Emicida: 10 anos da mixtape ‘Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe’
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#RapBRASILEIRO
Nos 10 anos da primeira mixtape do rapper Emicida, o #MemóriaBF resgata a resenha do jornalista Felipe Schmidt para “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe“, publicada no BF em maio de 2009.
Por: Felipe Schmidt
Um dos maiores fenômenos do Rap brasileiro nos últimos tempos finalmente lançou sua primeira empreitada. O paulista Emicida, que ficou famoso pela sua habilidade no freestyle, depois de um bom tempo na luta, jogou na rua a mixtape “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe”. O trabalho confirma que o cara é sim uma das maiores promessas da cena tupiniquim. Melhor, uma realidade já, uma esperança e um espelho para futuros MCs nascidos em terra brasilis.
A mix contabiliza 25 faixas, todas mixadas entre si. O número pode ser alto, mas é bom lembrar que esta é uma mixtape, o que dá uma liberdade maior de formato do que um álbum, por exemplo. Divagações sobre fitas e discos à parte, o que importa é que Emicida, com suas rimas e escolhas de bases, representa uma resposta para as várias questões que atormentam o Rap nacional na sua eterna encruzilhada entre velha e nova escola. Por quê? Porque ele é o elo perdido entre ambas, um híbrido de um Mano Brown menos revoltado e um Kamau mais político. Resumindo, ele não perde o ativismo fortíssimo dos anos 90, mas busca os novos assuntos e conceitos tão valorizados pela geração 2000.
Emicida pode falar sobre mulher, filosofar sobre a vida, fazer crônicas do espaço urbano, ser introspectivo, revisitar sua infância, discursar diretamente à favela, escrever uma ode ao Hip-Hop, etc. É essa versatilidade e mente aberta que salta aos olhos. Some isso ao carisma e à capacidade inata de soltar punch lines no momento certo em cada faixa, e você tem o matador de MCs, quase um resultado do realismo literário. Um cara que é gente da gente, e de madrugada vira este super-herói que escreve as rimas mais impactantes do Rap brasileiro.
Só a introdução do disco pode ser considerada melhor do que muita coisa que sai todo dia pelos esgotos do Hip-Hop mundial. Meio spoken word, sobre uma plataforma jazzística acompanhada por percussão à la Gil Scott-Heron, Emicida fala sobre tudo, de uma forma que realmente capta sua atenção, mesmo em meio a um metrô lotado e barulhento. Se esta introdução fosse lançada como single, ainda assim seria candidata a disco do ano aqui no Boom Bap. Mas há mais, e você percebe logo em seguida, com a raivosa “E.M.I.C.I.D.A.” e as caixas pesadas e piano cortado, cortesia de Nave.
Os destaques são inúmeros: o suingue jazzy de “Pra Mim…” é a atmosfera perfeita pro MC falar sobre as coisas que mais gosta; o hilário sample e o cavaco de “Ainda Ontem” abrem alas para a metalinguagem sobre freestyle; “Por Deus, Por Favor” é um exercício de storytelling, com algumas histórias que desaguam no título da faixa; em “Cidadão”, Emicida vira suas armas para seus próprios irmãos, vocalizando uma mea-culpa tão necessária quanto apontar os problemas do “sistema”.
No final da mix, entretanto, é onde residem as faixas mais marcantes. “Hey Rap!”, com um beat impecável de Dario, é uma carta aberta ao Rap nacional, que culmina na criativa segunda estrofe, na qual Emicida rima usando nomes de alguns dos discos mais importantes da nossa história. Em seguida, o cara pega emprestado a base de “One Mic”, do Nas, para uma homenagem comovente para o DJ Primo, em “Essa é pra você, Primo”. Comovente também é o adjetivo mínimo para classificar a faixa de encerramento do registro, “Oorrra…”, uma autobiografia acachapante, capaz até de arrancar lagrimas dos mais desavisados.
Enfim,”Pra Quem Já Mordeu…” alcança, no mínimo, a expectativa da legião de fãs do MC paulista. É um registro sincero, sem amarras, que pode, sim, nortear a próxima geração. O fato de ser uma mixtape é uma faca de dois gumes. Obviamente, algumas faixas não se destacam tanto quanto outras, o que é compreensível. Por outro lado, a ansiedade e esperança que um álbum completo e pensado vai despertar será grande demais. Que o filho da dona Jacira vença mais esta barreira. O Rap nacional agradece.
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