Memória BF | O talento e a história de DJ Only Jay
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O primeiro contato de DJ ONLY JAY com os discos foi dentro de sua própria família, através de seu pai. Isso em meados dos anos 80. Nove anos depois, o artista teve sua primeira atuação como turntablist, em um pequeno festival de rap que, mais tarde, serviu de trampolim para vários outros artistas da cultura hip hop gaúcha da época. Desde então, foi requisitado por outros grupos de rap da região. Até que, em 1993, gravou seu primeiro álbum com o grupo Esquadrão R.B.P. O grupo chegou a ser homenageado no Festival Unimúsica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em 1999, por seus inovadores trabalhos.
A partir daí sua jornada pela profissionalização e luta pelo reconhecimento dos toca-discos como um instrumento musical tornaram-se uma constante. Tendo em sua bagagem musical inúmeros workshops, DJ Only Jay, junto ao coletivo Adversus e a empresa Red Bull pôde trabalhar como oficineiro, em parceria com o governo do estado do Rio Grande do Sul em aulas públicas para crianças de rua.
Sua crew de DJs, a O.G.D.S. (Orquestra Gaúcha De Scratches) é formada por: DJ Anderson (L.O.R.D.S e Ultramen), DJ Madruga, Only Jay e alguns convidados. Essa crew têm como principal objetivo difundir as técnicas regionais do turntablism.
Abaixo, segue um bate-papo com esse DJ que ainda é desconhecido de muitos, mas que têm história e talento de sobra no hip hop.
Bocada Forte (BF): Only Jay, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória no Hip-Hop. Qual foi seu primeiro contato com a cultura e como se tornou DJ?
DJ Only Jay (OJ): Isso já tem algum tempo. Conheci a cultura quase que pela raiz mesmo, afinal, nasci em 1974, quase junto com a cultura, saca? Mas, foi em 83, que tive maior contato com esse universo cultural, por intermédio de meu pai e de alguns amigos. Desde então, a curiosidade só aumentou. Ver meu pai tocar, me inspirou bastante! Já dancei, fui grafiteiro e já rimei também. Depois de 1990, resolvi estudar mais sobre a arte do Turntablism e cá estou.
BF: Quais são suas principais influências,do passado e do presente? Quais os DJs que você respeita e considera? Que artistas da cultura hip hop te fazem acreditar e te motivam no teu trabalho?
OJ: Influências? Quem eu respeito e considero? Vejamos… De ontem: Meu pai, DJ Hum, KL Jay, Gê Powers… Putz são muitos! DJ Anderson, Madruga, DJ Cia, King, DJ Marco, Tano, Meio-Kilo, Ajamu, DJ Will, William, DJ Erick Jay, Negro Rico, DJ Master D, DJ Babão, Nelson DJ, Naomi… Lá fora: Grand Wizard Theodore, Grandmaster Flash, DJ Red Alert, Jazzy Jeff, Tony Touch, DJ Premier, DJ Tyra (Saigon), DJ Babu, Revolution, Vadim, DJ Zajazza, J-Rocc, Mixmaster Mike, DJ Q-Bert, todos os que são ou fizeram parte da crew X-Ecutioners, os Beat Junkies e mais uma porrada de gente. Infelizmente, os caras que mais me motivaram, motivam e ainda me fazem crer muito no que faço nos deixaram, por vontade de Deus. Ainda assim, sempre lembrarei deles a cada vez que meus Mk2 forem ligados pra eu tocar, pois foram, são e sempre serão peças insubstituíveis das engrenagens que movem minha vida como Turntablist e, acima de tudo, como ser humano: meu pai, DJ Jam Master Jay (Run DMC) e o incrível DJ Primo.
BF: Only Jay, você se refere muito a seu pai, inclusive como fonte de inspiração. Seu pai também foi DJ? Fale-nos um pouco sobre ele.
OJ: É bem difícil falar quando se trata de meu pai, porque além de ter sido meu pai, foi meu maior mestre pra tudo… Eu faço parte dos poucos que tiveram a sorte de ter um pai que era DJ. A maior herança que recebi, além da educação – é algo que passará também pro meu filho – são os nossos discos de família. Ali têm de tudo. Lembro que a primeira vez que escutei coisas como Grandmaster Flash, Kool & the Gang, Parliament, James Brown, Sugarhill Gang, os Jacksons 5, entre outros sons muito foda na minha infância, foi por intermédio dos discos dele. Ouvindo, aprendendo sobre a história da cultura, fui me interessando cada vez mais por música. Desde pequeno, fui envolvido com a música. Meu pai tocava muito bem qualquer instrumento de cordas, só de ouvido mesmo. Um auto-didata total. Minha mãe, por sua vez, lê e executa qualquer partitura. Toca quase tudo o que tem teclas. Só não coloca ela na frente de um computador, porque nisso ela é uma negação (risos). E como se não bastasse, toda a minha infância musical, acabei me casando com uma pianista. Minha história com a música, com certeza, vem de berço. Acabei crescendo também como uma espécie de “monstro auto-didata musical”. Assim, influenciado muitas vezes pelas histórias contadas pelo Sr. João Gilberto D. M. e por sua esposa, a Sra. Zilah T. J. M. (meus pais).
Digo turntablist, porque esse é o termo correto pro trabalho que fazemos. DJs tocam mais em casas noturnas e acabam se tornando limitados. Ao meu ver, turntablists tocam em qualquer lugar, pois estudaram o suficiente pra desempenhar um bom papel em qualquer situação musical que lhes forem imposta (Improvisos,demonstrações de técnicas, etc)
BF: Durante algum tempo você transitou pelo meio alternativo do rap no Rio Grande do Sul e aos poucos foi ganhando mais espaço. Fale sobre quais foram seus primeiros movimentos como DJ em Porto Alegre.
OJ: Puxa vida… Então, mesmo antes de ter meus próprios Mk2, já tentava desenvolver alguns trabalhos pra pegar experiências e tal. Assim, fui me envolvendo com grupos de grande influência na cena local, em meados de 1990, tais como: L.O.R.D.S., Rap Crazy, T.W.P., S of G (que hoje é o Da Guedes), dentre outros. Tive mais chances de ver de perto como seria o trabalho de um verdadeiro turntablist. Digo turntablist, porque esse é o termo correto pro trabalho que fazemos. DJs tocam mais em casas noturnas e acabam se tornando limitados. Ao meu ver, turntablists tocam em qualquer lugar, pois estudaram o suficiente pra desempenhar um bom papel em qualquer situação musical que lhes forem imposta (Improvisos,demonstrações de técnicas, etc).
BF: Taí uma boa questão. Muitas pessoas não sabem direito a diferença entre um DJ de festa e um Turntablist. Exlique melhor.
OJ: A diferença maior (pra mim), é que em inúmeros casos que vejo, o DJ sai de casa com um track list já pronto! (Seja ele mental,ou anotado em algum lugar…). Enquanto o turntablist, toca conforme o andamento da festa, principalmente, e cuidando a pista, que é o verdadeiro termômetro de seu trabalho. Hoje em dia, tá muito mais fácil dizer que você é um DJ, até mesmo pelas facilidades que a tecnologia nos apresenta. Porém, temos de lembrar que turntablism (que é o termo certo para o trabalho de um DJ de performance como já tentaram denominar), é uma cultura “contemporânea” e digna de estudos e de reconhecimento geral e, por esses motivos, deve ser vista como tal! E não como apenas mais um produto qualquer, que se possa vender pra atrair o público que for… Acho um terrível desrespeito, vender algo que não se respeita e que poucos entendem! Como o próprio Helião do RZO disse: “A arte dos toca-discos, exige respeito.”
BF: Como você referiu, hoje em dia temos muitos “pseudo-DJs” no ramo. Muitos deles não sabem sequer um pouco da história da cultura e de seus valores e passam o tempo todo reproduzindo hits populares nas pistas, sem atualizar-se, e o que é pior, sem atualizar o público ouvinte. Muitos dizem que são os MCs os culpados por essa geração que escuta o “rap pasteurizado”, mas e a parcela de culpa desses “pseudo-DJs”?
OJ: Com certeza, se é pra culparmos alguém, em relação à toda essa “falha na evolução”, teremos de rever toda a história da cultura hip hop,desde que aqui chegou. Afinal,isso atingiu e atinge boa parte dos 4 elementos. Todos saímos prejudicados com isso… Todos nós, temos nossa parcela de culpa! Os militantes omissos, àqueles que falaram demais e quase nada fizeram, os que só reclamam das festas e nunca apontam soluções pra ajudar, os DJs, as Emissoras de rádios… Enfim, todos contribuíram com esse tipo de mercado injusto, deveras manipulado e nem sempre lucrativo.
BF: Only Jay, você passou uma boa fase trabalhando junto com o coletivo Adversus e o rapper Nitro Di. Conte-nos como foi essa experiência e quais os projetos que atuou.
OJ: Foram oito anos de muito empenho e muita estrada. Foi uma fase bem decisiva em minha vida profissional, pois tive várias oportunidades de mostrar pra muita gente que nem conhecia o trabalho de um Turntablist com um grupo de rap, ou, apenas com um MC. Trabalhei desde a ideia de ter o site, até seu resultado final, bem como na questão do selo, até os dias de hoje. Tivemos muitas alegrias e conquistas neste meio tempo… Gravamos o disco solo de Nitro Di, como uma espécie de “cobaia” do selo Adversus Discos. E não é que deu certo? Desde então, vários outros grupos procuraram ainda mais o selo, por oferecermos além de qualidade nas produções, uma grande eficácia nas divulgações dos trabalhos. Os mesmos grupos acabaram vendo, além de um selo independente. Viram ali um espaço inovador, com o qual poderiam contar.
https://www.youtube.com/watch?v=dtTFdEP8x4A
BF: Você também atuou e atua em projetos paralelos, com outros artistas e DJs. Conte-nos um pouco sobre esses trabalhos, o que já foi feito e o que vem por aí.
OJ: Já trabalhei e trabalho com muita gente. Em projetos que vão desde participações em discos dos mais variados segmentos da música, tais como: reggae, rock’n’roll, samba-rock, além do próprio rap, até produções minhas, feitas pelo meu selo, o Jays-On Rekordz. Onde, além de minhas Mixtapes, tento produzir alguns beats de modo caseiro mesmo. Fora isso, tem os projetos da nossa Crew de Turntablists, a O.G.D.S. DJs Band (Orquestra Gaúcha De Scratches). A O.G.D.S., é uma iniciativa de três Turntablists de Porto Alegre, que resolveram se reunir no intuito de gravar um disco de Turntablism à alguns anos atrás. E desse projeto, surgiu a ideia dessa crew, que atua até hoje em projetos que envolvem o Turntablism de uma forma geral. Essa crew é formada por: DJ Anderson (Ultramen, Manos Do Rap e TR.O.PA), DJ Madruga (TR.O.PA, Família Seguidores), DJ Only Jay e alguns convidados, até mesmo da cena mundial, como é o caso da faixa “Two Brothers On Cutz”, onde divido este track com o melhor Turntablist da atualidade na França, o DJ Zajazza
Tentar vender uma cultura que nos foi dada de graça?! Essa foi a pergunta que mais me fiz, durante anos… Porém, quem sou eu pra mudar isso à essa altura do campeonato, sendo que o que paga minhas contas, alimenta e veste minha família vem da cultura que tanto defendo? Isso é uma coisa que deixa qualquer um pirado! Mas, ainda acredito na vitória da pureza de tudo isso
BF: Como você vê a cultura Hip-Hop no Brasil? Que perspectivas você imagina para nossa arte?
OJ: Caramba… Creio que tem muita coisa ainda à ser explorada e respeitada em matéria de cultura hip hop aqui no Brasil, porque aqui ainda tem gente que desconhece e outras que têm uma visão totalmente deturpada da nossa cultura. É foda isso! Não posso dizer que ninguém fez nada de certo ou de errado, mas tem muita coisa que nunca vou concordar! Tentar vender uma cultura que nos foi dada de graça?! Essa foi a pergunta que mais me fiz, durante anos… Porém, quem sou eu pra mudar isso à essa altura do campeonato, sendo que o que paga minhas contas, alimenta e veste minha família vem da cultura que tanto defendo? Isso é uma coisa que deixa qualquer um pirado! Mas, ainda acredito na vitória da pureza de tudo isso.
BF: Only Jay, espaço aberto pra mandar uma mensagem.
OJ: Creio que seja direcionada a todos aqueles que respeitam nossa cultura, aos amantes da arte do Turntablism e simpatizantes da minha causa, que é a busca do reconhecimento dos toca-discos, como um verdadeiro instrumento musical. Algo que já é um fato nos Estados Unidos e em vários outros países do mundo, que respeitam o turntablist como um músico e não como “apenas mais um DJ”! Rezo muito pra que essa verdade chegue à tona no Brasil, porque por mais que achemos que evoluímos muito culturalmente, ainda temos muito o que fazer, aprender e respeitar. Principalmente quando se fala em “culturas adotadas”, saca? Mais respeito com aqueles que fazem sim, música! Não só aquele tal de “vuk-vuk” [barulho de scratch]. Deixo aqui meus agradecimentos a todos que tiveram e têm paciência pra me aturar,enquanto defendo essa bandeira de nosso tão amado e tão incompreendido hip hop! A Deus, minha família (fonte maior de minha base e inspiração), amigos leais, aos nem tanto, aos de sempre e às famílias: Adversus, O.G.D.S., Revolução RS, Sítio, C.P. (Canela), aos irmãos do clã Higashi (grato por tudo!), a todos os meus amigos neste mundão, no Brasil, na França, nos Estados unidos, aos que ainda vou conhecer, aos que me detestam (até mesmo sem me conhecer direito). Parte de minha força e perseverança vem de vocês também… Obrigado! Aos que já nos deixaram, mas muito nos fizeram “balançar a cabeça no refrão”, como disse o Slim, os meu mais sinceros sentimentos. Era isso… Peace, unity, love and havin’fun! Don’t stop Scratchin’!!! Paz.
*Entrevista originalmente publicada no dia 7 de janeiro de 2009.
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