Lucas Boombeat: “Sou essa mistura de bicha com maloqueira “
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#Rap #OrgulhoLGBT | Rapper, cantor, compositor e hoje integrante do grupo Quebrada Queer, o Lucas Boombeat tem muita ideia para trocar. Nascido em Bauru (interior de São Paulo) e hoje vivendo na capital, em sua página no Facebook (acesse AQUI) já manda a real: “Negro, pobre, gay e periférico – longe dos padrões e seus critérios“.
Em entrevista exclusiva conversamos desde sua caminhada no rap até suas perspectivas a respeito de ser negro e LGBT e estar inserido hoje no Hip Hop [além de spoilers sobre a segunda parte da cypher que será lançada em breve!]. Meu destaque pessoal para a entrevista é quando falamos sobre resiliência, ou seja, a capacidade de sobreviver às adversidades do dia-a-dia especialmente quando se sofre uma (ou algumas) opressão(ões) na medida em que nós, militantes, usualmente apontamos problemas sociais e nos posicionamos sobre eles – mas raramente temos a oportunidade de trocar falas e experiências em como lidar com tudo isso. Confira:
Bocada Forte: Lucas antes de tudo, gostaria de te perguntar: como foi sua trajetória no rap até o atual momento? Aliás, poderia comentar também a criação do seu vulgo?
Lucas Boombeat: Minha trajetória no rap começou ano passado, em Junho, quando subi no palco pela primeira vez. Alguns meses antes eu já vivenciava o rap, desde o final de 2016, o que eu não havia feito antes. Antes o rap era uma referência da minha música, mas após conhecer o hip hop mais a fundo ele se tornou a base do meu trabalho quando eu vi que ali cabia tudo que eu queria falar: minha alma gritava quando eu escutava um rap.
Fui escrever meu primeiro som, que ficou legalzinho, e depois já escrevi “Guerreiros e Guerreiras”. Sempre foi uma coisa que fluiu. Acho que eu me apropriei bem daquilo que vivi no rap. Em Julho do ano passado eu subi no palco pela primeira vez com a Bivolt – ela me convidou para fazer as dobras dela e cantar a “Guerreiros e Guerreiras”. Aos poucos fui me apresentando mais vezes ao lado dela, fazendo as dobras e os back vocals, e cantando meu som. Fui lançando alguns vídeos na internet, as pessoas foram vendo, foram chegando as outras bichas do rap, mais ligadas à cultura LGBT do que propriamente inseridas no hype do rap (mais ocupado por homens e mulheres hétero). Logo depois me apresentei na Casa da Luz com a Monna Brutal e logo o Murillo [Zyess] me chamou para gravar a cypher. Assim conheci todas as manas e fundamos o Quebrada Queer. O convite da cypher aconteceu em Janeiro desse ano. Fomos escrevendo e gravando em um processo de 5 meses.
O nome “Boombeat” veio de uma festa aqui no centro de São Paulo chamada Boombeat. A Bivolt estava divulgando essa festa e, em um vídeo, ela aparecia na frente dizendo “HOJE VAI TER…” e eu aparecia me agachando no fundo dizendo “BOOM BEAT”. Nisso um amigo nosso começou a me chamar de Boombeat por conta desse vídeo. Depois pensei em me apropriar do apelido.
2) A cypher Quebrada Queer agora está quase 1 milhão de views no YouTube, vocês apresentaram elas na metade do mês lá no Largo do Arouche (que é um pico importantíssimo para nós LGBT’S aqui em São Paulo) é cada vez mais surgem react/análises desse trampo. E eu sinto que a cypher de vocês aos poucos está extrapolando as barreiras do rap e alcançando um público bem mais amplo. Como tem sido essa experiência para você?
Lucas: A experiência depois desse som tá sendo muito loca por abranger muitas coisas que não esperávamos alcançar. Eu sempre acreditei muito nesse trabalho, que daria uma repercussão, mas: dormir e acordar já em primeiro lugar nas 50 Virais do Spotify Brasil durante 4 dias seguidos; ver várias react/análise até de crianças e que estou chegando numa molecada que eu jamais pensei alcançar; as oportunidades que a gente teve depois disso – foram repercussões grandes para além do meio LGBT e do rap. Nós ultrapassamos barreiras com esse som. Tem gente mandando vídeo para a gente do som tocando em Belém do Pará e no Brasil inteiro na real. É muito louco isso. E a parte mais legal disso tudo é ver nosso som tocando a vida de várias pessoas. Muita gente vem nos contar sobre pais e mães, famílias e amigos que se libertaram através desse som. São coisas que estávamos dizendo a vida toda, mas a música tem esse poder de descontrução.
3) Sobre seu último single solo, “Guerreiros e Guerreiras” você cita uma série de opressões que nós LGBT’s somos obrigados a viver diariamente e diz que nós vamos resistir. Ao mesmo tempo, isso vem de encontro a um certo cansaço que nós militantes sentimos de uns tempos para cá tendo de enfrentar na sociedade, no Hip Hop e até mesmo no movimento LGBTI+ de uma maneira geral. De onde vem a força e a inspiração da sua militância e da sua composição?
Lucas: A força e inspiração da minha música vêm da minha necessidade de estar vivo. A minha alma grita para eu cantar e botar isso pra fora. Demorei muitos anos da minha vida por medos e inseguranças, pelo dia-a-dia e por cobranças da vida. Mas chegou um ponto em que eu tinha que viver isso – e o rap me veio assim. O rap me mostrou uma forma de fazer música com muito mais diálogo, podendo explorar muito mais o que eu sinto e o que quero falar. A inspiração vem na minha vida. Eu sempre procuro ser muito verdadeiro até porque a música traz uma grande responsabilidade. Então minha inspiração vem da minha vida e das minhas dores. Eu sinto que antes de querer cantar qualquer coisa nesse mundo, eu preciso soltar minhas dores pra fora, para poder me lavar. É uma forma da música cruzar minha vida antes de cruzar a das outras pessoas. E esse processo também vai além de nós. Quando lançamos uma música ela não é mais nossa, é de todo mundo e de pessoas que compartilham dessas vivências. E como ainda são assuntos que me machucam, a composição se torna um processo bem natural.
4) Uma das coisas com as quais eu particularmente me identifico com o seu som é a sua linguagem, que é uma mistura de gíria LGBT e Pajubá com gírias da quebrada e do hip Hop de um maneira geral. Parece que é uma realidade que só nós, LGBTs do rap e/ou periféricos vivemos. Como é isso para você? Qual leitura você faz disso?
Lucas: É que eu converso com muita gente. Desde pequeno sou muito rua. Apesar de ter uma parte minha muito caseira que gosta da solidão, sempre fui muito de conhecer pessoas e me virar por aí. Então acabo trazendo um pouco disso tudo: de vivências com amigos héteros com quem convivo e com quem cresci da periferia, até as bichas do rolê, até o pessoal do Candomblé. Então por isso essa linguagem misturada: é uma mistura de tudo que eu vivo e absorvi. E como tenho a lua em Câncer, sou uma esponja e sugo a energia dos lugares. É uma mistura de todos os lugares que eu vivo, que habito, com quem converso. E eu acho massa ser assim não só por ser a minha verdade, mas é legal também como maneira de atingir várias pessoas que possam se identificar ali, além de ser uma maneira de trocar linguagem entre as bichas e a periferia. Sou essa mistura de bicha com maloqueira (risos).
5) Em muitos versos você ataca MCs homofóbicos e transfóbicos. Para você, hoje, quais são as maiores dificuldades vividas pelas LGBTs no rap?
Lucas: Nossa dificuldade é a falta de oportunidade de cantar nos lugares. A gente teve que criar nosso próprio movimento dentro do rap para poder sobreviver – nós ainda não estamos inclusos. Não que o rap seja um problema, porque para mim o rap é um reflexo do que acontece na sociedade. O problema está na sociedade. Mas nossa maior dificuldade é a falta de oportunidade mesmo: são poucas manas que puderam se inserir na cena, como eu através da Bivolt. Tem muita mana com trampo lançado, mas os contratantes não chamam. Então acabamos cantando apenas em espaços LGBT, sendo que nossa realidade pode e deve ser cantada em todos os lugares onde o rap acontece. Acho importante rolar essa mistura, para que possa refletir de volta na própria sociedade. A arte tem essa responsabilidade de transformação com a sociedade.
Olhe para dentro, vá lá bem fundo e jogue luz, se perdoe. Não se martirize, não se coloque para baixo nas situações. Nunca veja o problema maior do que você.
6) Agora em junho, comemoramos o mês do Orgulho LGBTI+, uma época importante na nossa militância. Para você, enquanto LGBT negro, quais devem ser as principais pautas que devemos priorizar na militância?
Lucas: Para mim a falta de educação em nosso país, em todos os aspectos, sempre será causadora disso tudo: a escola, a educação religiosa, a educação política e até mesmo a televisão. O racismo em si é complicado porque é estrutural já: não precisa ser ensinado, você já tem tendência a ser preconceituoso apenas por frequentar os espaços onde você anda, já olhando os lugares onde os negros estão. Isso já gera padrões de existência no subconsciente das pessoas. Então é uma luta diária que nós temos e eu prego muito o ato de cada um ir fazendo seu espaço. Eu tento seguir a vida de forma leve na minha arte, com as pessoas a minha volta para não viver apenas disso. Porque além disso sou bicha e minhas condições financeiras não são as melhores – então é muita coisa para conseguir definir as “principais pautas”. Para mim seria a educação mesmo – é algo que sempre devemos colocar em primeiro lugar e que devemos refletir sobre como agir, seja como bicha ou como preto, de quais formas podemos abrir esse diálogo. Eu acredito muito que as pessoas não são a causa do problema e sim o sintoma – o problema está no sistema onde vivemos que é racista, patriarcal, racista e gordofóbico. Mas como digo em um som meu: “nós não somos a causa, somos o sintoma mas podemos ser a solução”.
7) No Stories do Instagram do Guigo e do Murillo vimos algumas menções a um possível “Quebrada Queer 2”. Poderia nos dar alguns spoilers ?
Lucas: Sim, virá um Quebrada 2 . Não posso dizer muita coisa, mas será bem bapho! O que posso contar é que se o primeiro chocou, esse irá chocar mais ainda! E também posso adiantar que ele também virá com clipe.
8) Quais mensagens você gostaria de deixar para seu público e pessoas que estão ouvindo seus trampos?
Lucas: Pode parecer clichê, gente, mas acredite. Mesmo quando nada na sua frente tiver te dizendo para acreditar, mesmo quando nada a sua volta te dê esperança. A maior motivação é você mesmo e a sua história. Olhe para dentro, vá lá bem fundo e jogue luz, se perdoe. Não se martirize, não se coloque para baixo nas situações. Nunca veja o problema maior do que você. Você nunca é menor que um problema. A gente pode conseguir independentemente se a sociedade diga que a gente não pode. Essa perspectiva mudou a minha vida. Só eu sei o que eu já passei até chegar aqui. E é muito mais na base do acreditar do que ter, saber ou fazer. É isso o que eu digo para as pessoas: acredite em você e lembre-se de independente do preconceito que você sofra, nunca coloque o problema em você, nunca deixei isso te fazer menor .
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