Memória BF | ‘Speakerboxxx/The Love Below’ do Outkast completa 16 anos
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Hoje, o álbum ‘Speakerboxxx/The Love Below’ da dupla Outkast completa 16 anos do seu lançamento. Falamos aqui constantemente sobre grandes lançamentos e nos referimos a eles sempre como: clássicos, obras-primas, geniais, diferentes, essenciais etc. No caso deste disco, cabem todos os adjetivos possíveis! O álbum é um clássico, uma obra-prima genial, diferente e essencial (até rimou). Foi produzido, idealizado e interpretado por dois grandes rappers do sul dos Estados Unidos que chegaram a ser desacreditados pelos grandes nomes do gênero! Vai ser cheio de exclamações mesmo este texto, até porque será curto.
Assista ao vídeo de “Hey ya!”
Pensa em um disco duplo, um de cada integrante, com mais de duas horas de duração e 39 faixas, entre músicas e interlúdios. Aquele disco que no início dos anos 2000, com gente ainda usando conexão discada, levava uma madrugada inteira para ser baixado no Soul Seek. Todos os números relacionados a esse disco são gigantes, até 2012 foram quase 6 milhões de cópias vendidas, só nos Estados Unidos. Em cada um deles as participações dão o tom do que cada integrante quis passar, em ‘Speakerboxxx’ de Big Boi participam: Sleepy Brown, Jazze Pha, Jay-Z, Killer Mike, Goodie Mob (Khujo, Cee-Lo Green e Big Gipp), Lil Jon e Ludacris. Já em ‘The Love Below’ de Andre 3000 participam: Rosario Dawson, Norah Jones, Kelis e Fonzworth Bentley. Entendeu? Big Boi se manteve mais Rap e Andre, que deve ter ficado meio tristinho depois do fim do relacionamento com Erykah Badu, foi mais “love songs”.
Assista ao vídeo de “Ghetto Musick”
Foram 6 indicações ao Grammy em 2004, ganharam 3 – Álbum do Ano, Melhor Performance Urbana / Alternativa com “Hey Ya!” e Melhor Álbum de Rap. O disco foi atualizado, aconteceram mudanças e alterações em algumas faixas. Mesmo sendo um lançamento do grupo, é um disco dividido, o título, a capa, as músicas, tudo mostra isso, tanto que os dois pouco aparecem juntos. As faixas “Ghetto Musick” e “Knowing” são as únicas faixas do ‘Speakerboxxx’ com André 3000. Já em ‘The Love Below’, “Roses” é a única faixa com a presença de Big Boi. Foram quatro singles, dois pra cada um pra não ter briga, “Hey Ya!“, “The Way You Move“, “Roses“, “Ghetto Musick / Prototype“.
Assista ao vídeo de “Roses”
Em nosso acervo encontrei um texto sobre o disco e sobre o grupo, escrito por ninguém mais, ninguém menos que um especialista no assunto e um mestre das resenhas musicais, Rodrigo Brandão. Ele escreveu especialmente para o Bocada Forte, em fevereiro de 2004, deixo o texto logo abaixo e faço minhas as suas palavras.
Assista ao vídeo de “The way you move”
Por Rodrigo Brandão, publicado em 09 de fevereiro de 2004
Especial Outkast | O Ataque Funkadelico dos E.T.S. de Atlanta
Certamente, quando as lolitas de hoje forem balzacas de responsa, elas se lembrarão desse verão, entre outras coisas, pela – deliciosamente grudenta – canção “Hey Ya”, rockinho bubblegum, doce como os primeiros anos sessenta, só que turbinado por uma batida pancadão mil grau. O autor dessa pérola, coisa mais legal com a qual o termo “rock´n´roll” esteve relacionado em 2003, entretanto, não é nenhum boneco super produzido com roupas das marcas mais badaladas do momento, nem tampouco parece recém-saído de uma “Academia de Atitude Fashion”. Trata-se na verdade de um preto malaco, artista de Rap, com um sotaque caipira da porra, que atende pela alcunha de André 3000.
Assista ao vídeo de “Prototype”
Ao lado do parceiro Big Boi, forma o Outkast, um dos nomes mais importantes na história da black music nesse início de milênio e um dos poucos a conseguirem balancear evolução musical e integridade artística com vendagens polpudas, desde a estréia dez anos atrás, até o sucesso absoluto atingido pelo mais recente lançamento fonográfico deles, o bombástico ‘Speakerboxx/The Love Below’.
Projeto audacioso, o álbum contém na verdade dois discos, cada um assinado como obra solo de um dos integrantes, mas que não são vendidos separadamente e que, portanto, se trata de uma obra do grupo.
Mas os resultados não poderiam ser melhores: até o fechamento desse texto, Andre liderava a parada da Billboard com a tal “Hey Ya”, carro-chefe de ‘The Love Below’, clássico instantâneo – que de Rap tem pouco.
Nenhum ritmo se sobressai na cabulosa receita do disco, que tem no Parliament/Funkadelic sua estação-primeira, mas não deixa de fora Prince, Hendrix, boogie-woogie, folk (com vocais de Norah Jones!), e até uma versão matadora, com batida de jungle, pro standart jazzístico “My Favorite Things”, do gênio John Coltrane.
E o mano Big Boi também estava bem longe de fazer feio: ocupava o segundo posto da mesma lista com “The Way You Move”, segundo single extraído do seu ‘Speakerboxx’, trabalho que leva adiante a linha sonora desenvolvida pela dupla, espécie de continuação natural do festejadaço álbum anterior, ‘Stankonia’ (2000).
Quarto título da discografia outkastiana, ‘Stankonia’ foi o trabalho que catapultou o duo ao estrelato indiscutível, através dos singles “B.O.B.” (que fundia Hip-Hop, drum n’bass e a new wave dançante dos B-52’s em estilo arrasa-quarteirão), “So Fresh So Clean”, e “Ms. Jackson” – talvez o primeiro Rap a tratar de um tema adulto e alcançar o topo das paradas. A faixa é uma carta aberta à ex-sogra de Andre, avó do filho dele com a cantora Erykah Badu. O refrão não dá brecha pra metáforas: “Desculpe Ms. Jackson / Tô falando sério/Nunca quis fazer sua filha chorar / Eu peço desculpas um trilhão de vezes”. O garoto, hoje com seis anos, se chama Seven, e estava na barriga da diva de ébano quando a própria se apresentou aqui, durante a edição de 1997 do extinto Free Jazz Festival.
Mas essa não foi a primeira vez que o Outkast reinventou a arte das batidas, rimas e vida. Na verdade, o simples aparecimento da dupla, na metade dos anos noventa, já foi uma mudança por si só. Enquanto as costas leste e oeste trocavam bala pra ver quem era melhor, mais real, num dos momentos mais tragicamente estúpidos da história do gênero, que resultou na morte de um ícone do Rap nova-iorquino (Notorious BIG) e outro da Califórnia (Tupac Shakur, o 2Pac) Big Boi & Dre, que ainda não era 3000, chegaram chegando.
A música contida no primeiro play, ‘Southernplayalisticadillacmusik’, trazia um novo approach ao amálgama dos beats eletrônicos do Hip-Hop com o balanço e as melodias vocais do Mestre Psicodélico do Funk, George Clinton.
Mesmo utilizando elementos já trabalhados por outro Dre (o Dr.) e seu pupilo Snoop Dogg nos lendários ‘The Chronic’ e ‘Doggystyle’, o Outkast chegou a um resultado diferente, mas que não deve nada ao “Doutor” e o “Cãozinho do Rap”.
Tanto pela produção afiadaça do Organized Noise quanto pelo novo estilo de levada consolidado pelos rappers, o disco estourou, puxado pelo sucesso de “Player’s ball”, e colocou Atlanta mais todo o sul da terra do Tio Sam (até então nula em termos de Hip-Hop) no mapa. Conseqüentemente, abriram caminho pra nomes como Ludacris, David Banner e Lil´Jon, que hoje tomam de assalto as paradas antes monopolizadas por gente das duas costas do país.
Na mesma pegada de alargar os limites do Rap, veio o segundo álbum, ‘ATLiens’ (1996). Numa época em que o gangsta predominava, eles já faziam questão de se posicionar bem distantes dos clichês vazios e fórmulas fáceis.
Se o nome do grupo assume essa condição (outkast significa excluído em inglês), o do disco (uma parada tipo “Os E.T.s de Atlanta”) só faz questão de frisar. A faixa número 6, “Elevators (Me & You)” é uma espécie de marca registrada, ajudou a definir a personalidade sônica do grupo.
Outra música com esse perfil é “Rosa Parks”, maior hit do estágio seguinte, o conceitual ‘Aquemini’, (de 1998, terceiro disco do Outkast), no qual a presença de instrumentos tocados ao vivo grita, resgatando a sonoridade de raiz da Georgia. Para transpor o clima do vinil pro palco, eles não deixaram por menos e excursionaram com uma banda gigante, funkadélicos até o talo e o Hip-Hop era re-inventado novamente.
Por falar em shows, desde o fim da turnê promocional da coletânea ‘Big Boi & Dre Presents… Outkast’ (2001), com os maiores sucessos e duas inéditas, 3000 optou por não fazer mais shows. Atualmente, Big Boi tem se apresentado, devidamente acompanhado por uma banda de apoio e os trutas da Dungeon Family (coletivo formado por eles, a banca de produtores Organized Noise, mais os integrantes do Goodie Mob e outros agregados), tocando o material de ‘Speakerboxx’ mais alguns medleys de hits antigos. Além da decepção de não poder ouvir ao vivo o sensacional ‘The Love Below’, os fãs temem pelo futuro do grupo. Alheias a tudo isso, as lolitas-futuras-balzacas, continuam rebolando, despreocupadas, ao som de “Hey Ya”.
Ouça o disco ‘Speakerboxxx/The Love Below’, mas ouça mesmo!
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