Nasi: ícone do rock e pioneiro do rap brasileiro
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‘Wolverine brasileiro’ revela sua paixão pela música negra, relembra a produção dos primeiros discos de Thaíde & DJ Hum e faz reflexões sobre o futuro do rap
Por Gilberto Yoshinaga
Nem todos os autodeclarados “amantes do hip hop” sabem, sobretudo os mais jovens, mas o músico NASI, eternizado como vocalista da banda de rock Ira!, é também um dos pioneiros do rap brasileiro. Sua paixão pela música negra, aliás, é notória no circuito artístico. Ele conheceu e apaixonou-se pelo rap em meados da década de 1980 e logo se empenhou em produzir, ao lado do baterista André Jung, as primeiras gravações da dupla Thaíde & DJ Hum.
Aos 53 anos de idade, sendo 34 de carreira musical, Marcos Valadão sobreviveu a muitas turbulências artísticas e pessoais, mas nunca deixou de amar a música negra. “Do blues, do soul e do funk de raiz ao rap dos dias atuais”, elenca o ‘filho de Orixás’ de sangue italiano. “Desde o fim dos anos 1970 tenho em vinil os dois volumes do ‘Live at The Apollo’, do James Brown, duas raridades”, orgulha-se o roqueiro.
Em uma ensolarada terça-feira, o ‘Wolverine brasileiro’ recebeu em sua casa o Bocada Forte para um breve bate-papo sobre sua relação com o rap nacional. Nasi relembrou o início dessa história, que em 2016 completará 30 anos, mas também falou sobre o presente e teceu reflexões acerca do futuro. Confira!
Bocada Forte: Você é um ícone do rock nacional e também conhecido por seus trabalhos com o blues. Mas poucos sabem da sua importante contribuição ao rap também. Como começou sua relação com esse estilo?
Nasi: Eu sou roqueiro, mas sempre ouvi outros gêneros musicais e já pirava em soul e funk das antigas, James Brown, Mantronix, George Clinton, Trouble Funk. Em 1985, um amigo chegou dos Estados Unidos com um LP do Run-DMC e me apresentou o “King of Rock”. Eu chapei no som e a partir de então comecei a me aprofundar nas raízes do rap. Aí conheci Kurtis Blow, Whodini, Grandmaster Flash, Fat Boys, Beastie Boys, Run-DMC… teve até uma época que nas turnês do Ira! eu levava um radião e só ficava ouvindo rap no ônibus, rap no hotel… pra depois tocar rock no show. Os caras da banda ficavam de cara.
Em 1987, por meio do Skowa e do pessoal da banda Fábrica Fagus, conheci o pessoal da São Bento, os b-boys, e então fiz amizade com Thaíde & DJ Hum. Dessa aproximação, eu e o André [Jung, então baterista do Ira!] acabamos por produzir as primeiras músicas deles, que entraram na coletânea “Hip Hop Cultura de Rua” (1988). Depois, ainda acabamos contribuindo mais e assinando a produção dos dois primeiros álbuns de Thaíde & DJ Hum, “Pergunte a Quem Conhece” (1989) e “Hip Hop na Veia” (1990). Esses três discos foram lançados pela Eldorado.
Bocada Forte: E você chegou a participar da música “Consciência”, tanto em apresentações ao vivo como na gravação em estúdio… Como foi isso, o Nasi cantando rap?
Nasi: Tinha essa segunda voz na música “Consicência” e o Thaíde me pediu pra cantar ela. Foi bacana, cantamos ao vivo no Teatro Mambembe, no aniversário da revista “Bizz” lá no Rio de Janeiro, numa festa da Kaskata’s lá em Santo André… inclusive, tem imagens de uma dessas apresentações, ela foi gravada(*)! Nessa época, eu era tão aficcionado por rap que teve gente que pensou que eu fosse dar uma guinada pro hip hop na minha carreira. Mas foi só isso, foi ali que debutei e logo em seguida já encerrei minha carreira no rap… [risos].
(*) Nota da redação: a histórica cena de Thaíde e Nasi cantando rap juntos aparece no documentário “Lucy Puma: Uma Gata da Pesada”, produzido pela TV Cultura em 1987 e relembrado nesta reportagem do programa “Manos & Minas”:
Bocada Forte: Como foi produzir uma dupla que está entre os pioneiros do rap nacional, uma história que está prestes a completar 30 anos?
Nasi: Foi muito legal. Eu só me meti a produzir porque vi muito talento no Thaíde e amo rap. Tanto que, em toda a minha carreira, além desses dois discos dele, só produzi os meus próprios trabalhos solo, nunca assinei produção pra mais ninguém, nem do rock. É bom frisar que não tínhamos uma relação formal, do tipo “produtores de um lado e artistas do outro”. Era como se eu, o André e eles fôssemos um grupo de rap. Acima de tudo tem a amizade, era um processo de criação coletiva bem espontâneo, aberto. Na época, a gente fazia umas pirações e experiências musicais com uma mesa-estúdio de quatro canais e uma bateria eletrônica. Fazia o loop cortando a fita magnética no gilete e emendando… que tempo bom!
Eu fico muito feliz por ter colaborado de alguma forma e participado da história de uns caras que fizeram e ainda fazem história no hip hop nacional. Nunca duvidei da capacidade e do potencial deles. Inclusive, pra mim não foi surpresa nenhuma ver o Thaide indo pro cinema, pro jornalismo [o rapper já estrelou os filmes “Antônia” e “Dois Coelhos”, e desde 2010 é repórter do programa jornalístico “A Liga” – o único remanescente desde a estreia]. O Thaide sempre foi comunicativo, inteligente, malandro no bom sentido… ele nasceu com uma coisa que não se aprende, que é o carisma, o dom de cativar.
Bocada Forte: E atualmente… você ainda acompanha o rap brasileiro?
Nasi: Acompanho poucas coisas, mas acho que o rap nacional voltou a ter um momento muito bom. Inclusive o Ira! vai participar do Rock in Rio e vai abrir o palco Sunset num show com participações de Rappin’ Hood e do Tony Tornado. Eu já conhecia algumas coisas do Hood, mas agora fui ouvir com calma o último disco dele, porque estamos definindo o repertório… Achei um disco sensacional, incrível.
Emicida também é um cara que acho bem poético, positivo, até me lembra o Thaíde. Racionais continua grande, poderoso. Mano Brown agora vem com uma carreira solo interessante, mais voltada pro soul, e isso é bacana, a evolução de um artista. Porque pra ser solo tem que mostrar outras faces de si. Se ele fosse fazer uma carreira solo fazendo o som dos Racionais, não teria muito sentido. Fico ansioso pra ouvir… E acho até que o rap nacional, num momento em que parecia que ía ter um declínio, deu uma guinada muito grande por meio desses nomes. Acho que o Emicida é uma referência atual, temos o Criolo também, que já é uma vertente com a Música Popular Brasileira… mas acompanho mais as coisas que estão em evidência. E também sou muito fã do Z’África Brasil, ainda tenho essa referência.
Pra falar a verdade, o que eu gosto de ouvir de rap hoje em dia é nacional. Eu não gosto muito do rap norte-americano atual. Eu parei de ouvir rap americano naquela geração de A Tribe Called Quest, De La Soul, da mistura com o jazz, do Guru… foram as últimas coisas bacanas que vi do rap dos EUA.
Bocada Forte: A popularização e consolidação do rap nacional ainda é muito recente e até pode-se dizer que ainda está em andamento. Com toda a sua experiência artística, como você acha que pode ser o futuro do rap brasileiro?
Nasi: Espero que não fique vazio e banal como muita coisa do rap dos EUA. Mas, à altura dos meus 53 anos, quase 34 de carreira, digo que uma tendência de todo gênero musical é ser verdadeiro, fazer sucesso, se pasteurizar, decair e depois renascer. Com o rock aconteceu isso. Acho que com o rap até já aconteceu isso uma vez também. Surgiu, deu uma sumida, a gente viu renascer agora com esses nomes que eu falei, mas agora também está mais comercial e tem essa tendência de mistura com esse funk atual, que é a versão ostentação do rap, mais alienada…
Eu penso que o rap vem vivendo um bom momento de reativação, incensado, com trabalhos de muita qualidade. Tende a ter uma pasteurização, mas acredito que novamente vai se reinventar. São ciclos. A música vive ciclos de qualidade e de pasteurização. Com o rock também foi assim. Infelizmente, é o que chamamos de “sistema”. Mas o artista tem que subverter o sistema e quem é verdadeiro sempre sobrevive.
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