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Opinião: O combate ao racismo está se diluindo no rap? (parte 1)

Opinião: O combate ao racismo está se diluindo no rap? (parte 1)

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Interrogacao Opinião: O combate ao racismo está se diluindo no rap? (parte 1)

O rap ainda é forte componente de luta para identidade negra? Em meio aos diferentes estilos e diversidade de temas, o combate ao racismo está se diluindo no rap?

Por : Anderson Hebreu, do Noticiário Periférico

No começo dos anos 90, por uma grande influência do Racionais MCs, com músicas como “Racistas otários”,”Negro limitado”, “Pânico na zona sul”, dentre outras, o publico e outros rappers a foram influenciados e abordaram temas como extermínio da juventude negra, racismo praticado por pessoas comuns e pela PM, exaltação à negritude e por ai vai.

A temática preta é vasta. Durante a década de 90, e início dos anos 2000, estes temas não se perdiam ao vento, eram bem absorvidos pelo público do rap, não sei se pela maioria, mas se fizermos uma pesquisa nas periferias do brasil, veremos que boa parte da molecada se reconheceu como negro, ficou ligada no que o sistema quer. Tudo isso ouvindo rap.

Quando o mano Cortecertu me fez as perguntas acima, eu fiquei matutando as ideia: carai, será que o rap ainda forma a identidade negra da molecada, mesmo com a diversidade de temas? Será que ele ainda é forte no combate e alerta ao racismo? Com essas questões na cabeça, resolvi mostrar alguns álbuns de rap lançados em 2015.
Vários grupos e rappers continuam abordando temas que afetam o preto no Brasil. Analisando em meio aos álbuns lançados no anos que passou (e que eu escutei), pois eu gosto de rap nacional independente do rotulo que colocam, temos álbuns interessantes que abordam a temática negra.

O rapper carioca Beni lançou um disco chamado Negros, um trabalho produzido e escrito por ele mesmo onde fala sobre vários temas do povo preto, vou destacar duas músicas: primeiro a faixa “1: 15”, onde o rapper usa um pedaço do confronto do Malcom X com um padre. No debate, Malcom prova que Jesus (nome latim) e os hebreus eram pretos e não brancos como a igreja católica diz, e ele arrebenta no refrão. “Eu sou a luz do mundo negro, como o espaço do universo, em outra dimensão somos deuses, eu sou o cristo urbano andando sobre o mar de ilusões, em outra dimensão somos deuses”. Beni bate de frente com o eurocentrismo imposto pela religião cristã.

Outra faixa forte é a “Malcom X”. Para não me estender, vou deixar uma frase de impacto para se ter noção do peso da musica: “então coloque seu capuz e pegue sua tocha, venha atrás deste negro que de tu não gosta, pegue sua corda e reúna sua corja, venha atrás destes negros, seus racistas idiotas”. Pesado demais este verso, e o álbum em si é foda. O resultado? Um ótimo trabalho que até agora passou desapercebido.

A irmã Preta Rara lançou seu álbum chamado Audácia. Neste CD, a artista exalta a importância da mulher negra na sociedade, fala sobre a solidão da mulher negra e claro valorização a ancestralidade religiosa. O álbum da MC começa com o lindo e forte poema “Negra não desista”. Preta Rara também aborda o fato da não existência de bonecas negras e a falsa abolição, seu disco é uma aula de historia. Com a musica “Negra sim, não sou mulata”, Preta dá uma bela aula de autoafirmação negra. Uma frase que me chamou atenção foi: “Racismo Inverso? Só seu te virar do avesso racista”, frase forte e verídica. O álbum teve um certo impacto no “universo” feminino, porém, num âmbito maior, ainda não. Por qual motivo? Machismo? Por ela ser nova na cena? A temática negra não interessa mais?

O rapper GOG lançou – no dia 20 de novembro – seu nono álbum, trampo chamado Genival Oliveira Gonçalves. Além de ter a já conhecida musica “Africa Tática”, o disco tem a música “Dia D”, uma composição escrita inteira com a letra D, cujo o refrão é uma homenagem a Dandara, mulher forte e guerreira de Palmares. Ainda espero que tenha uma boa repercussão, pois é um álbum de auto teor lírico.

O Flow MC também acabou de lançar um trampo chamado Versátil, na faixa que começa o álbum, ele já chega “nas ideia” com “Não pode”. O rapper faz questão de lembrar de Zumbi dos Palmares e, no fim da música, ele manda uma ideia como se estivesse na rua conversando com a molecada: “Ceis viu lá no Rio? 5 preto lá, os cara meteu bala, o barato num tá fácil não, ceis tem que prestar atenção, o Brasil é um dos pais mais racista que existe mano e é onde tem mais preto e é um mais racista, os cara num que deixar vocês nem entra no shooping tio, o bagulho é feito pra matar vocês tio, eu to falando porque eu contrariei a estatística”, e por ai vai.

O trampo do Flow tem 17 musicas e só esta tem a temática negra, saca? Tudo bem que a primeira já causa um impacto, mas será que a ideia da primeira faixa se perde? Uns vão dizer que sim, outros que não. “Não pode” chamou minha atenção. É tudo questão de interesse.

O único álbum, musica e védeo com a temática negra que teve grande destaque foi o trampo do Emicida. Claro que o fato do rapper estar em evidência revela a maior propagação da mensagem.
No anoq ue passou, Emicida lançou o álbum Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. A música “Boa Esperança” é um soco na cara da sociedade branca e racista , a track já começa com “O tempero do mar foi lágrima de preto”. Emicida continua: “tempo doido hoje, a KKK veste OBEY”. Aí ele termina: “ceis diz que nosso pau é grande, espera pra ver nosso ódio”.

No dia do lançamento do clipe, uma legião de fãs brancos e burgueses do Emicida ficaram revoltados dizendo que ele estava sendo racista (como se existisse racismo contra branco) e vários fizeram perguntas irônicas, como: “sou branco posso ser teu fã?”

Eu achei foda a coragem do Emicida ao falar “as verdades”, mesmo ele sabendo que boa parte do seu público é branca e playboy. Eu gosto de rappers que falam o que as pessoas precisam ouvir, não o que elas querem ouvir. Um monte de MC fala o que o público quer ouvir, mas tocar o dedo na ferida…poucos andam fazendo. Estão preferindo ir atrás do “money”, não que seja errado, mas, mesmo ganhando sua grana de vez em quando, tem que dar umas “oreada”, questionar, ter uma postura sobre tal tema etc.

Eu vejo que o rap ainda molda a identidade negra do moleque que curte rap. Quando o jovem vê um Emicida se assumindo negro e não negando sua ancestralidade religiosa, quando vê o rapper na TV falando sobre racismo e não deixando o ator branco da globo silenciar a menina negra e expor sua ideia que a miscigenação só é aceita quando embranquece…e não quando escurece, com certeza tem moleque se espelhando nele e absorvendo as ideias.