Opinião | O Rap cresce entre a luta antirracista e as ideias neoliberais
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O Rap tem desempenhado historicamente um papel importante na expressão cultural e política, abordando temas como racismo, desigualdade social e injustiça. Entretanto, ao longo dos anos, observou-se uma evolução que levanta questões sobre a coexistência de sua tradição política e ideias que promovem o individualismo e o neoliberalismo.
No início do Rap aqui no Brasil, quando diferentes artistas começaram a criar letras consideradas mais sérias, o combate ao capitalismo era evidente. Com os equipamentos e o conhecimento que tinham disponíveis naquele período, as relações dos jovens pobres com o dinheiro e a falta dele eram tratadas com um viés antissistema e coletivista.
Durante o início dos anos 2000, muitos culpavam o Rap feito na década de 1990 pelo atraso econômico do gênero e sua distância da grande mídia. Na verdade, além do sonho de gravar um álbum, os artistas do início da cultura de rua desenvolvida aqui em nosso país ainda estavam aprendendo a lidar com as dificuldades de acesso e respeito na cena cultural. Muitas vezes, as relações de mercado, como cachês, contratações, entre outras coisas ligadas diretamente ao dinheiro, não eram discutidas.
No final da década de 2010, o Rap brasileiro já havia conquistado outro status, com alguns artistas alcançando sucesso econômico e respeito no cenário musical. O tempo passou. Se o artista do Hip-Hop inicialmente enfatizava a luta contra o racismo sistêmico, em 2024, sabemos que alguns rappers contemporâneos têm direcionado sua mensagem para o individualismo e a busca pelo sucesso pessoal, muitas vezes em desacordo com a mensagem coletiva de resistência que caracterizava o gênero.
Atualmente, o Rap está em outro patamar, participando frequentemente do mundo pop e mainstream, com artistas que querem estar neste novo cenário e lutam para não sair. Como em outros gêneros que protagonizam o mercado fonográfico, o Rap tem seus ingredientes diluídos. No capitalismo, o combate à desigualdade até pode entrar, mas precisa ser precificado, categorizado.
É a evolução – você vai condenar quem veio do sofrimento e agora conquista seu espaço? Esse questionamento cria um muro enorme que barra o debate. Como já destacamos em editorial aqui no site, tudo fica como algo que não pode ser criticado, uma realidade imutável. A visão meramente economicista destaca e valoriza apenas a chamada indústria do Rap.
Sabemos que ainda existem artistas do Rap que trazem a política em suas músicas, mas a mudança de narrativa para algo mais ameno e festivo é a que tem mais popularidade entre os rappers e o público que curte suas vertentes.
Levantar questões sobre a direção da mensagem do Rap é um exercício que nunca cessou, isso é algo positivo. No mundo das redes sociais e plataformas digitais, apesar das críticas frequentes às estruturas capitalistas, a indústria musical, incluindo o mercado do Rap, está profundamente enraizada no capitalismo e no consumo. Muitos artistas, paradoxalmente, promovem estilos de vida e produtos que podem entrar em conflito com suas críticas ao sistema econômico.
A comercialização da Cultura Hip-Hop vem de longe e é algo irreversível. O que não pode ser colocado em segundo plano são as preocupações sobre a autenticidade da mensagem do Rap. À medida que empresas capitalizam sobre seu apelo, a integridade da tradição política e social do gênero é esvaziada e questionada.
Apesar de existirem histórias de colaborações e criação coletiva no Rap, a ênfase na competição entre artistas pode distorcer a mensagem original de união e solidariedade presentes nas raízes do gênero. Destacar esse fato não significa procurar ou apontar inimigos no cenário Hip-Hop.
Como produto do fazer humano, as contradições no Rap refletem as tensões entre suas raízes políticas e sociais e as fortes influências comerciais e culturais que moldaram o gênero ao longo do tempo. Enquanto alguns artistas mantêm uma abordagem crítica e coerente em relação às questões sociais, outros podem se inclinar para ideias neoliberais que entram em conflito com os princípios antirracistas e de luta pela justiça que são fundamentais para o rap.
Debater questões sociais, a tradição antirracista e as ideias neoliberais no Rap representa um ponto importante para os fãs, acadêmicos, militantes, produtores culturais e artistas, ajudando a entender e a construir não apenas o futuro do gênero, mas também sua influência na sociedade.
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