Uma Conversa com Fall Clássico Sobre o álbum ‘Navegar’
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Fotos: Pedro Gabriel
No cenário da música brasileira, a pluralidade de estilos e a força das narrativas afrocentradas continuam a abrir caminhos para criações inovadoras. Lançado em outubro, o álbum Navegar, de Fall Clássico, é um exemplo dessa riqueza criativa, unindo sons da diáspora africana, a tradição percussiva de Salvador e as influências contemporâneas do Amapiano, Afrobeats e Dancehall.
Nesta entrevista, Fall Clássico compartilha a trajetória de Navegar — desde a inspiração nas ruas de Salvador e no movimento cultural Experiência Jamaica, até a produção colaborativa com nomes como AquaHertz Digital Ogan, Buguinha Dub, Mestre Jamaica e Pump Killa. Cada faixa reflete vivências reais, explorando temas de superação, identidade e celebração cultural.
A seguir, uma conversa que revela os desafios, as inspirações e a mensagem central de um disco que reflete as possíveis danças entre a tradição e a inovação.
BF: Como surgiu a ideia de criar o álbum Navegar? Há algum conceito principal que guia as faixas?
Fall Clássico: A ideia inicial seria lançar um EP. Surgiu com os eventos produzidos nas ruas de Salvador pelo Experiência Jamaica, onde eu sou um dos produtores e agente cultural. As músicas “Tá batendo” e “Abre caminho” foram os primeiros singles produzidos com clipes. Depois de “Abre caminho” foi a hora de trazer o álbum “Navegar” para o público.
BF: O título Navegar sugere movimento e exploração. O que ele representa para você artisticamente?
Fall Clássico: A ideia do título foi exatamente essa de sair de uma zona onde eu já me sentia confortável e pesquisar e trabalhar em cima de outros ritmos como amapiano, afrobeats e o dancehall e criar, junto com os produtores Ragg, DJ Gug e AquaHertz Digital Ogan, uma sonoridade que tivesse a nossa cara e identidade.
BF: Como foi o processo criativo para o disco? Você começou pelas letras, pelos beats ou ambos fluíram juntos?
Fall Clássico: Tudo se iniciou pelas letras nos eventos do Experiência Jamaica, que a gente trabalha tendo como referência a cultura Sound System. As letras e ideias das músicas foram surgindo na rua, e todas essas ideias eram guardadas, pelo menos os refrões, e depois eram trabalhadas. “Abre caminho”, “Tá batendo”, “Preto caro”, “Pilotando o grave”, “Quebra e amassa”… Depois foi a hora de buscar os produtores e trabalhar as produções junto com o percussionista Digital Ogan. Foi exatamente um ano e meio de laboratório, a estratégia foi lançar dois singles e depois o álbum.
BF: Quais foram as principais influências musicais e literárias que te inspiraram nesse trabalho.
Fall Clássico: As influências foram a música afro de Salvador, Ilê Ayiê, Olodum, Malê De Balê, Os Negões, Mateus Aleluia, Gerônimo, Naná Vasconcelos. A artista de Angola, Nagrelha. Também tive influência da afrohouse e afrobeats, kuduro, influências da música jamaicana e da cultura Sound System. Um Livro “O Ato Criativo – uma forma de ser”, de Rick Rubin.
BF: Quem esteve envolvido na produção do álbum? Alguma colaboração foi particularmente marcante para você?
Fall Clássico: O produtor Ragg (SP), produtor Gug (Salvador), produtor AquaHertz (Salvador), o percussionista Ogan Digital. O artista e capoeirista Mestre Jamaica tocou berimbau na música Abre Caminho. Também tem duas participações especiais nesse disco: Pump Killa, raggaMan de SP, na música “Tá batendo”, e Dnguni, na música “Lírica bélica”.
BF: Existe alguma faixa em ‘Navegar’ que foi mais desafiadora de produzir ou que exigiu um cuidado especial?
Fall Clássico: A faixa “Abre caminho”, que antecede o álbum, foi a que exigiu um cuidado mais especial, pois era responsável por abrir o caminho para o álbum chegar. Ela foi lançada com um videoclipe produzido pela Azus Filme. Trabalhei nela junto com Ragg, Pump Killa, Digital Ogan na percussão e Mestre Jamaica no berimbau. A música traz influências da música angolana misturadas à percussão afro de Salvador, e a letra foi escrita pensando na cidade de Salvador e suas vivências urbanas.
BF: O disco explora diferentes estilos ou mantém uma identidade sonora definida? Como você trabalhou para alcançar esse equilíbrio?
Fall Clássico: A ideia do disco era trabalhar a música da diáspora africana espalhada pelo mundo. Para manter a identidade, trazemos a influência da música percussiva existente em Salvador.
BF: Quais temas predominam nas letras de Navegar? Algum deles reflete experiências pessoais?
Fall Clássico: O disco é uma obra que transcende fronteiras e reflete a riqueza da vivência urbana por meio da dança, da arte e da música. Cada faixa oferece uma imersão em uma jornada criativa, onde desafios e superações se entrelaçam em uma narrativa sonora. Ele aborda temas afrocentrados e apresenta músicas que elevam, fazem pensar e dançar. Todas as faixas são baseadas em vivências reais.
BF: Existe uma mensagem central que você gostaria que o público captasse ao ouvir o disco?
Fall Clássico: O disco convida à reflexão sobre o potencial de auto superação que todos nós carregamos. Em um mundo onde frequentemente duvidamos de nossas capacidades, o álbum nos lembra que, ao nos permitirmos explorar e experimentar, podemos descobrir que tudo é possível.
BF: Como você enxerga o impacto de Navegar na cena do Rap e Hip-Hop brasileiro?
Fall Clássico: Em uma cena onde, a cada dia, vemos trabalhos muito parecidos, ‘Navegar’ tenta mostrar que existem outros caminhos e formas, tanto de escrita quanto de produção musical. É possível manter a qualidade e usar a criatividade para continuar produzindo conteúdo interessante para o público.
BF: Você teve algum momento de autodescoberta ou crescimento pessoal durante a criação do álbum?
Fall Clássico: Ainda estou aprendendo com esse trabalho, tanto na arte do disco quanto nas músicas, que trazem uma narrativa afrocentrada. Com certeza, isso eleva minha autoestima e incentiva a busca por mais conhecimento sobre minha ancestralidade.
BF: Qual foi a recepção inicial do álbum? Algum feedback do público ou de outros artistas te surpreendeu?
Fall Clássico: O álbum está sendo bem aceito, mesmo que estilos como o Amapiano, Afrobeats e kuduro ainda sejam algo novo no país. O álbum foi patrocinado pelo selo Educadora FM. A música “Abre caminho” está na final do 22º Festival de Música Educadora FM. Algumas faixas do álbum já estão tocando na rádio, e estou muito feliz por ter acreditado e concluído esse projeto. Agora, a missão é fazer com que esse trabalho alcance mais pessoas, utilizando os recursos e as oportunidades que surgirem.
BF: Se pudesse descrever o álbum em três palavras para quem ainda não ouviu, quais seriam?
Fall Clássico: Resiliência, criatividade e autenticidade. Espero poder executar esse trabalho em vários lugares do Brasil, levando a energia, a força e a mensagem que o disco carrega.
BF: Como ‘Navegar’ se conecta ou se diferencia de seus trabalhos anteriores? Ele representa um ponto de transição na sua carreira?
Fall Clássico: ‘Navegar’ representa uma transição em que busco entender mais sobre minha ancestralidade. É uma forma de me conectar com a música preta em diáspora, registrar minhas vivências e expressar tudo em que acredito.
BF: Quais são seus próximos passos após o lançamento do disco?
Fall Clássico: Meu próximo passo é produzir alguns clipes do álbum e continuar um trabalho que já venho desenvolvendo, de levar a música para escolas e fazer com que esse projeto chegue a mais pessoas.
Ouça o álbum ‘Navegar’
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