Rap e Política | Não podemos ter medo ou vergonha de questionar a ordem vigente
ESPALHA --->
Em seu livro ‘Só mais um esforço’ (2022), que aborda o colapso do lulismo e critica as conciliações e pactos feitos pela esquerda com as oligarquias brasileiras, o filósofo Vladimir Safatle afirma que o neoliberalismo, além de uma doutrina econômica com resultados miseráveis, é um discurso moral capaz de fundamentar novas formas de sujeição social, onde assumir os riscos no livre-mercado é a expressão maior de uma certa maturidade.
Em determinada parte da obra, ao analisar as movimentações políticas de maio de 1968 na Europa, Safatle nota que:
“Sua necessidade [do neoliberalismo] foi imposta a nós como uma injunção moral, como uma moral baseada em uma versão muito particular de coragem enquanto virtude. Coragem para assumir o risco de viver em um mundo no qual pretensamente só se sobreviveria através da inovação, da flexibilidade e da criatividade”
No neoliberalismo, o fracasso econômico é algo individual, é o lugar e o resultado de quem não se recicla, não se reinventa. Hoje, nos discursos que ouvimos nas redes sociais, segue a ideia que os excluídos no sistema capitalista precisam ser empreendedores da periferia para crescerem e saírem dessa situação de desigualdade, mas quase nada é dito sobre uma crítica social ao capitalismo.
RAP
Traçando um paralelo com o Rap brasileiro, podemos fazer um recorte da reportagem “O Rap brasileiro em tempo de mudança”, que aborda as transformações no discurso de parte dos artistas.
Apesar de falar sobre assuntos diversos, o Rap brasileiro mais politizado e anticapitalista se desenvolveu num período de ascensão da esquerda no país, mas os agentes do neoliberalismo souberam criar mecanismos para que as mudanças sociais e econômicas seguissem a seu favor.
Ainda de acordo com o livro ‘Rap, Cultura e Política’, diferentemente do que era propagado no Rap militante dos anos 1990, o movimento dos jovens artistas periféricos é feito de outra maneira, “os significados de trabalho e organização não se referem respectivamente à formação de classe e política na forma de movimento social reivindicatório por direitos de cidadania. O sentido que esses termos passam a assumir é o da forma-empresa.’”
As experiências de sucesso midiático de muitos artistas durante os últimos anos e a economia que gira ao redor de gêneros como trap, funk e suas fusões, demonstram a eficácia de um modo de produção que tem como um de seus eixos a crítica social rasa ou a total falta de crítica.
Se por um lado o Rap e seus subgêneros ganharam destaque, com muitos de seus artistas ganhando as páginas, sites e redes sociais que falam sobre celebridades totalmente livres, do outro, o domínio dos padrões e visibilidade está nas mãos das bilionárias plataformas digitais. São elas que têm a decisão final de alavancar ou restringir o alcance dos rappers, trappers e DJs.
Para conseguir vencer em meio aos milhares de lançamentos mensais, é preciso seguir as regras. Quem conseguiu sair de uma zona de desigualdade acredita que está bom assim, afinal, é um direito dele.
O artista acaba achando que quem analisa o Rap e a conjuntura política e social é um mero hater, alguém que não consegue fazer grana e abomina o sucesso alheio. É necessário lembrar que não é essa a visão. Culpar o artista pela realidade que vivemos neste governo autoritário é um enorme erro.
O fato é: disfarçado de rebeldia, o neoliberalismo renova as formas de sujeição social, infantilizando e inviabilizando qualquer questionamento.
INFANTIS?
Trabalhos como ‘Terra em Transe’ (volume um e dois), do rapper Yannick Hara, que criticam o capitalismo e sua essência excludente, são lançados e sobrevivem no circuito alternativo. A veia política do Rap também é confirmada nas ações do veterano Crônica Mendes, que continua levando seu som e suas reflexões para as periferias.
É a palavra do rapper Eduardo (ex-Facção Central) que é compartilhada nas redes sociais a cada participação sua em podcasts, onde as questões sociais e raciais são dissecadas para provar o quanto a elite prejudica a vida dos mais pobres.
E tem mais: Gíria Vermelha, que lançou um novo disco recentemente, Rato e Ralph, Gil Daltro, os artistas do selo Sujeira Brasileira, Infoguerra, que segue falando e protestando contra as mais diversas formas de opressão. Anna Suav e Bruna BG, Amanda Negrasim e DJ Llobato, Vinicius Preto e Afronauta, a ativista Lunna Rabetti, Aganju, Markão Aborígene, Viela 17, Xemalami, Germano, vários colunistas do BF, entre outros.
Muitos artistas saíram da linha de reprodução, questionam a realidade e tentam conversar com o povo periférico em busca de soluções além do que é imposto pelas grandes corporações. É também daí que nasce a indignação e a tomada de consciência. Em tempos de eleições e intolerância da extreama-direita, precisamos reverberar essas paradas.
Acompanhe nossas lives na Twitch
Confira os últimos vídeos em nosso canal
[wp-rss-aggregator feeds=”youtubebf”]
1 comentário