O Som É | ‘Colarinho branco’, Duck Jam e Nação Hip Hop
ESPALHA --->
O Rap dos anos 90 é um retrato fiel das realidades dos negros, do povo da periferia e de pobres e oprimidos em geral. O sistema político brasileiro sempre foi excludente, explorador e em toda história a música sempre foi uma forma de protestar e expressar seu descontentamento com os poderosos. O Rap encontrou no Brasil terreno fértil e teve nos anos 90 as letras mais conscientes e politizadas já feitas.
São inúmeras as músicas a serem lembradas. Uma ou até duas gerações de jovens periféricos formaram sua personalidade e adquiriram consciência sócio-cultural e política escutando essas músicas. Nem todos eram de “esquerda” ou “direita” dentro do contexto político-partidário da época. Nós, e nessa eu me incluo, é que fomos colocados à “esquerda”. Os governos anteriores e também os da década de 90, ditos de “direita”, nos colocaram nessa situação (agora lembrei até de um Rap do PMC e os Poetas de Rua). Diferente de muita gente hoje em dia, não dava pra ficar a favor de quem te excluía, te explorava e te tirava qualquer chance de melhorar de vida.
Hoje resolvi trazer uma música dessa época para os dias de hoje, pois ela se mostrou totalmente atual. O SOM É – “Colarinho branco”, do grupo Duck Jam e Nação Hip Hop. Sei essa música de cor. Pra uma música cuja letra não é pequena ficar na sua mente por quase 30 anos, é porque realmente ela é marcante. Tenho certeza que eu não sou o único da minha geração a saber essa letra, pois ela marcou toda geração que ouviu Rap nos anos 90 e até mesmo algumas pessoas que não eram tão ligadas ao Rap lembram dela.
Antes um pequeno, mas pequeno mesmo, resumo sobre o grupo Duck Jam e Nação Hip Hop. Eles se juntaram para fazer Rap entre 1988/89, inicialmente Duck, Neno e Gordinho. Em seguida, já prontos para gravar as primeiras músicas em 1991, entraram para o grupo Nidas e Nego Jam. Suas primeiras gravações foram na coletânea “Movimento Rap Vol. 01” com duas faixas, uma delas era a música exposta aqui e a outra “Matas verdes”, que também tem uma letra que se encaixa perfeitamente nos dias de hoje. Essa coletânea trazia mais três grupos: Balinhas do Rap, W.M Rappers e Black Star Rap (Produto da Rua).
A música “Colarinho Branco” foi lançada em uma versão na coletânea e em outra quando eles fizeram o primeiro álbum, que se chamava “A Nação quer a verdade” (1992). Ela saiu em versão remix, onde puderam até usar o vinil da coletânea para fazer as colagens da introdução e do refrão. Nas duas versões o sample principal usado é da música do James Brown “Papa don’t take no mess”, que só a título de curiosidade, foi sampleada no mínimo umas 50 vezes.
Vamos a letra
Já na primeira parte a identificação com o momento atual é imediata. A letra faz referência a nova forma de escravidão “encoberta e mascarada” e também citam a tão discutida Previdência:
Todo brasileiro tem o sonho de um dia ter um carro, casa própria e um pouco de alegria / mas não passa de um sonho, que não se realiza / que a tal de Previdência não os concretizam
Totalmente atual e pelo andar da carruagem, continuará sendo. Na segunda parte o assunto é o racismo, eles abordaram o assunto de uma forma que poderia ser usada em qualquer música feita hoje.
Marginalidade, é preta e tem raça / principia da miséria e resulta a desgraça / não se deixe envolver por essa frase então… / mostre o contrário, pois todos nós sabemos / que os maiores bandidos, são brancos e são ricos / e andam por aí, muito bem vestidos
Na terceira parte eles falam da “burguesia, nobreza, elite, alta classe”, que hoje seriam “coxinhas e batedores de panela”. O que mudou é que não são mais apenas a elite, alguns só pensam que são. E a Nação segue:
Eles são a minoria, mas dominam o brasil / manipulam todos nós, de uma forma bem sutil / classe dominante que explora ignorantes / ignorantes somos nós que não fazemos nada pra melhorar / essa vida que levamos, não vamos ficar quietos, vamos reivindicar / eu, ouvi e vi promessas na TV que tudo ia mudar, melhorar / com novos governos, planos e medidas / e continua a miséria e essa porra dessa vida
A quarta e última parte traz mais protestos e citações principalmente contra políticos, mas também traz esperança e otimismo. Duck Jam e a Nação, mesmo tendo músicas de sucesso politizadas e com criticas sociais, é um grupo muito pra cima, com muitas letras positivas e músicas divertidas.
No final eles deixam transparecer este lado, que é algo que faz parte de muitos brasileiros, porque no final das contas acaba sendo o que nos resta.
Mas um dia isso vai ter um fim / e verá que a vida não é tão ruim / mostrando para todos que você é feliz / fazendo da sua vida o que você sempre quis / criticamos o errado, é, é assim mesmo / vocês estão ouvindo Duck Jam e a Nação
(em outra versão o final é “vocês estão ouvindo Duck Jam, MC Neno”)
Ouça a versão remix
Essa foi mais uma coluna “O Som é”, trazendo músicas que foram e/ou continuam sendo relevantes em algum momento na história. Quem quiser indicar músicas ou até mesmo enviar a sua visão sobre alguma música que seja relevante, entra em contato, manda pra gente. Você pode entrar em contato pelas redes sociais ou no email contato@bocadaforte.com.br.
Ouça a primeira versão da música e também a citada “Matas verdes”
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