Minha Mãe – Ancestralidade
ESPALHA --->
Eu não convivi com minhas avós e avôs, e isso já é uma mão a mais cavando o abismo da minha ancestralidade. Nem preciso falar do período escravagista e tal, o verdadeiro buraco negro.
Sou a caçula de uma vida que pariu dez, abortou um e adotou um… Isto mesmo. Fomos doze. Hoje somos oito. Difícil imaginar esse perrengue, já que a média atual de é de 1,7 filhos por família…
Vivemos momentos, sensações, expressões e tantas formas diferentes em cada ano da vida, sendo esse universo refletido em tudo e todos que convivemos.
Imagino as recordações da minha mãe (usando meu sentir e vieses, que fique claro). Cada filho foi uma sensação diferente. Cada caminhar uma postura diferente. Cada sim e não dito em situações diferentes. Tanto para ela, quanto para nós. E é impossível mensurar todos os reflexos dessa experiência.
Acrescente alguns ingredientes: mãe jovem – primeiro filho aos 18 e eu aos 45 anos, negra, nordestina, periférica, de formação primária, em plena São Paulo no ano 1957… (Não vou citar meu pai, meus vieses gritariam e desviaria o foco dessa reflexão)
Tenso, eu penso. Força, foco e fé não são palavras postadas ou soltas ao vento, são realidades impressas no ser de alguém que não tem outra escolha, a não ser lidar com tudo isso, sem muitas vezes refletir sobre a sua vida e dos seus.
Crenças limitantes, modelo mental, mudança de mindset, neurociência e todos os estudos que temos hoje para desconstruir um subconsciente lotado de porcarias, deveriam ter como parte da tese essas mulheres. Elas, de fato, não tinham outro modo de vida que não fosse a sobrevivência. Sobreviver no meio do caos e, de verdade, eu comparo isto quase a pressão de uma guerra. Com o agravante de ser tão difícil dar a devida atenção e cuidado, porque as feridas não estavam expostas. Não havia sangue jorrando de suas necessidades.
Eu, mãe solo que lido com dois filhos, já vivo um desafio surreal. Nem sei dizer o que foi e é vida para essas mulheres de realidades tão duras e marcantes.
Dias atrás me deparei com essa foto que ilustra o texto (acima), num grupo da família. Ela, o bisneto e a neta. Comecei então a refletir sobre transformação. Minha mãe se refez, sem estudos aprofundados, imersões em florestas, chás medicinais, terapias, remédios, etc… (não estou falando sobre eficácia de métodos).
Fênix! Não, mulher negra mesmo. Espírito livre, Ser aberto as desconstruções e construções mesmo tendo passado pela aspereza da vida e a cada uma delas levantado um sorriso, dançado e cantado um samba… Ela samba com a leveza das Deusas, como a fortaleza das Orixás, e espalhando o amor de uma Preta Velha.
Tudo pode ser desconstruído e construído por outro olhar, outro modo de viver e de se ver em meio ao caos dos dias tristonhos e infelizes
Não estou aqui para romantizar sofrimentos, até porque eu acho que o justo e certo seria aprendermos pelo amor e acredito que um dia teremos esta habilidade. O que quero deixar nessas linhas é que tudo pode ser desconstruído e construído por outro olhar, outro modo de viver e de se ver em meio ao caos dos dias tristonhos e infelizes.
Hoje, Mamãe Beth brinca como criança. Dança, interpreta, se apresenta em palcos falando de política, caminha, reza e muito pra si, pros seus. Benze, dá Passe, sorri e diz eu te amo pra mim em cada ligação. Hoje, Beth se refaz e grita em sua Alma a maravilhosa possibilidade de sorrir após duras batalhas, com perdas e ganhos.
Que mulherão da Porra!
Mãe… Tudo em ti brilha e queima. Tudo em ti é amor. Tudo em ti preenche um pouco desse abismo ancestral e me diz que a desconstrução e construção é uma constante na manutenção da sobrevivência pra um dia virar VIVER.
“Se o mundo chora ela vai secar, se ela chora… Rega. Carrega o mundo nas costas… Quem te ama mulher, quem te ama?”
Lugares que me inspiraram a escrever esse texto:
https://instagram.com/ondejazzmeucoracao?igshid=du1syczghzsb
https://www.geledes.org.br/dialogo-de-geracoes/
Músicas
“Mãe Preta” – Margareth Menezes
“Mãe” – Emicida
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