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Neura das Gangues – Parte 2

Neura das Gangues – Parte 2

ESPALHA --->

Dennis Hopper foi um dos caras mais foda do cinema, não só como ator, mas como diretor. Talvez muita gente não saiba, mas Dennis Hopper participou do filme ‘Easy Rider’ de 1969. Esse filme retratava uma geração de jovens que não se adequavam ao sistema conservador e preconceituoso do americanos, se tornando um dos filmes mais emblemáticos da sua época.

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Cena do filme ‘Easy Rider’. Foto: Reprodução/Google

Dennis Hopper foi muito mais além, em 1988 reuniu um elenco de estrelas e dirigiu o clássico, ‘Collors, As cores da violência’, filme que abordava a guerra das gangues de Los Angeles no final dos anos oitenta. Esse filme chegou ao brasil no início dos anos noventa e ajudou a mudar a cabeça dos jovens de periferia, como eu.

Collors foi o filme que me despertou o interesse pelo Rap e a minha admiração por um dos grandes nomes do Rap, chamado Ice T, como já havia comentado na crônica Neura das Gangues – Parte 1.

Foram tempos difíceis aqueles, morava na região da grande Porto Alegre, Vila Cerne em Canoas, um lugar esquecido por Deus e abandonado por natureza. A violência era uma constante na vida de qualquer adolescente, mas principalmente se tu fosse preto ou pardo. O abuso de poder por parte da Polícia Militar era muito pior que nos dias de hoje. Éramos agredidos sem motivos, as vezes torturados nas praças ou nos campos de futebol. A PM sabia que não havia ninguém por nós e usavam a gente como válvula de escape para seus problemas pessoais. Um dia tinha que dar merda.

Fiz parte dos “Demônios da Cerne”, uma gangue de adolescentes, Padeiro, Cabeção, João Batista, Nozinho, que quase nunca aparecia, e outros três que apareciam de vez em quando.

A gente nunca entrava em confronto com as outras gangues porque nunca saia da vila, mas se reunia todos os dias na esquina de casa, pra contar piadas, mentiras e sonhar com o futuro, que pra muitos nem chegou. A gangue cresceu muito por não termos nada pra fazer, então nos reuníamos nas equinas e ali a gente ficava contando piadas, algumas mentiras e cuspindo tipo pato.

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Cena do filme ‘Collors’. Foto: Reprodução/Google

Só que num sábado dois amigos nossos foram num clube do centro de Canoas, lá várias gangues se reuniam pra se divertir, “leia- se brigar”. E justamente naquela noite o Ciro e o Chuvisco entraram numa roubada. Depois de se esconderem nos cantos da festa pra não serem reconhecidos, Chuvisco conseguiu dar fuga e correu até a vila pra buscar ajuda pra salvar o Ciro.

Quando ele chegou na vila a gente tava tudo bêbado no bar do Tio Casca.

– Aí gurizada, vão matar o Ciro, tá os guri da Harmonia esperando ele sair do Canoense.

Tinha umas quinze cabeça reunidas no bar, uns jogando sinuca, uns bebendo outros puxando fumo, aí alguém falou:

– Bah, temo que ir lá salvar o negrão!
E todos disseram:
– É isso aí, vamo lá!!

Cada um pegou o que tinha pela frente, nos armamos com garrafas, facas, um revólver calibre 22 argentino, pedaço de cerca de madeira, correntes de xaxim, relhos e saímos da vila em direção ao centro. Nunca deixaríamos um irmão da gangue na mão.

No meio do caminho tivemos umas duas desistências, Catatau e Zóio passaram na frente de casa e as mães mandaram entrar, mas éramos muitos e seguimos. Quando chegamos no clube a gangue deveria ter umas doze cabeças, todos indignados e prontos pra uma batalha campal.

Na frente do Canoense umas cem pessoas esperavam a festa acabar pra começar a briga, a Polícia Militar ficou sabendo do confronto e resolveu fazer um lanchinho. O que a gente não sabia era que além da gangue da Harmonia estavam lá também uma gangue do Centro, outra da Mathias Velho e uma do Mato Grande. Cinco e meia da manhã acabou a festa e a gurizada começou a sair, a gente do outro lado da rua ficou procurando o Ciro, o que a gente não sabia era que o negrão já tinha picado a mula e o que era pra ser um resgate terminou virando uma emboscada.

Primeiro quando os caras da Harmonia saíram deram de cara com a gente e o pau comeu, só que eles eram uns trinta. A gente tava em dez até tomar o primeiro soco, aí já virou seis. Quando a gente tentou correr deu de frente com a gangue da Mathias que tava indo pegar a gangue da Harmonia, infelizmente eles eram ruins de geografia e pegaram a gente. O pau comeu em casa de noca e devido a tamanha violência a gente teve que se dividir.

Os seis que sobraram decidiram correr pelas ruas do bairro, por azar entrei na que vinha a gangue do Centro, eles queriam pegar o pessoal da gangue do Mato Grande, a gangue do Centro era uns boys de merda, baixamos o sarrafo neles. Aí eles pediram ajuda pra gangue da Harmonia e os seis viraram três.

Eu, o Cabeção e o João Batista corremos pro mesmo lado. Era tanto soco e chute que uma hora não sabia mais em quem bater. A coisa ficou tão louca que eu acertei dois socos no João que ficou puto comigo.

Porra, Padeiro, se fudê meu!
– Desculpa João! Cadê o Negrinho?
– O meu ele já disse que não é mais pra chamar ele de Negrinho, agora ele é o Cabeção.
– Tá, e cadê ele?

Nisso tomei um tapão no ouvindo e fiquei surdo e tonto, foi nessa hora que alguém me puxou pra dentro de um pátio.

– Xiiii, cala boca, Padeiro. Fica quieto.

Era o Cabeção que se escondeu na obra, quando viu que os caras da Harmonia tinham se juntado com os caras do Centro. Nessa hora pra nossa sorte a Polícia voltou e só com a sirene acabou com a briga.

– Eles já foram? Alguém perguntou.
– Acho que sim. Falei baixinho.
– Tem alguém da Cerne?
– Eu, eu! Gritaram dois amigos.
– Mais alguém?
– Eu! Um silêncio entorno daquele “eu” ficou no ar.
– Eu quem? Perguntei.
– Eu, Maicon representando o Mato Grande!

A gente não tinha bronca com a gangue do Mato Grande, a gente chamava lá de Elo Perdido, nem sabia que eles estavam ali. Maicon saiu das sombras e disse.

– Bah, essa foi por pouco, hein!
– Foi mesmo. Respondi.

Quando saímos da obra estava tudo tranquilo as gangues da Mathias, Centro e Harmonia já tinham largado. O que pra gente foi um alívio. Paramos na esquina e fizemos uma contagem dos quinze que saíram da vila, sobraram três e o Maicon que era do Mato Grande.

Eu, João Batista e o Cabeção rimos contando como a gente tinha brigado com os caras das gangues rivais, pena que faltando duas quadras pra chegar em casa fomos parados por um micro ônibus da Policia Militar…

Continua.

Opi2-1 Neura das Gangues - Parte 2

Antonio Cesar, o Padeiro, é escritor, produtor e Diretor Criativo na Mandraque Filmes. Ex-integrante do grupo Da Guedes, Padeiro comanda o Coletivo Sentido Contrário e a fanpage Camburão Sonoro.