Resenha: Wu-Tang, ‘A Better Tomorrow’
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A comovente saga de RZA pelo passado
Esqueça o ritmo e a poesia. Pense numa situação que você provavelmente já passou: o reencontro com antigos amigos, que de tão distantes viraram estranhos. Lembre do constrangimento da falta de assunto, de perceber que o tempo cobrou seu preço, e o entrosamento sumiu, apesar da boa vontade de ambas as partes. Mais do que a música em si, é disso que, no fundo, se trata “A Better Tomorrow“, o novo álbum do Wu-Tang Clan: a eterna saga de RZA para reviver dias que não voltam, reativar amizades que se deterioraram.
RZA sempre foi o líder do Wu. É dele o plano de dominação mundial que funcionou nos primeiros cinco anos de carreira. Todos os álbuns clássicos do grupo e seus membros saíram com a produção e chancela do Abbott. Ele é também, claramente, o mais empolgado – talvez o único – com o grupo. Em uma entrevista à Rolling Stone gringa, deu dicas preciosas para se entender este novo disco, aquele que seria o último do coletivo, que viria para fechar com chave de ouro a trajetória da galera de Shaolin.
Na entrevista, RZA diz que teve de pagar dinheiro adiantado a Raekwon, exigência do amigo para participar do álbum – Rae não negou, mas ressaltou que suas reservas em relação ao projeto não eram apenas financeiras. Admite que se meteu até nas letras dos rappers, tentando direcioná-los para o que ele queria em certas faixas. Não é difícil imaginar por que é tão difícil uma reunião pacífica dos nove generais do Wu: como fazer com que artistas consagrados voltem a baixar a cabeça para o antigo líder?
Isso fica claro desde a primeira faixa. Às vezes, chega a ser triste, comovente. RZA é quem traz mais energia para as faixas. Method Man, Masta Killa, Cappadonna e U-God também parecem animados. GZA está numa espécie de esquizofrenia rapeira: mergulha fundo no universo científico, sua nova obsessão, e quase todos seus versos, com a costumeira qualidade, são construídos com metáforas deste tema. Inspectah Deck, Raekwon e Ghostface Killah? Surgem de vez em quando, fazem seu trabalho com correção e pronto.
Incansável na missão de reviver o Wu, RZA se equilibra numa busca pela paz e alfinetadas durante todo o disco. Em “Ruckus in B Minor”, diz a Raekwon que “os tempos ruins estão para trás de nós“; em “Crushed Egos”, que ironicamente divide com Rae, avisa no refrão que “egos são algo que o Wu esmaga”; no refrão estilo música da Disney de “Miracle” está a maior indireta, proferida, desta vez, pelo cantor Nathaniel: “Se um milagre pudesse nos salvar da farsa em que nos tornamos / se milhões de filhos se unissem como um só, nós iríamos vencer“. A rigor, a faixa é sobre os problemas do mundo, mas o Wu é tão grande que se tornou um mini resumo do nosso planeta.
Grande parte das queixas dos próprios membros em relação a RZA diz respeito ao estilo de produção. O produtor fala sobre isso na tal entrevista. Em um momento, explica que aprendeu a escrever as músicas, não depende só de samples. Isso é visto no álbum: ele tenta manter o peso tradicional do Wu, mas incorpora novos elementos, coloca detalhes em cada verso, bebe do soul tanto quanto do eletrônico.
Não dá para dizer que RZA falhou em sua cruzada. Dadas as circunstâncias, “A Better Tomorrow” supera bastante as expectativas. Mas a sensação de que os nove rappers estão ali de maneira um pouco forçada permeia todo o álbum. São amigos que há muito não se viam e, graças à insistência de um deles, decidiram fazer uma reunião. O gelo não foi totalmente quebrado, os ressentimentos ainda precisam ser superados, mas eles se esforçaram para fazer parecer natural. Talvez se Ol’Dirty Bastard estivesse vivo, a tarefa seria mais fácil.
E há a ironia entre a busca pela química do passado e o título referente ao futuro. RZA sabe que era preciso ir lá atrás resgatar o entrosamento para fazer com que “A Better Tomorrow” pudesse ter, de fato, um amanhã melhor. Esta é a grande questão do álbum. O sacrifício do reencontro valeu a pena? Foi suficiente para este disco continuar sendo ouvido daqui a cinco anos? Os velhos amigos tentarão novamente ou, como nós em algum momento, vão desistir e aceitar que o tempo, esse deus poderosíssimo, controla tudo ao redor de nós?
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