Memória BF | 10 anos de ‘Emicídio’, o céu já foi o limite
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Pra quem já mordeu um cachorro por comida, o MC paulistano traça planos bem mais ambiciosos, com o lançamento de Emicídio, sua segunda mixtape
Entrevista concedida ao jornalista Gilberto Yoshinaga
Publicada originalmente em 15 de setembro de 2010
Foto: Janaína Castelo Branco
Em menos de uma semana, nos últimos dias ele fez shows, participou do Programa do Jô (Rede Globo), foi entrevistado pelo portal G1, ganhou destaque na capa do site de relacionamentos e música MySpace (recomendado como “fenômeno do rap”) e, nesta quarta-feira (15/9), lança Emicídio, sua segunda mixtape. Ao que tudo indica, a rotina de Emicida vai continuar agitada por um bom tempo.
O novo trabalho de Leandro Roque de Oliveira, 25 anos, que ganhou a alcunha de Emicida devido ao fato de “acabar” com outros MCs em batalhas de freestyle, traz 18 faixas. A exemplo da bem-sucedida mixtape de estreia, Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida Até Que Eu Cheguei Longe, que foi lançada em maio do ano passado e vendeu mais de 10 mil cópias de mão em mão, o novo trabalho conta com um time de produtores de primeira linha – nomes como Felipe Vassão, Zegon, DJ Nyack, Casp, Laudz, Skeeter, Base MC, Renan Samam e Dario. Entre outros participantes, destacam-se seu irmão Fióti, Kamau, Rael da Rima e Curumim.
Numa pausa entre sua agenda de compromissos e a maratona para conseguir deixar prontos os primeiros exemplares do novo CD no escritório do Laboratório Fantasma, na zona norte de São Paulo, Emicida concedeu uma entrevista ao Central Hip-Hop/BF.
Entre outros assuntos, um dos mais badalados MCs brasileiros da atualidade conta que quer estudar música para começar a formatar seu primeiro álbum, fala sobre seus planos pessoais e as perspectivas do Laboratório Fantasma. “O céu já foi o limite, e a coisa agora pode ser mais, bem mais”, revela Emicida, que também comenta assuntos polêmicos – como as críticas e ofensas que tem recebido e aproveita para rebater, a suposta “crise” no rap e o uso da internet no hip-hop, entre outros assuntos. Confira:
BF: Você já fez shows em vários Estados e chegou aos grandes veículos de comunicação. Por que a opção de lançar mais uma mixtape, e não um álbum?
Emicida: Na cabeça das pessoas, eu já sou extremamente famoso, mas não é porque eu realmente seja: é porque todos se condicionaram a pensar pequeno. Temos obviamente que valorizar as conquistas pequenas, mas não podemos nos esquecer das grandes metas, dos projetos de vida, das coisas que são construídas ao longo do tempo, e minha carreira é uma delas. Sinto que precisava dizer algumas coisas que não quero que estejam no meu álbum oficial, e que se eu lançasse um álbum hoje ele não seria ouvido pelo tanto de pessoas que gostariam de um álbum como o meu.
Então, o formato de mixtape cai muito bem neste contexto: consigo alimentar a cena, principalmente do rap, e rodar o país para expandir meu público e meus contatos, construindo uma rede híbrida que, futuramente, me ajude a levar meu álbum a todos os que desejam ou se identificariam com este tipo de música. Fora o fato de mixtapes serem rápidas: um beatmaker me manda uns beats, eu tenho algumas ideias, gravo, e já era. Quero construir um álbum detalhadamente. Ainda não é o momento do álbum.
BF: Mas já existe o conceito do álbum ou alguma coisa gravada? O que você pode adiantar sobre ele?
Emicida: Ainda não tenho previsão. Estou estudando para poder botar as ideias no papel. Se Deus quiser, começo a fazer aula de música ainda neste ano, mas posso adiantar que quero algo bem pautado na música do Brasil, sem ser rap com cavaco, bumbo, caixa e sample. Tenho a ambição de dar continuidade à história da música brasileira que nos dá orgulho. Não vai ser fácil, mas eu não espero que seja. Acho que tenho potencial pra tentar e conseguir, e tenho pessoas comigo que podem fazer isso acontecer também. Estou ansioso para começar isso…
BF: Qual é a grande meta do Leandro e qual é a grande meta do Emicida?
Emicida: Tudo é pouco, tudo é menos do que realmente poderia ser. Com este pensamento, me desligo da ideia de ter uma meta. Vejo ela como uma coisa tão distante que nem sei dizer qual é, mas posso dizer que sou ambicioso como poucas pessoas têm coragem de admitir que são. Digamos que o céu já foi o limite, e a coisa agora pode ser mais, bem mais. Precisamos ter canais de TV, rádios, revistas e sites, que sejam bons e sejam nossos. Se eu conseguir construir essas coisas, o que acho bem possivel, por que não?
BF: Que outras ações virão pela frente além do lançamento de Emicídio?
Emicida: Vou trabalhar esta mixtape. Uma coisa de cada vez. Com certeza irão rolar videoclipes – já estamos finalizando um roteiro, mas tem muitas ideias para vídeos e uma pequena estrutura disponível. Sobre produtos, também vamos ter bastante coisa. Tem esse lance das camisetas, gosto da ideia de existir uma coisa voltada para ´toy art`, com o personagem que ilustrou a primeira mixtape [Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe], mas ainda estou trabalhando esse pensamento, avaliando custos e formas de produzir.
A gente conseguiu finalizar o filme Disseminando Ideias e Influenciando Pessoas, que logo menos estará nas ruas. A rapaziada já pode até conferir alguns teasers dele, ficou bem legal o documentário, simples pra caramba e sem muita firula, direto. Quero concluir um projeto de alguns desenhos animados que estão em aberto com uns amigos e umas histórias em quadrinhos também, tudo doideira da minha cabeça. Como se o rap por si só não desse trabalho (risos)…
BF: O Laboratório Fantasma também já anuncia a mixtape Caos Pessoal, do rapper AXL, de Jacareí (SP). Quais são os artistas que compõem o Laboratório Fantasma atualmente e que outros lançamentos estão previstos?
Emicida: Tenho uma identificação de postura com o AXL há muito tempo. Ele é caladão, na dele, olha mais do que fala, e isso é muito bom. Tá fazendo o corre dele no sapatinho, num campo menor e sem o auxílio das batalhas de freestyle tá fazendo uma caminhada parecida com a minha. A evolução musical dele também é notável, e no próximo trampo ele vai chegar mais cabreiro ainda, cada vez mais. Por termos essa identidade acabamos nos aproximando e a Laboratório Fantasma entra como parceira no lançamento da mixtape dele.
Não podemos dizer que estamos “lançando” o AXL porque quem está fazendo todo o corre é ele mesmo, com o pessoal dele. Mas temos algumas coisas aqui que podem servir pro trabalho dele e creio que esta proximidade vai permitir que a gente se conheça melhor no campo profissional de execução de trabalho, e afine as coisas para termos uma participação mais efetiva no próximo trabalho dele. Tenho alguns artistas próximos de mim hoje, pessoas que mandam demos e mostram trabalhos bons. Mas nosso catálogo para 2010 vai fechar as portas aí mesmo, com Emicídio e Caos Pessoal. Não vai dar tempo de fazer mais nada depois que isso for pra rua – quase não deu tempo de fazer essas…
BF: De onde você busca inspiração para escrever suas letras?
Emicida: Gosto de letras das quais você consegue tirar citações, fora o lance de transmitir um sentimento, uma ideia, conseguir levar o ouvinte para outro lugar. Minhas letras são como minha mente, confusa, cheia de informações que aparentemente podem vir a ser desconexas mas, pelo ambiente em que vivo e pela forma que somos bombardeados por informações, tudo parece muito mais próximo, e no final acaba realmente sendo. Então as ideias distantes se aproximam e consigo criar um contexto para expor todo tipo de sentimento que me der vontade, mas ainda tenho como minha maior fonte de inspiração a vida.
Meu desafio, hoje, é falar de coisas boas. A mixtape Emicídio tem bastante disso. Os moleques andam viciados nesse negócio de agonia e dor, e eu quero tentar quebrar isso, abrir as mentes, minha e dos outros. Com letras mais livres, consigo fazer isso.
BF: Junto com muitos elogios, você também tem recebido algumas críticas – inclusive, de cunho pessoal. Como lida com elas?
Emicida: Quero mais é que se f… todo mundo. Ninguém me ligou 10 anos atrás para cobrar postura e agora quer dar palpite em como devo agir? Tem muita hipocrisia por aí e eu não quero estar perto desse tipo de pessoa. Dizem que sou marrento, que sou prepotente, que me acho muito maior do que realmente sou, que não posso dizer o que digo nas letras, mas aí eu te falo: eu rodo o país e ouço centenas de pessoas falando “Você é f…”, “Muito bom”, “Da hora as suas músicas”. Aí, se eu reconheço que faço uma coisa bem, dizem que eu me torno marrento, arrogante… Se uma pessoa não consegue acreditar que faz algo bem, o problema é dela! Eu me acho bom mesmo, e trabalho muito mais que boa parte das pessoas para isso aparecer. Não vou ficar pedindo desculpa por trabalhar mais que os outros.
Tem outra coisa: quem mais fala mal escreve música ruim e bate de frente virtualmente, porque na rua ninguém me cobra. Colo nos rolês, todo mundo me estende a mão e dá parabéns, inclusive os que escreveram essas “diss” aí. Li uma entrevista do presidente do Google dizendo que quem reclama do Google são os concorrentes, não o povo. Penso da mesma forma. Quando meu show estiver esvaziando, vou repensar minha postura e meus atos.
Quando o CD não estiver vendendo e eu não vir o tanto de gente que vem me dizer que minha música fez bem pra fulano ou sicrano, aí eu vou repensar minha forma de agir e trabalhar. Até então, vou buscar dar o meu melhor e evoluir sempre para ser mais. Não existem pedreiros que constroem casas melhor que eu? Por que eu não posso reconhecer que canto rap melhor que vários pedreiros? Cada um na sua função. Antes, ouvíamos todos serem solidários na dor… Você faz uma música pro seu amigo que morreu, pro seu primo que tá preso, todo mundo se abraça e canta junto, e diz que aquilo é a vida da gente mesmo. Mas pra morrer você precisa nascer primeiro, entende? Não quero mais isso.
Quero viver mesmo, quero crescer no que faço, ganhar dinheiro, ser uma prova de que é possível, para que os moleques vejam que é possível vir de onde eu vim e ser f… mesmo, e sem pisar em ninguém. Obviamente, isso geraria desafetos, mas quando os caras fizerem metade do barulho que eu faço na rua, aí vou olhar e avaliar se devo agir. Até então, me vejo tendo que olhar para baixo para ver quem me critica de uma forma sem fundamento.
BF: Há algum tempo, o jornal O Estado de São Paulo especulou sobre uma possível “crise” no rap brasileiro. Na sua opinião, ela existe? Como você vê o atual momento do rap, profissionalmente falando?
Emicida: A crise é da indústria fonográfica em geral. Obviamente, mercados menores sofrem mais com ela, mas o problema do rap é muito mais da porta para dentro que da porta para fora. Enquanto existir o receio de se falar o que realmente se pensa, vai ser mó merda conquistar qualquer coisa. Você dá um passo e os caras criticam, mas ninguém faz mais, nem melhor.
Então, temos que ver se queremos vencer mesmo ou queremos estar aqui no mesmo lugar daqui a 10 anos. Aí, sim, podemos combater a crise de mercado externo. Tem outra coisa: com essa ideia de que o funk carioca tá tomando espaço, vários caras se emocionaram e estão fazendo música ruim para entrar no jogo, como se o rap não tivesse sido nada e não tivéssemos uma história para honrar. Não que eu seja o mais ortodoxo, mas isso não começou ontem. Então, vamos dar continuidade ao que existe, o contrário vai ser suicídio. Temos várias crises ao nosso redor. Quando solucionarmos as internas, poderemos combater as outras.
BF: Algumas pessoas acham que a internet “mata” o mercado fonográfico. Por outro lado, há quem veja nela e nos recursos tecnológicos um meio de fazer uma música chegar a qualquer parte do mundo. Na sua opinião, a internet e a tecnologia ajudam ou atrapalham o hip-hop? Como vê o futuro do rap diante deste cenário?
Emicida: A gente tem que tomar cuidado com coisas rápidas, fáceis e baratas, como disponibilizar músicas na internet. Não acho que a internet “mata” nada. Quem quebrou as pernas das gravadoras foi a pirataria física, depois o download. Quando o download chegou, as gravadoras já estavam quebradas. A internet só fechou a tampa, e por burrice deles – ganância é burrice, né? Uma música boa vinda de uma banda que surgiu na internet é uma coisa, e uma iniciativa que foi divulgada através dela é uma coisa. “Matar” o mercado fonográfico é um termo muito grande. Nós somos o mercado fonográfico! Vendemos discos, músicas, ingressos e shows.
Quando a internet matar isso, já era. Acho que é um novo galho, uma ramificação, meio bagunçada porque a velocidade da tecnologia, da nossa compreensão, da indústria do entretenimento e das leis que fiscalizam isso são diferentes. A tecnologia sempre foi irmã do hip-hop, senão mãe ou pai, pois sempre tivemos samplers e sequencers em nosso cotidiano. A internet é um bom meio de divulgação, mas se você não trabalha na rua, nem com o talento do Michael Jackson você anda. Uma coisa gera a outra. É um problema essa “mentalidade MySpace” da molecada, estão tirando foto pro perfil antes de fazer música. Tem seus prós e contras.
É uma ferramenta que pode ser bem ou mal usada. Alguns usam bem, outros ficam colando banner na página de todo mundo achando que vão ser descobertos por algo, mas quem faz isso tá com a cabeça lá nos anos 80, quando alguém ainda “descobria” e lançava um talento. Hoje, se você não se descobrir, vai morrer coberto (risos), sério mesmo. Nosso futuro é promissor porque independe de muita coisa, mas a sincronia de todos os meios possíveis, e a internet é um deles, vai nos fazer existir por mais tempo. O negócio é trabalhar mais do que dizer que está trabalhando. O que define as coisas, mesmo, é o trabalho no final das contas.
BF: Deixamos um espaço aberto para seus comentários, reflexões, críticas, sugestões, agradecimentos, etc…
Emicida: Agradeço pelo espaço, agradeço a todas as pessoas que botam fé no que fazemos e desejo muito amor para todas elas. É isso que tentamos levar: coisas boas, muita prosperidade ao Bocada Forte e a toda família Central Hip-Hop. Aos interessados: comprem a mixtape pelo e-mail vendas@emicida.com. Obrigado pelo espaço! É nóiz!
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