Opinião | Por que sempre falamos em resistência?
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Neste segundo turno das eleições para a Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) assumiu destaque ao propor medidas que, à primeira vista, soam como um aceno ao empreendedorismo. Prometeu liberar motoristas de aplicativos do rodízio de veículos, flexibilizar propaganda nos táxis e facilitar crédito para pequenos negócios, ao mesmo tempo em que se comprometeu a não aumentar impostos. Essas mudanças geraram críticas de setores mais conservadores, incluindo grandes jornais e sites de notícias ligados ao mercado financeiro, que as classificaram como uma guinada oportunista, distanciando-se das teses tradicionais da esquerda.
Essa crítica, no entanto, ignora de maneira proposital a complexidade da realidade política. As letras do Rap combatente alertam sobre o que é uma sociedade moldada pelo capitalismo, onde a pobreza é produto direto da concentração de riqueza nas mãos de poucos. Adaptar-se às novas condições de trabalho e criar políticas que atendam aos trabalhadores precarizados é, na verdade, uma resposta à realidade de exploração vivida nas periferias e nas grandes cidades.
Como bem coloca o texto “O que a esquerda tem a dizer”, de Mauro Luis Iasi, no site da Boitempo, que faz análise crítica sobre a pobreza e o capitalismo, “a pobreza não é uma sina ou falta de mérito, mas o resultado inevitável de uma forma particular de organizar a produção social da vida: o capitalismo”. A esquerda, tanto em sua teoria quanto em sua prática, sempre compreendeu isso. O desafio é fazer com que essa compreensão se traduza em políticas que beneficiem a classe trabalhadora, que muitas vezes se encontra desorganizada ou alheia às dinâmicas que governam suas vidas.
Assim, a proposta de Boulos não deve ser vista como um abandono de princípios, mas como uma estratégia pragmática dentro de um contexto onde a maior parte da população é forçada a se submeter a condições de trabalho precarizadas. A flexibilização de certas normas, como o rodízio de veículos, não é um ato de adesão ao neoliberalismo, mas um esforço para aliviar a situação dos trabalhadores informais, que lutam diariamente por uma sobrevivência digna. A falta de infraestrutura e o empurrão da população pobre para as periferias das cidades não são fruto de má gestão ou planejamento falho, mas sim de um sistema urbano projetado para concentrar poder e riqueza em determinados espaços, relegando os marginalizados a regiões com pouco ou nenhum suporte do Estado.
Para os leitores do Bocada Forte, essas questões ecoam a luta histórica do Hip-Hop. Assim como a esquerda busca formas de combater o poder concentrado nas mãos de poucos, o Hip-Hop luta para dar voz aos marginalizados e denunciar a exploração e opressão.
A crítica de que a esquerda “se afastou das aspirações populares” reflete uma desconexão daqueles que enxergam a política apenas sob as lentes do lucro. Na verdade, a luta contra a mercantilização de todos os aspectos da vida — educação, saúde, transporte, moradia — é a essência de um movimento que visa a transformação social. Os neoliberais e grande parte da imprensa não gostam quando os militantes do rap afirmam que os serviços básicos são transformados em mercadoria, onde os pobres têm que trabalhar arduamente para garantir a compra dessas necessidades, enquanto os ricos acumulam fortunas. Dizem que é uma visão limitada, ultrapassada.
Outro ponto crucial levantado por Mauro Luis Iasi é como a classe trabalhadora, embora seja a principal força produtiva da sociedade, continua alienada e dividida. Muitos trabalhadores são forçados a “empreender”, sabemos que a crítica deve mirar o sistema que cria essa realidade desigual, não as pessoas pobres que buscam uma forma de sobreviver e pagar suas contas. Essa divisão é a arma mais poderosa nas mãos das elites (ahhh…esses ultrapassados falando novamente), que usam o controle político, econômico e midiático para manter o status quo. A cidade, que é o reflexo da divisão social do trabalho (chega dessa conversinhaaaaa), separa geograficamente as classes, impedindo a solidariedade entre os trabalhadores.
A política, conforme apontado, é uma correlação de forças. A classe dominante tem meios para manter seu poder, influenciando eleições, criando leis que perpetuam seus privilégios e controlando os espaços de mídia. A classe trabalhadora, por outro lado, possui a força do número e da sua capacidade produtiva, mas só conseguirá reverter esse jogo quando estiver consciente de sua condição e organizada para lutar pelos seus próprios interesses.
Os jornais que criticam Boulos e Lula por suas “concessões” ignoram que a política de conciliação entre classes já se mostrou ineficaz. A esquerda nunca deixou de afirmar a necessidade de mudanças profundas, mas, como dizem os integrantes do Jornal Correria, essas mudanças não podem ocorrer sem uma derrota das forças que lucram com a manutenção da desigualdade e da exploração. Como bem sintetiza Iasi: “não é possível mudar a sociedade sem derrotar aqueles que fazem de nossas vidas miseráveis a riqueza que neles se concentra”.
Os leitores do Bocada Forte, que estão inseridos na cultura hip hop, sabem que essa é uma verdade palpável. O hip hop sempre foi uma cultura e forma de expressão dos que vivem nas periferias e favelas, e que experimentam em primeira mão as injustiças de uma sociedade que organiza o espaço urbano e a vida econômica em função do capital (De novo? Quanto vitimismo!). A luta por dignidade, representada tanto pelo hip hop quanto pela esquerda, é uma luta pela sobrevivência e pela transformação estrutural.
A cidade pode continuar sendo o espaço de exploração, ou pode ser transformada em um lugar de vida e resistência para os trabalhadores e suas famílias. No entanto, como destaca o texto na Boitempo, “não há vaga nas classes dominantes”, e aqueles que lucram às custas dos pobres farão de tudo para garantir que o sistema continue como está.
Como o hip hop ensina, a resistência coletiva, que a elite quer que seja esquecida, é parte da transformação, vai além das eleições. Precisamos construir uma sociedade em que a riqueza seja distribuída de forma justa e em que a vida, e não apenas o lucro, seja colocada em primeiro lugar.
E não venham com essa conversa afirmando que quem vai contra a ordem vigente faz parte de grupos sociais que têm aversão ao lucro. Se há uma crise na esquerda, é preciso lembrar que essa crise foi fabricada em grande parte pela própria estrutura neoliberal, que destruiu direitos trabalhistas e precarizou a força de trabalho globalmente. Criticar a “aversão ao lucro” ou sugerir que o esquerdismo se “afasta das aspirações populares” desconsidera o papel da esquerda e do hip hop em propor alternativas ao capitalismo predatório que, na verdade, está na raiz de muitos problemas enfrentados pelos trabalhadores.
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