Tradução | Gang Starr: A história bizarra por trás de seu último álbum
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“Quem um dia pensou que você estaria rimando com fantasmas?” J Cole se pergunta, enquanto negocia rimas com a falecida lenda do rap Guru, no novo single de Gang Starr, “Family and Loyalty“. A resposta é complicada. Realmente complicada.
O Gang Starr é um grupo de Rap do Brooklyn [a matéria cita que o Gang Starr foi criado no bairro do Brooklyn, em NY, mas na verdade o grupo surgiu na cidade de Boston], que estabeleceu o padrão para o Rap de rua, sociável e socialmente consciente nos anos 90, com singles como “Just To Get A Rep“, “Mass Appeal” e “Step In The Arena“.
Mas quando seu carismático vocalista Guru morreu em 2010, de uma forma rara de câncer, as chances de se ouvir as músicas não lançadas do grupo pareciam ter morrido junto com ele e com a carta escrita em seu leito de morte, que eliminava seu parceiro musical, DJ Premier, de seu legado. “Não desejo que meu ex-DJ tenha nada a ver com o meu nome, eventos [ou] tributos”, escreveu Guru. “Não tive nada a ver com ele na vida por mais de sete anos e não quero nada com ele na morte.”
Em vez disso, Guru confiou o trabalho de sua vida a outro músico, John Mosher, conhecido como DJ Solar, que ele conheceu enquanto trabalhava no álbum final de Gang Starr, “The Ownerz“, em 2001. A carta foi publicada logo após sua morte e, em vez de um testamento, parecia representar os desejos moribundos do rapper. Mas quase imediatamente, a carta ficou atolada em controvérsias.
“Solar afirmou que tudo era um desejo dele [Guru], dizendo que este era o desejo do filho”, diz DJ Premier. “Guru amava seu filho, e ele tinha apenas nove anos de idade. Foi a situação mais estranha que já vimos.” A família de Guru concordou. Eles sustentaram que a estrela estava em coma nos últimos dois meses de sua vida, então não poderia ter escrito, nem mesmo ditado a carta, do leito de morte. Então, eles levaram Solar à justiça, onde o oncologista de Guru testemunhou que o rapper seria incapaz de montar o documento.
Em 2014, um juiz de Nova York decidiu a favor da família, dizendo que Solar não tinha direito a quaisquer escritos, desenhos, letras de músicas ou notas criadas por Guru e/ou quaisquer gravações que incorporassem a sua voz.
Premier, cujo nome verdadeiro é Christopher Edward Martin, estava convencido de que havia mais música guardadas ‘no cofre’. Guru, ele conta, gravava quase diariamente. Mas colocar as mãos nessas gravações levaria anos.
Resgate
“Quando Solar perdeu o caso, ele recorreu e isso congelou tudo, desde que ele foi entregue”, disse Premier à BBC. Foi apenas em 2017 que ele finalmente conseguiu negociar, através de um advogado, a compra de 30 das gravações não lançadas de Guru por uma quantia não revelada. “Eu olhei para tudo isso como um resgate, e valeu a pena o resgate”, diz ele. “Era como ‘esse é nosso filho e queremos que ele volte.’“
Não é segredo que Guru e DJ Premier se afastaram ao longo dos anos. Dinheiro, ego e o problema com álcool de Guru tiveram um papel importante. Mas quando Premier ouviu os vocais de seu amigo vindo pelos alto-falantes novamente, ele começou a se ‘arrepiar’. “Eu sabia que isso era uma grande coisa”, diz ele. “Ele estava fazendo o que era melhor”.
As gravações lançaram as bases para “One Of The Best Yet“, o primeiro álbum de Gang Starr em 16 anos. Todos os dias, durante 18 meses, Premier produziu as batidas e toda a estrutura das amostras dos vocais, como que usando as cinzas de Guru no console de gravação como um talismã.
Foi uma reversão completa de seu antigo método de gravação. Antes, Premier produzia um instrumental e Guru se inspirava na música, enquanto escrevia ou fazia um freestyle. “Isso é muito diferente, um pouco como fazer um remix”, diz Premier, que trabalhou com todos, de Jay-Z e Nas a Christina Aguilera e Janet Jackson. “Eu ouvia o que ele estava rimando e pude sentir imediatamente onde ele queria chegar”.
As sessões ocorreram no próprio estúdio do DJ, no bairro do Queens, em Nova York, que se tornou importante quando as emoções cobraram seu preço: “Houve momentos em que eu dizia ‘Droga! Deixe-me chorar de novo’. Eu saía e trancava a porta dizendo: ‘Eu já volto, pessoal.’“ “Foi mais por raiva por ele não estar aqui, do que me sentindo triste. Mas, ao mesmo tempo, você chora porque fica feliz. Tipo: ‘Ah, cara! Espere até o mundo receber isso!’“
O registro final não decepciona – ressuscitando os sulcos empoeirados de Gang Starr e as batidas agitadas; enquanto as rimas das ruas de Guru ainda soam fortes e frescas.
DJ Premier também pediu alguns favores, assegurando participações especiais de M.O.P, Q-Tip e Royce da 5’9″ – vozes autênticas da velha escola do Hip Hop – mas o momento mais emocionante ocorreu quando o filho de Guru chega no final (assista ao clipe acima). “Meu nome é Keith Casim Elam e Guru é meu pai: o falecido rei que forneceu o massacre lírico”, diz ele em um breve interlúdio de palavras faladas, fazendo uma breve pausa antes de continuar: “E ele ainda está aqui!”
“Você notou a diferença?”, pergunta Premier. “Na gravação original, houve um longo silêncio depois que ele disse ‘massacre lírico’. Eu espiei por trás dos alto-falantes para olhá-lo, apertei o botão de falar e disse: ‘Você está bem?‘ E então ele diz: ‘Ele ainda está aqui, brilhando sobre nós, um dos melhores ainda'”. “Eu fiquei tipo, ‘Uau!’. Você podia sentir a emoção dele enquanto ele respirava.’“
Premier diz que, acima de tudo, “One Of The Best Yet” é um presente para a irmã de Keith e Guru, Trish. “A família pode usufruir disso”, diz ele. “Essa é a coisa mais importante.” O álbum saiu para elogios quase universais. A revista Rolling Stone disse que “parece que um dos grupos de Rap mais amados da história está começando exatamente de onde parou”; enquanto a NPR observou: “é um lembrete bem-vindo do que tornou o grupo Gang Starr eternamente ótimo”.
Mas a história não termina aí. Depois que o álbum saiu, DJ Solar disse ao jornal New York Times, que as músicas haviam sido roubadas dele. Segundo o músico, “não havia um acordo válido” com o Premier, e ele planejava tomar medidas legais para adicionar seu nome aos créditos. O agente de DJ Premier respondeu fornecendo ao NYT um documento com firma reconhecida, assinado pela Solar em 2017, afirmando que ele não era compositor, produtor ou intérprete nas gravações principais.
As coisas ficaram ainda mais estranhas. Os amigos começaram a ligar para Premier, dizendo que reconheciam os vocais de Guru a partir de gravações feitas com o rapper, que não tinham nada a ver com Gang Starr ou Solar. “As pessoas estão saindo em nossa defesa dizendo: ‘Ei cara, esse é um disco que fizemos em 1999’“, diz o músico. “E eu estou verificando a data da sessão, e é 1999. Ele [Solar] nem estava conosco naquele momento.”
Até agora, três faixas foram apontadas por nomes como Masta Ace e Agallah The Don, reivindicando a propriedade das gravações. “Agallah, que também é um talentoso MC, me enviou o registro original e os detalhes do estúdio e da fábrica de prensas”, diz ele. “Havia apenas 100 cópias pressionadas, mas eu fiquei tipo ‘Droga, essa é outra.’“ “Estas são sessões das quais DJ Solar nem estava com a gente.”
Felizmente, a reputação de DJ Premier o precede; e possíveis problemas de direitos autorais foram deixados de lado. “As pessoas sabem que eu não fiz nada sorrateiro, então eles pensam ‘Cara, faça o que você gosta, estamos felizes que você os tenha’“, diz o produtor. “Honestamente, é uma coisa positiva. A família de Guru disse que ele estava manipulando as coisas de cima, dizendo: ‘Ei, isso é o que realmente estava acontecendo durante todo esse tempo’“.
[+] Leia a resenha e ouça o álbum “One Of The Best Yet” completo
*A BBC entrou em contato com o DJ Solar para comentar esta história, mas ainda não recebeu uma resposta.
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