#ElasNoBF | Opinião: Chegando aos 40 e spoilers do filme ‘The Forty Year Old Version’
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A Dica de hoje é sobre o filme ‘The Forty Year Old Version’. E sim, tem spoiler. Radha Blank, essa mulher maravilhosa roteiriza, dirige e relata nesse filme as diversas desconstruções e construções das mulheres negras. Com elenco 90% negro o filme aborda assuntos como solidão da mulher negra, dificuldades da cultura produzida por artistas independentes, estereótipos xenofóbicos e racistas, entre outros pontos que permeiam nossas vidas.
Talvez minha identificação com a obra seja por estar vivendo exatamente a fase de transição dos 30 para os 40 anos. Me recordo como se fosse hoje o rito de entrada nos 30 anos e o impacto desse decimal em nossas mentes e corpos, ainda mais nos corpos pretos.
A cobrança sobre algumas responsabilidades é tão grande, que iniciamos a busca por conquistas inalcançáveis desde cedo. É comum ouvir que iniciamos a vida profissional ainda na infância para ajudar na sobrevivência da família e sem formação optamos por trabalhos em situação precária. Ou mesmo quando conseguimos formação a luta que travamos é um esforço hercúleo e não valorizado.
O racismo é estrutural, por isso está enraizado. Mas isso a gente repete quase que diariamente e mesmo assim muitos fingem não ouvir ou não entender. Então vou reproduzir uma explicação que achei super esclarecedora: olhando uma parede de tijolos e sem revestimentos vemos o cimento, imaginemos que o cimento é o racismo impregnado na nossa sociedade.
Sabemos que no roubo dessas terras que pertenciam aos povos originários (indígenas), o racismo foi utilizado para “erguer” a estrutura, por isso é tão difícil romper sem o assombro ilusório de que alguns alicerces podem ser abalados. Na verdade, precisamos abalar essas estruturas internamente para de fato construir caminhos de cura e afeto.
Somos todos racistas, machistas, preconceituosos e tudo mais que vem junto com essas expressões, porque crescemos convivendo com a triste naturalidade para aceitação disso tudo e sabemos que a desconstrução é dolorida e solitária.
Radha aborda na ficção a dificuldade de acesso para divulgação da sua arte e como foi a trajetória de sua mãe, também artista não reconhecida. A trama mostra também a tentativa de transição de roteirista para MC, com toda a interseccionalidade que atravessa essa mulher preta.
Questionam nossa idade, nossa cor, nossos corpos, nossa intelectualidade, nossas vestimentas, nossas escolhas, nossas crenças, nossa humanidade!!! E tudo isso mina nosso subconsciente e aumenta nossa defesa, estamos sempre em riste. Inclusive quando o amor se apresenta na sua forma mais singular, desconfiamos… Isso também é abordado sutilmente no filme. Sim, o amor singelo, desapegado, amor por amor é algo que nos é negado desde nosso nascimento. Nossas mães são as mulheres fortes que mandam engolir o choro, que não aplicam anestesia, as que escutam “na hora de fazer não chorou” e nós caladas assumimos a roupagem de mulheres fortes, governantas, amas de leite, pretas esforçadas que toda branquitude adora ter como preta de estimação.
E ai de nós se ousarmos romper com esses estereótipos cruéis e racistas que tentam impor, somos perseguidas e assassinadas – “Marielle Presente!”.
Assistir a obra da Rhada levou-me num passeio existencial revivendo os 39 anos de muitas tristezas, conquistas e comemorações. Analisando minha trajetória como mulher preta que não quebra, as vezes enverga para respirar e retornar flexível, mas nunca quebrada. Por mais que essa sociedade racista e destrutiva queira, nunca quebra.
Confira o filme, está disponível na Netflix e as reflexões são necessárias. Ah, e se você tem na sua vida uma mulher preta… valoriza… carregamos conosco saberes milenares.
A revolução será Preta, e as líderes bruxas matriarcas… anota aí.
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