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‘Icyerekezo’, o olhar e os códigos de Nego Freeza

‘Icyerekezo’, o olhar e os códigos de Nego Freeza

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O artista multifacetado
Nego Freeza, membro da respeitada banda OQuadro, compartilhou com o Bocada Forte suas inspirações musicais, a importância da espiritualidade em sua caminhada no Rap e na cena alternativa, além da busca contínua por liberdade criativa.

Numa conversa descontraída, Freeza nos guiou por suas referências artísticas e suas motivações para criar, que ultrapassam as palavras rimadas sobre beats bem produzidos, mas não abandona os princípios estéticos do Rap.

O MC, que lançou recentemente o álbum ‘Icyerekezo’, falou sobre a concepção do disco. “Na época da pandemia, eu fiz um projeto chamado Studio Roncó, que era justamente para estudar a música do continente africano, porque a gente consome a música do continente africano, mas não se dá conta de como ela é produzida e por quem ela é produzida. Então eu comecei a dialogar com vários artistas de Moçambique, Angola, enfim entre outros países ali da língua portuguesa, e fui tendo entendimento dessa música. Porque todo mundo bebe no continente africano, né?”

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Nego Freeza acredita que
a música africana está num momento muito importante com um cenário pop africano, porque a música africana que traz um viés que ultrapassa a visão exótica que muitos brasileiros possuem sobre ela. E  ‘Icyerekezo’ não para por aí,  somando ao laboratório do Studio Roncó, Freeza traz em sua bagagem musical influências que vão desde lendas do jazz como Miles Davis e John Coltrane até vozes que marcaram o soul, como Nina Simone e Marvin Gaye, passando também por rappers contemporâneos como Mos Def e Common, cuja autenticidade e letras repletas de consciência social são também uma grande inspiração para o trabalho do MC.

A conexão de Nego Freeza com a música não se limita apenas ao estilo. Ele acredita que o Rap é um veículo poderoso para transmitir ideias e conectar pessoas a diferentes realidades. Num disco produzido por Pupillo (ex-Nação Zumbi), conceituado produtor brasileiro, o rapper apresenta uma mistura de rimas diretas e códigos que precisam ser decifrados pelo ouvinte. “Quero que minhas músicas sejam um ponto de encontro entre quem ouve e as questões que, muitas vezes, não são discutidas abertamente. Falar sobre identidade, espiritualidade e liberdade é fundamental”, afirma o artista.

Assista ao vídeo da faixa “A gente pulsa”

A decodificação começa pelo nome do trampo, “Icyerekezo” é resultado da jornada iniciada em 2020. “Quando estudei  o continente Africano, assisti a um vídeo enviado por uma amigo de Angola, que é sociólogo. O trabalho fala sobre a economia e os avanços de Ruanda. Descobri que Ruanda tinha lançado um  satélite em 2019 com esse nome para conectar a zona rural via internet. Diante de todos os estereótipos que a gente tem no continente africano, achei isso muito interessante”, relembra.

Freeza01-200x300 'Icyerekezo', o olhar e os códigos de Nego Freeza“Icyerekezo” é repleto de espiritualidade preta e tem um papel crucial na nova fase de Nego Freeza. Para ele, é importante conectar-se com algo maior, seja através de rituais próprios ou de um constante processo de autoconhecimento.

Os beats eletrônicos que se revezam entre o minimalismo, o tecnopop oitentista e o Rap alternativo, compartilham com as letras de Freeza na criação de pontes que ajudem as pessoas a se reconectar com sua essência. Pelo menos é o que o artista propõe. Sabemos que dada criatura que apertar o play fará sua própria viagem.

Ao afirmar que afastou por um tempo os seus ouvidos do gênero Rap, o artista diz que o conceito de liberdade é outro ponto fundamental que norteia a carreira. Freeza faz questão de destacar que sua arte é livre de qualquer molde ou expectativa. Para ele, o Rap sempre foi um lugar de expressão sem limites e a liberdade criativa é um ato de resistência, principalmente num cenário onde, na maioria das vezes, o mercado dita as regras.

Freeza02-200x300 'Icyerekezo', o olhar e os códigos de Nego FreezaA escolha de pupilo para produzir ‘Icyerekezo’ foi fundamental para Negro Freeza. O rapper explica que a música baiana, até o momento, tem se repetido muito apesar de ser esse pulsar. Segundo Freeza, tudo parece muito igual, numa mesma célula rítmica, do mesmo jeito,  no mesmo campo harmônico.

“E aí escolher Puppillo, que vem de Pernambuco e tem um outro jeito de produzir a música africana, para mim foi essencial.  Eu queria mesmo fugir e fazer algo fora da curva. Lembro da produção que ele fez com Edgar e aquilo me chamou muita atenção”, conta Freeza, que também fala sobre o papel crucial do produtor pernambucano na direção artística durante as composições.

Manter viva a chama do compromisso social, que sempre esteve no cerne do Rap, trazer ao disco o que os gestores de projetos chamam de inovação incremental e não deixar de lado as origens são objetivos atingidos em “Icyerekezo”, trampo produzido entre as estadias de Freeza em Pernambuco, São Paulo e Bahia. 

Nego Freeza é um exemplo de artista que, acima de tudo, busca se manter fiel à sua caminhada na música. Desde 1999, o Bocada Forte segue acompanhando e dando voz a artistas como Nego Freeza, que usam o Rap como ferramenta de mudança e construção de consciência com uma criatividade que ultrapassa a esquina segura da mesmice. Celebrar a liberdade, a resistência e, principalmente, a verdade que cada um traz para o movimento Hip-Hop é, como diria um editor baiano, fundamental.

Ouça  “Icyerekezo”.

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