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Bocada Forte: 17 anos de muitas transformações

Bocada Forte: 17 anos de muitas transformações

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TopoFace17Anos Bocada Forte: 17 anos de muitas transformações

Por Gilberto Yoshinaga.

Meados de 1999. Raras pessoas tinham acesso a internet em suas casas e eu utilizava o computador da Unesp de Bauru, onde residia e ainda cursava Jornalismo – mas sou de Mogi das Cruzes. Procurei por “hip hop” no Cadê ou no Aonde (sites de buscas mais populares da época em que o Google ainda era empresa minúscula e pouco conhecida). Encontrei um site com nome curioso, Bocada Forte, e ainda não sabia que aquele contato mudaria minha vida.

Remeti uma mensagem, contei que escrevia uns textos sobre cultura hip hop e enviei-os para que, caso aprovassem/quisessem, ficassem à vontade para publicá-los. Acho que os textos agradaram, porque em pouco tempo me tornei colunista/colaborador e fiz amizade com todas as “formiguinhas” que mantinham o Bocada Forte.

Simultaneamente, ele crescia e ganhava novas seções e parceiros, ampliando a diversidade de assuntos e pontos de vista. Ainda assim, naquela época algumas pessoas do hip hop achavam absurdo existir um site sobre o assunto. Afinal, para muitos, internet ainda era “coisa de playboy”.

Dezessete anos depois, eu me formei e já mudei de casa mais 15 vezes, o público do hip hop cresceu e a internet se popularizou profundamente, a ponto de mudar radicalmente os hábitos culturais e sociais das pessoas. Entre altos e baixos, o Bocada Forte permanece existindo e resistindo, com o mesmo objetivo de sempre: compartilhar e intercambiar informações e reflexões sobre a cultura de rua.

Nesse período, o “crescimento” do hip hop, sobretudo do rap, foi quantitativo e também qualitativo, mas criou problemas que já podiam ser previstos, se observássemos a cena da matriz – os EUA. A chegada do dinheiro corrompeu alguns, esvaziando ou banalizando seus discursos; outros adotaram comportamentos questionáveis e passíveis de crítica ou polêmica, como a ostentação material, a “objetificação” da mulher e o culto a bebidas e drogas. E, num reflexo da própria geração nascida e criada nesta era virtual, muitos valores e princípios se perderam/diluíram, foram esquecidos ou se tornaram superficiais e descartáveis.

Ao longo desses 17 anos, a velocidade da informação também fez surgir a acomodação, a preguiça de pensar, o comodismo de quem vê a internet como muleta para não precisar mais ler livros ou absorver informações. O Google se tornou o “oráculo” de uma geração que, exceções à parte, deixou de armazenar coisas no cérebro e passou a confiá-las apenas ao HD do computador ou ao chip do smartphone. O conceito de “amigo” deixou de ser uma pessoa de carne e osso e, para muitos, se tornou um número, um avatar em rede social. O “Curtir”, mesmo quando falso ou hipócrita, passou a valer mais que o calor de um abraço sincero.

Prova disso é a isenção do senso crítico para alguns sites e blogs sobre hip hop que surgiram depois do BF e se limitam a copiar/colar os press-releases que recebem ou adotam a tática diplomática de elogiar tudo e todos para não perder Likes. Outro problema é a isenção de uma linha editorial definida, a falta de posicionamento político mesmo nos momentos mais tensos e importantes, como os que temos vivido no âmbito político nos últimos meses. O BF nunca se ausentou de afirmar sua posição e nunca temeu perder Likes em decorrência disso.

Em poucos anos as significativas transformações propiciadas pelo advento da tecnologia foram revolucionárias na história da Humanidade – e continuam em andamento, em velocidade espantosa. Ainda é cedo para digerir ou tentar tirar conclusões de como tudo isso afetará nossas vidas e como viverão as próximas gerações online.

Obviamente, hoje comemoramos a longevidade do Bocada Forte, que no próximo ano se tornará “maior de idade”, e esperamos poder seguir por muitos anos com a mesma missão. Ainda assim, é preciso lembrar que há vida fora da web. Relembro uma frase famosa escrita por Gil Scott-Heron em 1970: “The revolution will not be televised”. Mas ouso atualizá-la para o atual contexto, quase meio século depois, pedindo que façamos da internet apenas um instrumento, um meio – e não um fim.

– A REVOLUÇÃO NÃO SERÁ FEITA VIA WEB.

Banzai!