O Som É | ‘Anos de Chumbo’, do Face da Morte, é uma aula sobre a ditadura
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Nesta semana, convidamos Jeff Ferreira, do site Submundo do Som, para falar sobre uma música que ele considera importante para a história do rap brasileiro
Por: Jeff Ferreira
A primeira vez que ouvi um som do Face da Morte eu estava no ensino fundamental, isso lá em meados de 1998. Se não me engano, foi numa aula de história, a professora pediu para trazermos músicas para discutirmos “atualidades”, o Thiago levou alguns CDs do Espaço Rap, em um tinha “A Vingança”, do Face da Morte, e no outro “Dia de Visita” do Realidade Cruel, ali eu começava a prestar atenção no rap.
Quando o F.D.M lançou o “Feito no Brasil“, em 2004, chegava até nós através da 105 FM as músicas de trabalho, como a que leva o titulo do álbum. Geral no bairro pirava nesse som, um Rap que atacava a Globo, falava do MST, e do produto nacional. O grupo ia se firmando como um dos meus preferidos ideologicamente.
Pois bem, o som “Anos de Chumbo“, eu fui conhecer relativamente tarde, só em 2007, lançado no álbum “Manifesto Popular Brasileiro” (2001), que antecede o “Feito no Brasil”. Conheci num sábado, fazendo hora extra na firma. O computador com acesso a Internet deu sopa e fiz o download desse álbum. Joguei num pendrive, que estrategicamente levei nesse dia, e em casa gravei em mídia física. O álbum é espetacular, conceitual e extremamente politico, da primeira a última faixa, e faz jus ao seu titulo. Iniciando-se com uma Intro feita pelo poeta GOG, e terminando com um calendário de lutas de nosso povo.
Essa música, mais do que a nostalgia, é de extrema importância para o Hip Hop brasileiro, apesar de não figurar entre as mais lembradas, pois foi uma injeção de ânimo na juventude que teve sua adolescência nesse período.
Esse som imediatamente chamou atenção, a começar pelas colagens feitas com falas do filme O Que é Isso Companheiro (Bruno Barreto, 1997) e que narrava o Brasil dos anos da Ditadura Militar, dos fatos que motivaram o regime até sua abertura em 1985. Mano Ed e Aliado G, sob os scratchs do DJ Viola, complementavam as aulas de história do já encerrado ensino médio. Com maestria, a dupla citava fatos, nomes de pessoas e movimentos importantes da época e também traziam na letra e instrumental o cenário de terror que os anos de chumbo trouxeram para o Brasil.
Essa música, mais do que a nostalgia, é de extrema importância para o Hip Hop brasileiro, apesar de não figurar entre as mais lembradas, pois foi uma injeção de ânimo na juventude que teve sua adolescência nesse período. Vários conhecidos passaram a estudar, formal ou informalmente, para complementar a visão passada no som. Outros foram atrás do filme sampleado, e muitos passaram a pesquisar em livros e outras obras do cinema conteúdos que explanassem a música. E é nesse ponto que a música cumpriu um papel fundamental do Hip Hop, que mais do que uma cultura que ensina, é um movimento que permite que busquemos conhecimento, e quando uma obra faz isso é por que a arte está nos guiando para o caminho certo. Acho que é o mesmo sentimento que o Inquérito rima em “Lição de Casa”, o Rap é muitas coisas para a ascensão das pessoas.
Outro ponto importante a ser frisado sobre “Anos de Chumbo” – na verdade sobre todo o disco “Manifesto Popular Brasileiro” – é o forte teor politico e a carga ideológica. Neste projeto o grupo não teve medo de se posicionar, de perder contrato ou não ser convidado para programas de TV e rádio. Essa era a atitude comum dos anos 90/00. “Anos de Chumbo” é a tipica música que valida a máxima de que o rap é o som de denúncia e protesto, numa verdadeira viagem pela história brasileira, e que para mim começou em sala de aula, numa aula de história e sociologia!
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