Carregando agora
×

Entrevista – Opanijé marcando posição

Entrevista – Opanijé marcando posição

ESPALHA --->

Lançado no final de 2013, o disco homônimo do Opanijé, da Bahia, desafia a linha de produção do rap atual e invade o hip-hop com a África no peito. Abaixo, leia a entrevista concedida por Lázaro, Dum Dum e Chiba, integrantes do grupo.

Opanije_02-300x200 Entrevista - Opanijé marcando posição
Chiba, Dum-dum e Lázaro

Bocada Forte: O Brasil é um país de maioria cristã, este fato também se reflete no hip-hop. Em seu novo trabalho, o Opanijé abre o disco com uma música chamada “Encruzilhada”, com fortes influências africanas e religiosas nos instrumentais e na temática afro. Marcar território é uma forma de resistência fora e dentro do hip-hop?
Dum Dum: Com certeza! Uma das formas de se fortalecer é não ter receio de demonstrar suas influências. “Encruzilhada” é uma música que fala de Exu, o princípio de toda a comunicação do humano com o divino, para nós de religião de matriz africana.
Lázaro: Mas, ao contrário do chamado “rap gospel”, nós não buscamos encaminhar pessoas para a nossa religião, tentamos mostrar o quanto temos orgulho dela e de suas raízes. O rap pode sim unir católicos, espíritas, evangélicos, etc. Cada um tem uma mensagem muito importante a ensinar, desde que haja o respeito.

BF: Como fazer um trabalho escapar dos modismos e tendências e ainda lutar pra continuar sendo relevante e atual na cena rap brasileira?
Chiba: A gente só segue a fórmula básica do rap, que é: ser você mesmo, retratar a sua realidade próxima e tentar conectá-la a um contexto mundial. Isso o rap faz há quase 40 anos. O problema é que muitos largam aquilo que está na sua mão e correm pra abraçar o que o mercado fonográfico diz ser a nova tendência.
Lázaro: Quando você segue um determinado modismo está sempre um passo atrás do chamado “mercado” e isso é uma grande armadilha. Já não estamos mais nas versões de Beatles da época da Jovem Guarda, por exemplo. Hoje a internet e os novos meios de comunicação possibilitam o acesso, tanto a seu trabalho, quanto a do gringo mais distante praticamente ao mesmo tempo. Então fica fácil descobrir quem tira “Xérox” do trampo alheio.

BF: Fale mais sobre a produção deste disco. Houve momentos de dúvida e vontade de refazer alguma coisa no trabalho?
Lázaro: O disco demorou 2 anos para ser finalizado (2011 a 2013), em parte, pela nossa preocupação com os detalhes. A gente tinha a preocupação de que não faltasse nada nem ninguém que pra nós fosse importante. André T é um excelente músico/produtor e tem uma experiência respeitável, então buscamos aproveitar essa oportunidade de extrair o máximo dele, que já tinha trabalhado com muita gente boa.
Dum Dum: O outro desafio foi substituir as versões antigas (em que usávamos samples) pelas versões novas com os instrumentais quase todos tocados. A nossa maior preocupação, nesse caso, foi não perder a essência daquilo que a gente já fazia.

BF: O país está prestando mais atenção ao rap fora do eixo tradicional?
Chiba: Não tanto quanto a gente gostaria. Mesmo com toda essa abertura de comunicação que temos hoje, ainda há uma certa resistência quando se fala de rap de fora do sudeste. Teve até um episódio recente em que o próprio Chuck D elogiou nosso clipe pelo Twitter, quando muita gente aqui no Brasil sequer tinha visto ainda.
Lázaro: Mas já foi bem pior. Eu comecei a curtir Rap em meados dos anos 90, quando era basicamente o Brasil assistindo a cena de SP e RJ acontecer. No dia em que a visibilidade dos trabalhos fora do eixo for maior, as nossas diferenças de sonoridade, sotaque, realidade, talvez façam com que o Rap brasileiro seja muito mais rico culturalmente que o americano.

BF: O conservadorismo político e religioso se fortalecendo, manifestações de diferentes frentes e propostas, rolezinhos, celebração do consumo exagerado em todos s níveis. A doença está aí. Vocês sabem qual é a cura? Qual a opinião do Opanijé sobre nosso atual momento?
Lázaro: Acho que os radicais no Brasil sempre tiveram força. As piadas que se faziam escrachando negros, homossexuais e a demonização das religiões de matriz africana eram vistas como coisa normal pela sociedade, até outro dia. A reação a isso é que vem crescendo com uma força absurda, daí a necessidade dos conservadores de plantão encherem a bola de gente como Feliciano, Malafaia, Sherazade, etc. Mas a cura é e sempre vai ser a educação. É como falamos na música “A doença da ignorância se combate com o remédio certo / Doses de informação, livros certo sempre perto”. Se esses adolescentes que foram ao shopping tivessem a orientação básica de como funcionam as coisas no Brasil não teriam sido surpreendidos da forma que foram. O resultado é que eles descobriram na prática uma realidade que o rap vem denunciando há muitos anos. O país está passando por um processo que deveria ter começado há 30 anos, quando os militares saíram do poder. Essa fissura das pessoas em ganhar a rua mostra isso. O problema disso tudo é que muitas vezes sobra revolta e falta ideologia. Como os muitos papagaios que saem gritando que são “contra a corrupção”, “contra a impunidade”. Contra a corrupção todo mundo diz que é! Até o próprio corrupto, né? Aí é que temos que lembrar que, em muitos casos, a nossa insatisfação com o governo atual é extremamente diferente da insatisfação dos filhinhos de papai que vão pras ruas protestar contra bolsa-família, contra as cotas, etc. A nossa insatisfação vem de longa data e independe de governos. Temos sempre que estar atentos pra não cair (de novo) nessas armadilhas.

BF: O debate sobre ir ou não ir, participar ou não participar do que é promovido pela grande mídia, tudo isso continua. O que o Opanijé entende por evolução do rap?
Lázaro: Evolução é amadurecimento. E amadurecer é compreender que as formas de agir podem ser diferentes, mas o objetivo pode ser um só. É entender que a postura de G.O.G. é importante, mas a de Emicida também é. Só pra citar dois exemplos bem distintos. São duas formas diferentes de se lidar com a indústria e que têm uma contribuição imensa para a cultura hip hop do Brasil inteiro. Não tem como negar isso. Quando eu vejo as pessoas gastando energia à toa tentando impor uma cartilha de como agir, eu vejo o quanto ainda precisamos evoluir, já que isso vai de encontro a toda liberdade que o Rap prega e é uma forma de domesticação tão ou mais escrota que a das TVs.

BF: Precisamos de uma indústria musical forte nos moldes dos EUA?
Lázaro: Com toda certeza! Talvez não “nos moldes”, mas com um poder de influência igual. Essa eterna discussão de “vai-ou-não-vai-pra-Globo” já teria sido superada há muito tempo se o hip-hop tivesse metade do poder de influência que tem nos EUA. Aliás, se tivéssemos o poder de influência que o rap gringo tem no Brasil, já seria de bom tamanho.

BF: Sempre quando pedimos para um artista apontar alguns grupos de sua preferência, ele apresenta, indica seus amigos. Na cena brasileira quais grupos que chamam a atenção do Opanijé, mas não estão em seu círculo de amizade?
Lázaro: Gosto muito do trabalho do Pentágono, do solo do Rael e do Edi Rock, do Don L, e tem um cara muito bom chamado Bruno B.O., do Pará.
Dum Dum: Fica difícil, já que nos tornamos amigos da maioria dos grupos que admiramos. Mas eu gosto muito do trabalho de Criolo, Metá-Metá e OBMJ.
Chiba: Satanique Samba Trio, Burro Morto, Macaco Bong. Mas espero que isso mude e a gente possa conhecer esse pessoal também.

BF: O mundo é machista e homofóbico. O rap reproduz isso. Como mudar essas coisas?
Chiba: Nós temos uma música nesse disco chamada “Hoje eu Acordei, Mulher”. É uma crítica bem humorada ao machismo que todos nós, homens, temos e acabamos reproduzindo dentro do Rap.
Dum Dum: Uma das formas de se acabar com um problema é admitir que ele existe. Não adianta ficar nesse jogo de empurra dizendo que o pagode é mais isso, que o funk é mais aquilo. É com o que fazemos dentro do Rap que temos que nos preocupar.

BF: O que o aumento do poder de consumo não pode mudar na vida dos jovens das periferias brasileiras?
Dum Dum: O racismo. Ele é o mesmo, independente de quanto o negro tenha no banco e qual seja a marca do tênis que esteja usando. Esse episódio dos rolezinhos ilustrou isso da forma mais clara possível. Tudo isso que denunciamos em nossas letras veio à tona sem que a gente precisasse dizer nada.
Lázaro: Não há uma alternativa para acabar com o racismo e mudar a vida dos jovens que não passe pela educação e a valorização da nossa autoestima. Isso o aumento de renda não dá, temos que buscar por nós mesmos sempre!