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Opinião: Tenho uma lenda pra contar | Por Slow da BF

Opinião: Tenho uma lenda pra contar | Por Slow da BF

ESPALHA --->

 

Em 1994 na Rua Buenos Aires, centro neurótico do Rio de Janeiro, estava eu trabalhando, quando surgiu uma figura exótica na minha loja de vinis (vê ai como faz tempo).Ele tinha dreads, tattoos e um óculos igual ao do Ciclope do X-Men. Estava num Fusca e eu estava ouvindo o vinil do RPW pela décima vez.

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Então ele deu ré e me perguntou com um sotaque Inglês : “Yo man, isso é muito bom… Isso é Rap!”. O cara chamava-se Alex e era brasileiro vivendo ilegalmente no Queens, Nova York já a uns dezoito anos e disse que lá o rap estava dominando as ruas e me deu uma fita cassete que ele mesmo gravou onde tinha Notorious B.I.G, Kool G Rap, Show Biz e A.G. e um grupo que eu conhecia muito pouco chamado Wu Tang Clan, que era a febre em N.Y. Fui bombardeando o cara com rap nacional (tive quase 500 discos de rap brasileiro).

Ele voltou e me deu uma camisa do Wu que pegou muita neve como ele disse.15942093_1062059673940268_309137071_n-180x300 Opinião: Tenho uma lenda pra contar | Por Slow da BF Ele achou Racionais e Sistema Negro muito lento mas adorou o RPW. No começo, antes desse encontro éramos o grupo CMR ou Consequencialmente Rappers e éramos Eu, JC, Doug D, MC 73 ( descanse em paz) e o DJ Juan. Nosso estilo ainda era muito West Coast e ouvíamos World Class Wreckin Cru, NWA, The D.O.C. e por aí vai. Queriamos só rimar e mais nada. Nem Beat tínhamos. Depois o 73 e o Juan fizeram uma dupla e nós seguimos agora com o novo DJ o famigerado Brankynho  (que veio do Funk como eu). Aquela fita que o Alex me deu (que tenho até hoje) foi a mudança mais louca que ocorreu na minha vida. Pois além das batidas e dos flows do Wu Tang aquela união de estilos era uma coisa audaciosa e futurista e vi que se alguém conseguiu unir tamanha diversidade com tanta qualidade talvez ali estivesse o futuro pra mim no rap. Liguei pro JC e “mostrei” pra ele os caras. Mudamos nosso rap. Na mesma época encontramos o Marcelo D2 que ficou deslumbrado com nosso estilo e nos chamou pra fechar com ele numa turnê da festa Hip Hop Rio e participar da coletânea com o mesmo nome. E foi uma sugestão do MD2 a mudança de nome do grupo. Depois entramos noutras coletâneas pela ordem: Planeta Hip Hop que saiu numa revista de SP  (éramos os únicos do RJ) e depois na coletânea da festa Zueira na revista Trip. Uma legião de fans surgiu seguindo o Esquadrão Zona Norte, grupo altamente influenciado por aquela mistura de beats, flows,  gente e culturas.

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Meu começo não foi aí pois faço rima há um bom tempo, já passei da casa dos 40, então já tô há um bom tempo rimando. Comecei no funk e descobri no que o freestyle era uma parte fundamental das festas e que existia muito improviso no Rap isso nos primórdios dos primórdios. Então tinha uma galera que agitava. Não era nem uma letra, nem um freestyle complexo, era mais um lance de animar a platéia. Isso foi no primórdio onde os caras foram criando as palavras de ordem. Daí eu já fui fazer mais umas rimas, não fui incentivando, tipo pelos caras mais cascudos que achavam meu flow muito rápido.

Cansei de ouvir que rap tinha que ser assim ou assado. Mas resolvi fazer do meu jeito. Fazíamos som pra Skatistas e pra massa da UBC. Então eu sabia que freestyle fazia parte da cultura. Nunca vi isso como uma moda. Eu sei que freestyle é uma parada muito mais antiga, muito mais séria do que parece, porque é a capacidade nata de um MC conseguir fazer rap sem estar escrevendo rap. Então tem que ser perpetuado por quem faz, não deve ser discriminado nem devem achar que é uma coisa de moda porque realmente isso não é moda. Eu faço freestyle porque eu acredito que consigo transmitir alguma coisa além do que escrevo. Eu participei da primeira Liga dos MC´s, eu nunca tinha entrado na Batalha do Real.
Entrei e não sabia como era a regra direito, nunca tinha visto nenhuma final e cheguei na final. Então isso mostra que o MC, ele não tem que ser programado pra fazer rima, ele tem só que chegar lá e fazer. Fui um cara que nunca tinha batalhado e cheguei em uma final que foi disputada por mais de 30 rappers.

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Depois cheguei na final da primeira batalha do prêmio Hutus e ganhei de caras lendários como: Marechal, Kamau, Aori, Funkero, Gil. Não que chegar na final de uma batalha de mcs seja uma coisa muito importante, o lance é você demonstrar o seu talento, a sua verdade e mostrar que você pode fazer tão bem uma coisa escrita quanto uma coisa improvisada. É muito chato quando você consegue somente escrever uma coisa boa ou você só consegue fazer um Freestyle bom e não consegue escrever bem.

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Claro que ninguém é perfeito, mas o ideal é que todo MC se aprimorasse nas duas vertentes: o rap escrito e o rap improvisado. Porque isso aí não é mérito, não é ego. É qualidade! Então tudo que você faz na vida tem que ser com qualidade, independente se for freestyle, rap, break, graffiti, produção. Tentei usar qualidade e técnica aliadas ao sentimento e verdade do coração em cada verso.

Tento escrever bem.
Tento improvisar bem.
Se deu certo o tempo vai dizer.

Slow Da BF foi integrante do grupo de rap Esquadrão Zona Norte e trilha um caminho solo no hip hop. MC, membro da UZN, TMC, UBC, grafiteiro, arte educador, escritor, poeta, produtor cultural e slammer.