Opinião: A pasteurização do rap | Por Noise D
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Algumas coisas parecem que não irão mudar tão cedo. Aliás, parecem que pioram a cada dia. A proliferação de “festinhas de hip hop” enlatadas, dessas no estilo “papinha pra playboy”, vem levando a música rap a uma pasteurização incrível. Culpa de quem?
A muito tempo que esse tema é batido e debatido, porém pra mim ele é como uma sarna a me mordiscar a pele. Algo que não me deixa dormir sossegado. Como um sangue-suga. Mas não é a mim que ele suga – ou é? – mas a nossa música rap. A nossa cultura de rua. Um imenso sangue-suga a chupar e distorcer o hip hop.
A gente se pergunta, “mas aonde andam os nossos DJs?”, ou ainda, “por onde andam os guerreiros que lutaram para a elevação da cultura?” Ecos numa caverna chamada Brasil.
A verdade é uma só, há muitos pseudo-MCs e pseudo-DJs aqui e acolá destruindo a nossa música rap. A ignorância ultrapassa qualquer limite. É como se fosse um jogo do tipo Sílvio Santos, o “Tudo por Dinheiro”. A constatação que fica é que perderam-se mesmo quaisquer padrão de valores. E a gente sabe que não é só na música isso. O que acontece na música é apenas um reflexo dessa perda de parâmetros. Fica uma certeza: a nossa sociedade está doente. Muito doente.
Pra nós, que lutamos para espalhar a verdadeira cultura hip hop aos quatro cantos, fica uma tristeza e uma decepção imensa no coração. Não são poucas as tentativas de compreensão disto tudo. Eu tento, você tenta. Mas é difícil a gente coordenar a paciência quando vemos tudo desandar cada vez mais! A gente vê os jovens curtindo cada
vez mais a música rap enlatada, o rap sujo e mesquinho [além do chamado ‘fanque carioca’], que manda você rebolar a bunda, chacoalhar os seios, beber um champanhe, passar a mão nas minas, fazer a sua sem se importar com a dos outros e por aí vai! É o som do egoísmo, da putaria e do desinteresse. O som do materialismo e da modinha. A gente entra nas casas noturnas e são raros os locais onde podemos ouvir música rap de verdade, onde sentimos uma vibração mais elevada e positiva. Encontramos apenas a reprodução sistemática e enjoada dos mesmos hits, dos mesmos timbres, mesmas vozes, mesmos levadas, mesmas mensagens negativas e destrutivas. E o pior: encontramos animadores de som – sim, porque DJs não são! – sem sequer saber o que tocam, apenas passando a mão sobre o vinil, como um fantoche. Sorriso bobo no rosto, achando que é o rei da cocada preta. Tudo em nome do dinheiro, do “ganha pão”.
O que se pode fazer contra essa avassaladora invasão da música rap pasteurizada? Muito pouco. Torcer para que os novos DJs não sejam tão influenciados por essa papinha nojenta do hype rap e continuar trabalhando duro pra manter vivo o espírito do hip hop dentro de mim mesmo. Tentando mostrar aos mais jovens, que tão começando, o quão importante é mantermos as raízes da parada.
É um desabafo mesmo. Essa coluna é um desabafo a essa palhaçada toda que acontece, não só aqui no Brasil, mas no mundo afora! A gente cansa mesmo.
Fica então a mensagem: Isso não é hip hop! É música pop, pobre e podre! Não, isso não é cultura de rua! Não tem dança de rua, não tem graffiti, não tem MC e muito menos DJ! Que nem diz KRS-One num som chamado “Fucked” (ouça abaixo, remix por Illmind): “Now you Fucked!” Não, isso não é uma festa! É um atentado e um desrespeito à cultura hip hop!
*Artigo originalmente publicado no dia 29/9/2006. [Pra vocês verem como o assunto ainda é dolorosamente atual…]
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