São Paulo: o mundo se divide em dois
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De acordo com os registros do documentário “Arquitetura da Expulsão”, uma mudança do governo para o centro de São Paulo é uma nova aposta para a Cracolândia. Mas 800 famílias estão no caminho da polícia e das construtoras.
O cenário urbano do centro da capital paulista está em constante transformação e mais uma vez testemunha um conflito entre interesses públicos e privados, enquanto a população mais vulnerável é impactada de forma direta e violenta. Em Campos Elíseos, onde a nova sede do governo estadual é planejada para se estabelecer, comunidades inteiras estão sendo removidas, casas e comércios demolidos, e a Cracolândia dispersa por várias partes da cidade, num processo que o Estado chama de “requalificação urbana”.
O governo estadual, com apoio da prefeitura, apresenta a iniciativa como um esforço de revitalização, de “devolução da cidade ao cidadão de bem”, enquanto ações de despejo, prisões e ocupações policiais caracterizam a execução deste projeto. Moradores de ocupações e imóveis antigos relatam não apenas perdas materiais, mas também o impacto psicológico de um processo de expulsão que se desenrola em sua totalidade sem diálogo com a população local.
Os habitantes, muitos dos quais residem há décadas no centro, afirmam que a promessa de habitação popular é ilusória. Com exigências que incluem comprovação de renda e restrições de crédito, os programas habitacionais acabam sendo inacessíveis aos que mais precisam. Por outro lado, a especulação imobiliária e o apoio a grandes corporações transformam o centro em uma região atraente para investidores, ao custo da retirada dos menos favorecidos.
“São Paulo, centro, entre prédios e cortiços. Ruas, avenidas, o sistema é inimigo”
Facção Central
O documentário “Arquitetura da Expulsão” mostra que este projeto de requalificação urbana está atrelado a um histórico de violência institucional: ações policiais ostensivas para controlar e dispersar a Cracolândia criaram um clima de instabilidade que, paradoxalmente, favorece a desvalorização do território, facilitando desapropriações e futuras revitalizações. Em vez de promover uma integração social, o modelo privilegia quem pode investir, consolidando o centro como um espaço excludente para os grupos de baixa renda.
“Prepare-se pois daqui pra frente vão ser forte as cenas”
GOG
Para os moradores, especialmente da Favela do Moinho, única favela central sobrevivente, a pressão é constante. O documentário mostra que a comunidade tem resistido a quatro gestões municipais e luta para manter seu espaço, enquanto o governo estadual prepara o “Museu das Favelas” como símbolo de integração, uma ação considerada contraditória pelos moradores, que vivem uma realidade de contínua ameaça de remoção.
Essa política de urbanização higienista afasta a classe popular e abre caminho para uma São Paulo centrada nos interesses das elites, onde o sofrimento e o deslocamento de moradores não apenas são aceitos, mas instrumentalizados como parte de uma narrativa de “progresso”. É um progresso que exclui, que retira, que toma sem oferecer a mínima estabilidade àqueles que fazem parte da vida e da história do centro.
Desde o início, o hip hop combatente no Brasil tem sido uma das vozes mais potentes na luta contra a desigualdade social e pela moradia digna. Nas periferias, onde artistas e coletivos se formaram e crescem, a cultura hip hop confronta diariamente a exclusão e o abandono estatal que afetam comunidades de baixa renda, expondo as realidades da falta de habitação, do despejo forçado e da violência policial. Como o falecido MC Kawex, a rapper e ativista Amanda NegraSim é um dos grandes exemplos do nosso canto falado que vive essa realidade. Além das rimas, grafites e passos de break, o hip hop amplifica a indignação popular e ecoa reivindicações por políticas públicas que assegurem o direito básico de ter um lar. Nosso hip hop reafirma sua função social como resistência ativa e dá voz aos que são deixados às margens pela especulação imobiliária e pela falta de representatividade.
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