, capaz de ser feliz em uma cidade onde todos querem apenas ganhar cada vez mais dinheiro, capaz de ser verdadeiro consigo e com tudo ao seu redor, capaz de ser homem, de manter a sua dignidade acima de tudo, capaz de ser o DJ Primo e o Alexandre ao mesmo tempo!
Ouça o programa Boomshot especial com DJ Primo, apresentado por Zeca MCA e Jimmy Luv, com 1h 20min. de duração:
ENTREVISTA – MARCELO D2
Bocada Forte (BF): Como você conheceu o Primo? Quais foram os primeiros contatos?
Marcelo D2 (MD2): Então.. o Zé e o Nuts já falavam bastante dele pra mim. Diziam que tinha um DJ de Curitiba que era sinistraço. Aí quando fui tocar lá, conheci ele pessoalmente. Trocamos varias idéias. Sempre que ia fazer show em Curitiba, ele ia. Mas não conhecia ele discotecando. Aí teve uma época, acho que 2003, que eu fiquei fazendo umas festas numa boate em Goiânia. Eu tocava, e convidava uns DJs pra tocar tb. Levei mó galera, DJs do Rio e de São Paulo. Um dia o cara da boate me ligou pra marcar uma data, e eu já tinha levado todo mundo. Num me vinha mais ninguém em mente. Aí lembrei do Primo. Liguei pra ele e fomos. Foi foda! Ali eu vi que o cara realmente era tudo o que falavam. E na época, eu tinha acabado de gravar o “A Procura….” e tava procurando um DJ. Foi coisa do destino. Porque ele também tava em um momento muito empenhado. Tinha acabado de se mudar pra SP e tava no gás total. Eu também estava morando em SP, e morávamos por coincidência um do lado do outro. Então vivemos muito tempo juntos, ou na casa dele, ou na minha. Ensaiando, montando o show. Ele realmente tinha um dom. O cara conhecia um scratch novo, e em um dia de treino, ele já fazia igual. Tinha muita vontade. Aprendi muito com ele e vice versa.
BF: Vocês viajaram muito pra gringa. Como você via a receptividade do publico em relação a ele?
MD2: Foram vários episódios. Nego passava mal com ele. Na Europa, então! Sempre que acabavam os shows, ele ficava tocando. Naquele estilo dele. Os gringos, novatos futuros DJs, não levavam fé. Lembro de uma vez na gringa, acho que na França, que o show acabou, ele ficou tocando, e tava em um dia muito inspirado. Mas tocando muito mesmo. Acho que foi a vez que a galera da banda realmente começou a pagar pau pro cara. De falar “Pô, esse maluco realmente é dos melhores que tem!”
BF: E como eram o DJs gringos em relação a ele?
MD2: Cara, o Primo não devia nada pra nenhum deles. É aquilo né, esses caras: J.Rocc, Cut Chemist, Babu nasceram com a parada no sangue. Eles realmente viveram o hip-hop. Desde a infância. Todos os booms que tiveram. Então é diferente. É igual gringo com samba. Aquilo ali é deles. Mas eu vi todos esses que citei, literalmente passando mal com o Primo no Red Bull Music Academy. E, na minha opinião, ele era tão bom, ou até melhor que geral. Acho que o único que eu achava mais foda que ele é o Mix Master Mike (Beastie Boys).
BF: Ele produziu uns beats pro disco “Meu Samba É Assim”. Você acha que ele teria o mesmo sucesso com produção?
MD2: Acho. Ele tinha muito talento pra esse lado também. Era algo novo, e ele já fazia muito bem feito. Apresentava vários discos pra ele. De samba, bossa nova, musica brasileira, né. E ele absorvia muito bem. Lembro de um beat que a gente fez no ônibus, na gringa. Ele juntou todo mundo, pegamos os instrumentos, gravamos peça por peça e ele foi montando. Tudo dentro do ônibus. Depois incluímos uma ou outra coisa no estúdio. Ele teria muito futuro nessa área também.
DEPOIMENTO – DJ NUTS
Primeiro, encontrei Primo numa dessas idas para Curitiba em 99 na apresentação do meu grupo com o Napoli, o Nitro.
Nosso show seria no Bar 66, era um campeonato de B-Boys. Na passagem de som eu estava praticando scratch e chegou o Primo, perguntando como é que eu fazia meu flare. Eu olhei para ele chapadão e fiz assim com a mão e falei “tipo assim caraaa…” Momento engraçado, mal eu poderia esperar que ele me superaria com sua técnica de scratch em pouco tempo. Com a sua vinda para São Paulo começamos a praticar com quatro toca discos e montar rotinas de equipe no projeto que chamava ´Tupinikings´, brincadeira que durou até o tempo em que ele entrou para turnê do D2. Passamos a se ver menos até o fim desse período, daí então, sendo residente em varias festas e se destacando nas pistas aqui em Sampa, em clubs como o Mood, aonde sempre íamos embora juntos no fim de noite para comer, conversar, dar risada sei lá, nunca para fazer nada de errado tipo vadiagem, e foi até numa sexta feira dessa; a ultima vez que nos encontramos nesse plano.
Quero lembrar que é importante celebrar e amar as pessoas em vida e não só depois de sua passagem, e o que fica é o ensinamento da pessoa que vai. Sempre vi nele um espelho pelo seu perfil e acredito que isso vai valer para outras gerações de DJs que querem ser profissionais, e tocar a vida com o som. Agradeço a Deus por ter tido Primo ao lado em momentos inesquecíveis, altos rolês, com muito som, desafios e conquistas, sem grilo. Será lembrado em alegria em todos lugares que passou aqui e lá fora como um melhores DJs que todo mundo viu. Do seu brother Águia… para a Família e Patrícia.
DEPOIMENTO – PATHY DEJESUS
A primeira vez que ouvi falar do Primo eu estava em Nova York, há pouco mais de 5 anos. Havia um burburinho enorme em SP sobre um moleque de Curitiba que tava indo pra SP e que tocava muito. Falava-se tanto disso que eu dei um jeito de ouvi-lo tocar logo que voltei pra cá.
Que surpresa maravilhosa vê-lo tocar pela primeira vez… Underground no sangue! O Primo tinha tanta técnica, que hipnotizava as pessoas… E foi exatamente o que aconteceu comigo, fiquei hipnotizada pela técnica, pela postura, pela sensibilidade musical e pela luz daquele menino… E depois que o conheci, essas qualidades só se confirmaram e se reforçaram.
Como DJ, digo sem sombra de dúvida, que foi o melhor brasileiro que já vi tocar. Pra ele, música tinha cor… “nega, essa música é meio laranjinha… Tá vendo?”. A música era a alma dele. O Primo levava tão a sério a profissão, que perdi as contas das vezes que eu acordava de madrugada, olhava pro lado e ele não tava. Aí, eu ia até o estúdio na ponta dos pés, abria a porta e ficava um tempão vendo ele treinar scratch, fazer um beat… E ele era tão concentrado que demorava a perceber minha presença ali. “Vem dormir, Alexandre!” “Não nega, preciso treinar…” Generoso demais, nunca se negou a passar pra frente o que sabia, nunca se negou a ajudar quem merecesse. Não tinha essa de vou tocar primeiro, vou tocar depois… Qualquer hora era hora e ele arregaçava sempre!
Conheceu, trocou ideias e tocou ao lado dos melhores djs do mundo… Acho que quando se é especial, acaba-se atraindo coisas especiais… DJ Primo era muito especial… Lembrar do que aconteceu no Redbull Academy, quando ele estava numa das salas fazendo scratch e o Cut Chemist (um dos djs que ele mais admirava) ia passando, não só parou pra ouvi-lo como ´pediu´ pra fazer scratch junto… Ou o que aconteceu em Nova York, quando ele estava numa loja de discos, minutos após conhecer o Nu-Mark, encontrou ninguém menos que Grand Wizard Theodore (inventor do scratch) e foi parar na escolinha que o cara tinha perto da loja, pra mostrar-lhe um pouco de suas habilidades… Ou ainda quando foi pra Los Angeles e ficou gripado, de cama. Foi acordado pela dona da casa e uma amiga, que tinha feito um super chá pra ele melhorar. Nome da amiga: Erikah Badu! Sem falar da magia do BRASILINTIME, ou de como ele chorou e ficou deprimido quando teve que comprar o Serato, porque achava que tava se desprendendo de suas raízes… Ele realmente era muito especial. Pensando bem, seria difícil enumerar momentos emocionantes na carreira dele. Ele era tão dedicado, que qualquer festa era festa. Toda vez que saía pra tocar, cumpria o mesmo ritual: treino e concentração. E quando tudo saía do jeito que ele queria, ele se emocionava feito criança.
Do Alexandre, posso dizer que misturava a alegria de um menino, com a postura e responsabilidade de um homem. A vida não era nada complicada, tudo se resolvia ou se deixava pra lá, sem maiores ressentimentos. Adorava um samba, uma cervejinha e dançar break na sala de casa! Era um perfeito cavalheiro, cozinhava, ajudava a arrumar a casa. Tinha um guarda-roupa impecável e um bom gosto ainda maior, mas sempre demorava muito pra se arrumar… Saudades… Tenho muitas coisas pra dizer sobre ele, mas ainda é muito difícil… Dói demais e não passa. O bom, é que são sempre lembranças de coisas boas. Até dos momentos mais difíceis de nossas vidas, ficou uma lembrança positiva e uma lição: quando duas pessoas se amam e se respeitam de verdade, são capazes de chegar a qualquer lugar juntas. A gente era uma equipe, um time muito bem treinado que não perdia nem no par ou ímpar. Nos chamávamos de “sócios da vida”… Saudades…
Um dia, comprei um livro pra ele e escrevi a seguinte dedicatória: ‘DJ… Inspiração é a palavra que melhor ilustra a consequência de estarmos juntos e felizes. Que esse livro de alguma forma te sirva de estímulo ao pensamento, a sua atividade criadora, que te traga idéias, ou prenda um pouquinho sua atenção… A inspiração faz com que você não se acomode, queira sempre inovar, melhorar. Instiga desafios, novas metas. E isso diferencia o padrão do talento, o normal do excepcional, o amador do profissional. Então, que você continue sendo esse profissional excepcionalmente talentoso: DJ Primo (o céu é o limite).‘
É isso… O CÉU É O LIMITE!
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