Rimas Inc: reinvenção e poesia em beats eletrônicos
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Fotos: Acervo Pessoal
Já faz tempo que o Bocada Forte acompanha o trabalho de Rimas Inc em suas redes sociais. O artista faz o cruzamento entre a tradição nordestina e a experimentação eletrônica. Rimas Inc se destaca como um artista plural, transitando entre a poesia popular, a música eletrônica e o rap. Nascido no sertão do Pajeú, ele carrega em sua essência o aprendizado das mesas de glosas e a vivência com mestres como Dedé Monteiro. Mas foi ao se conectar com o universo dos beats eletrônicos e da MPC que ele reinventou seu fazer artístico, combinando a métrica do repente com as possibilidades infinitas da tecnologia musical.
Em entrevista ao BF, Rimas Inc compartilha suas influências, suas experiências no sertão e na cena recifense, além de seu processo criativo. Um verdadeiro “matuto universal”, ele nos convida a explorar outras formas de produzir. O uso de scripts MIDI, o looping ao vivo e outras tecnologias podem transformar a música em uma forma de artesanato digital. Confira as ideias de Inc:
BF: O que levou você a transitar entre a poesia popular e o universo eletrônico da MPC e dos beats?
Eu nasci em um território conhecido como Sertão do Pajeú pernambucano, que é o berço da poesia popular no Brasil. Em Tabira, cidade onde fui criado, pude conviver com grandes poetas como Dedé Monteiro, que é meu padrinho na poesia, tendo me repassado os primeiros temas para que eu elaborasse meus versos e me introduzindo no âmbito do repente, convidando-me para participar de mesas de glosas. Mas, na minha adolescência, naquela época das fitas K7 e dos CDs, eu também tive a oportunidade de conhecer outros estilos de poesia, como o rap. Então me interessei também pelos beats eletrônicos quase que instantaneamente. Em 2004, comecei a produzir os meus primeiros beats, bem ingênuos, no FL Studio. Foram 13 anos nessa pegada de produzir com o FL, até que, em 2013, já morando em Recife, comecei a investir em equipamentos físicos (hardwares). Comprei SP-555, duas Electribes e vários outros equipamentos, até que, em 2017, adquiri minha primeira MPC. Isso mudou minha mente, junto com o Ableton Live.
BF: Como a experiência nas mesas de glosas influenciou sua abordagem artística e a forma como você combina versos com batidas?
A mesa de glosas foi um aprendizado enorme, principalmente no sentido de encontrar saídas para os momentos de aperto no palco (risos). Você começa a notar os pequenos detalhes que irão atuar em seu favor. Eu também tive uma época em que rodei pelo transporte público do Recife. Entrava em vagões de metrô e ônibus declamando cordéis, causos, emboladas. Isso também foi uma experiência diferente de tudo, pois geralmente o público vai até o artista, e não o contrário. Nessas vivências, percebi que é possível jogar um galope à beira-mar dentro de um beat 4×4, por exemplo. Até no rap, cuja métrica é mais livre, acabo levando para o heptassilábico, típico das mesas de glosas. Mas também curto criar minhas próprias métricas quando escrevo um rap.
BF: Você se identifica como “matuto universal”. Pode explicar como esse conceito guia seu trabalho musical e poético?
Alguém me chamou de matuto universal uma vez. Confesso que não lembro (risos). Deveríamos estar tomando uma cerveja com vários outros amigos, e passou batido quem lançou essa alcunha. Eu curti porque vivi 30 anos no sertão, então sou um matuto “das brenhas”. Mas, mesmo lá, vivi o surgimento da internet, e já me antenei desde então. Comprei meu primeiro PC em 2002. Nessa época, a febre eram as salas de bate-papo online, mas o que me vidrava mesmo era estudar programação, banco de dados, design, fazer beats e explorar as possibilidades multimídia. Eu poderia ter nascido na Austrália, África do Sul, Inglaterra, etc., mas, afortunadamente, nasci no Pajeú pernambucano, o berço da poesia popular, e isso, para mim, é um privilégio.
BF: Seu novo álbum comemorativo, Rimas Inc – Live Beats, para marcar 25 anos de trajetória, ainda não saiu. Qual o motivo?
Como mais um artista independente, também tiro as coisas do próprio bolso (risos). Consegui lançar a faixa “Boi Surubim” em janeiro, mas ainda tem umas 6 ou 7 faixas semi-prontas. Enquanto não saem, no meu YouTube tem uns vídeos bem bacanas onde fiz performances de scripted looping ao vivo. Então encaro com naturalidade o “ir sem pressa”. Enquanto isso, tenho curtido bastante as descobertas tecnológicas e os refinamentos que tenho experimentado.
BF: Como você enxerga o diálogo entre a tradição da poesia popular nordestina e a modernidade do rap e da música eletrônica no Brasil? Atualmente, esses paralelos ainda são fortes?
Fortíssimos, mas cada um na sua. Houve um momento de maior integração, mas, naturalmente, cada coisa segue seu caminho, mantendo interseções pontuais, porque é complicado querer forçar o rap a entrar na cantoria de viola, e vice-versa. Até mesmo levar a embolada para um beat de rap pode ser algo que, ao final, soe forçado. Leituras originais, como as que Jéssica Caetano e Rapadura fazem, são exemplos de que dá para jogar um caráter de poesia popular mantendo a autenticidade. Na poesia popular, e sobretudo no meio da mesa de glosas e da cantoria de viola, os poetas cobram que a métrica e a rima sejam seguidas à risca. Fazer uma série de décimas, glosando num mote de repente numa batida de 90 bpm, por exemplo, é missão impossível (risos). Para isso, temos o freestyle e o slam, onde o MC pode brincar com as palavras e não se prender tanto à métrica e rima, como fazem os emboladores, por exemplo.
BF: Quais instrumentos ou técnicas criativas você mais gosta de explorar?
Comecei a tocar pandeiro no início da minha carreira. Então já são 25 anos de pandeiro. Durante todo esse período, como também sempre fui inclinado ao universo dos beats eletrônicos, os softwares de produção seguem comigo até hoje. Além disso, uma terceira “linha investigativa” foi quando parti para os hardwares. Da pandemia para cá, comecei a me interessar também por instrumentos feitos à mão e pelas possibilidades da música eletroacústica. Fiz algumas flautas de PVC e uma noise box, que tem produzido uns sons bem legais. Também comecei a explorar bastante o scripted looping, que é uma técnica um tanto diferente do live looping convencional. Com essa técnica, tenho recorrido ao Ableton Live e, mais recentemente, usado bastante um iPad para produzir som.
BF: Você é um programador autodidata e utiliza scripts MIDI no seu trabalho, entre outras técnicas, equipamentos e formas. Como essas habilidades ampliaram suas possibilidades criativas?
Quando comprei meu primeiro computador, em 2002, comecei a estudar programação. Nesse processo autodidata, desenvolvi vários sites e, além de fazer o design, criava bancos de dados escrevendo sintaxes de scripts relativamente complexos. Paralelamente à música, trabalhei como desenvolvedor até 2015. Desde então, decidi ficar só com a música e a poesia. Durante a pandemia, descobri uma linguagem de script MIDI para o Ableton Live, chamada Clyphx Pro, que me fez reativar o modo programador. Essa descoberta me permitiu criar uma interface experimental sem fio, a Toca OSC & MIDI, para controlar o Ableton, por exemplo. Além disso, pude estruturar uma performance musical com a técnica de scripted looping, onde escrevo praticamente uma partitura lógica da música. Isso me permite gravar os instrumentos ao vivo de forma programada e elaborar os arranjos musicais para ter uma performance ao vivo com maior precisão. Percebo também que, desde sempre, curto elaborar scripts de programação. Mas agora faço isso só para música (risos).
BF: Pode falar mais sobre o conceito de “controllerism” e como ele se aplica às suas apresentações ao vivo?
Enquanto um jazzista ama ser virtuoso tocando seu instrumento, um controllerist ama controladoras MIDI para criar uma série de botões ou faders que realizem não só uma, mas várias ações em uma macro. Nas minhas apresentações ao vivo, uso uma controladora chamada MIDI Fighter Twister, que é extremamente versátil. Uso ela com Ableton Live, MPC, iPad e até para fazer DJ set no Traktor. Em todos esses ambientes, escrevo scripts MIDI ou elaboro mapas para ela. O fato de a controladora possuir indicadores de LEDs que podem ter as cores alteradas facilita muito na hora das performances ao vivo em qualquer ambiente musical.
BF: Quais desafios e conquistas marcaram sua caminhada na cena musical de Recife e na construção da sua identidade artística?
Vivi no sertão até os 30 anos de idade. Em Tabira-PE, tocava em projetos musicais como o Mandacaru Florado e o PE87, que foi o primeiro grupo de rap do sertão pernambucano. Além disso, produzia um festival, o Tabira Rock, entre 2003 e 2006. Migrei para Recife em 2011, então ainda sou um “adolescente” na cena artística da capital. Mas, ainda assim, tenho muitos projetos e linhas de atuação, realizando diversas parcerias com artistas da cena pernambucana. Em 2023, por exemplo, viajei por seis estados do Brasil realizando minha oficina de Cordel, Embolada, Repente e Rap, uma atividade literária que já pratico há 10 anos. Amo transitar entre a literatura e a música, pois isso me permite aprender com grandes artistas em ambas as esferas. Também realizei oficinas de performance musical ao vivo em São Luís-MA, Teresina-PI e Uberlândia-MG. Além disso, recentemente, tenho me aventurado no universo de video maker, realizando uma série de vídeos musicais informativos no meu Instagram, que chamo de “documentareels”. Eles têm uma pegada de documentário, com conteúdos que vão de reviews de equipamentos a abordagens sobre técnicas e processos criativos. Faço roteiro, gravação e edição, e isso tem furado minha bolha de uma forma que nunca havia conseguido antes. Pessoas de todo o Brasil têm acompanhado. Não sei até quando irei instigar esses vídeos, mas estou adorando.
BF: Como você enxerga o diálogo entre a tradição da poesia popular nordestina e a modernidade do rap e da música eletrônica no Brasil? Atualmente, esses paralelos ainda são fortes?
Fortíssimos, mas cada um na sua. Houve um momento de maior integração, mas, naturalmente, cada coisa segue seu caminho, mantendo interseções pontuais, porque é complicado querer forçar o rap a entrar na cantoria de viola, e vice-versa. Até mesmo levar a embolada para um beat de rap pode ser algo que, ao final, soe forçado. Leituras originais, como as que Jéssica Caetano e Rapadura fazem, são exemplos de que dá para jogar um caráter de poesia popular mantendo a autenticidade. Na poesia popular, e sobretudo no meio da mesa de glosas e da cantoria de viola, os poetas cobram que a métrica e a rima sejam seguidas à risca. Fazer uma série de décimas, glosando num mote de repente numa batida de 90 bpm, por exemplo, é missão impossível (risos). Para isso, temos o freestyle e o slam, onde o MC pode brincar com as palavras e não se prender tanto à métrica e rima, como fazem os emboladores, por exemplo.
BF: Quais instrumentos ou técnicas criativas você mais gosta de explorar?
Comecei a tocar pandeiro no início da minha carreira. Então já são 25 anos de pandeiro. Durante todo esse período, como também sempre fui inclinado ao universo dos beats eletrônicos, os softwares de produção seguem comigo até hoje. Além disso, uma terceira “linha investigativa” foi quando parti para os hardwares. Da pandemia para cá, comecei a me interessar também por instrumentos feitos à mão e pelas possibilidades da música eletroacústica. Fiz algumas flautas de PVC e uma noise box, que tem produzido uns sons bem legais. Também comecei a explorar bastante o scripted looping, que é uma técnica um tanto diferente do live looping convencional. Com essa técnica, tenho recorrido ao Ableton Live e, mais recentemente, usado bastante um iPad para produzir som.
BF: Você é um programador autodidata e utiliza scripts MIDI no seu trabalho, entre outras técnicas, equipamentos e formas. Como essas habilidades ampliaram suas possibilidades criativas?
Quando comprei meu primeiro computador, em 2002, comecei a estudar programação. Nesse processo autodidata, desenvolvi vários sites e, além de fazer o design, criava bancos de dados escrevendo sintaxes de scripts relativamente complexos. Paralelamente à música, trabalhei como desenvolvedor até 2015. Desde então, decidi ficar só com a música e a poesia. Durante a pandemia, descobri uma linguagem de script MIDI para o Ableton Live, chamada Clyphx Pro, que me fez reativar o modo programador. Essa descoberta me permitiu criar uma interface experimental sem fio, a Toca OSC & MIDI, para controlar o Ableton, por exemplo. Além disso, pude estruturar uma performance musical com a técnica de scripted looping, onde escrevo praticamente uma partitura lógica da música. Isso me permite gravar os instrumentos ao vivo de forma programada e elaborar os arranjos musicais para ter uma performance ao vivo com maior precisão. Percebo também que, desde sempre, curto elaborar scripts de programação. Mas agora faço isso só para música (risos).
BF: Pode falar mais sobre o conceito de “controllerism” e como ele se aplica às suas apresentações ao vivo?
Enquanto um jazzista ama ser virtuoso tocando seu instrumento, um controllerist ama controladoras MIDI para criar uma série de botões ou faders que realizem não só uma, mas várias ações em uma macro. Nas minhas apresentações ao vivo, uso uma controladora chamada MIDI Fighter Twister, que é extremamente versátil. Uso ela com Ableton Live, MPC, iPad e até para fazer DJ set no Traktor. Em todos esses ambientes, escrevo scripts MIDI ou elaboro mapas para ela. O fato de a controladora possuir indicadores de LEDs que podem ter as cores alteradas facilita muito na hora das performances ao vivo em qualquer ambiente musical.
BF: Quais desafios e conquistas marcaram sua caminhada na cena musical de Recife e na construção da sua identidade artística?
Vivi no sertão até os 30 anos de idade. Em Tabira-PE, tocava em projetos musicais como o Mandacaru Florado e o PE87, que foi o primeiro grupo de rap do sertão pernambucano. Além disso, produzia um festival, o Tabira Rock, entre 2003 e 2006. Migrei para Recife em 2011, então ainda sou um “adolescente” na cena artística da capital. Mas, ainda assim, tenho muitos projetos e linhas de atuação, realizando diversas parcerias com artistas da cena pernambucana. Em 2023, por exemplo, viajei por seis estados do Brasil realizando minha oficina de Cordel, Embolada, Repente e Rap, uma atividade literária que já pratico há 10 anos. Amo transitar entre a literatura e a música, pois isso me permite aprender com grandes artistas em ambas as esferas. Também realizei oficinas de performance musical ao vivo em São Luís-MA, Teresina-PI e Uberlândia-MG. Além disso, recentemente, tenho me aventurado no universo de video maker, realizando uma série de vídeos musicais informativos no meu Instagram, que chamo de “documentareels”. Eles têm uma pegada de documentário, com conteúdos que vão de reviews de equipamentos a abordagens sobre técnicas e processos criativos. Faço roteiro, gravação e edição, e isso tem furado minha bolha de uma forma que nunca havia conseguido antes. Pessoas de todo o Brasil têm acompanhado. Não sei até quando irei instigar esses vídeos, mas estou adorando.
OUÇA “ÁRIDO CREW”, PROJETO DE RIMAS INC LANÇADO EM 2013
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