‘Eu tento ser mais ou menos uma Caros Amigos do Rap’, disse BNegão em 2005
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De palestras no passado ao show interrompido nesta semana, postura política de BNegão vem de longe
Dos dias 17 a 23 de setembro [de 2015], ocorreu em Belo Horizonte o projeto “Fica Vivo na cidade”, que através de passeatas, debates, oficinas e apresentações pôde apresentar às pessoas a realidade das áreas atendidas pelo “Fica Vivo”. O projeto envolve a sociedade civil e o Poder Público na prevenção e na repressão aos crimes, principalmente nos aglomerados mais violentos da cidade. Oferecendo aos jovens oficinas de grafite, música dança, entre outros, a iniciativa é adotada como política de segurança pública do governo de Minas. O “Fica Vivo na cidade” promoveu uma oficina de poesia no dia 22 de setembro.
Como oficineiro convidado*, BNegão (compositor e rapper, ex-Planet Hemp) contou um pouco sobre a história do Rap, deu dicas sobre como colocar as idéias no papel e buscar modos diferentes para tratar assuntos cotidianos. Além da proposta da oficina, BNegão discutiu sobre política, violência, cultura, entre outros assuntos, mostrando que muito além de músico, ele é um brasileiro informado, articulado, com muita humildade e que não tem preconceitos no que diz respeito à arte.
[Abaixo você confere uma entrevista com o artista, realizada pelo Bocada Forte e também se informa sobre o episódio ocorrido na cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul, quando o show do rapper foi interrompido pela Polícia Militar]
Bocada Forte: Estamos numa oficina de poesia. Quais as necessidades dos
jovens, observadas em oficinas como esta?
BNegão: Na verdade, foi a minha primeira oficina desse tipo. Ela acabou virando um misto de palestra e bate-papo. Eu falei sobre alguns dos mecanismos que eu uso pra escrever, de como estar bem informado é fundamental, como o arquivo escrito de idéias é fundamental também e sobre a importância de tentar achar um modo, o mais original possível, de abordar um assunto pro texto ou a letra ficar interessante pra quem estiver lendo/escutando. Teve um moleque de 12 anos ,que tava na pilha de ir logo pra prática da coisa. Primeiro ele escreveu uma poesia que ele tinha lido, depois eu pedi pra ele inventar algo ali na hora e escrever. Ele escreveu quatro frases, rimando a primeira e a última. Mudamos a segunda frase com a primeira e tava ali formada a primeira letra do moleque. Ele ficou felizão e isso para mim já valeu a parada.
O que mais me identifico, é o Rap político, mais pesado. Minha maior influência (e de vários rappers da segunda geração do Rap nacional) é o Public Enemy, com quem tive oportunidade de cantar duas vezes
BF: Pensando em soluções, na sua opinião, como seu Rap se relaciona com a política?
BNegão: Existem vários tipos de Rap: o Rap mais festeiro, o sobre o dia-a-dia, o gangsta, etc. O que mais me identifico, é o Rap político, mais pesado. Minha maior influência (e de vários rappers da segunda geração do Rap nacional) é o Public Enemy, com quem tive oportunidade de cantar duas vezes. Eu tento ser mais ou menos uma “Caros Amigos” do Rap. Procuro falar mais das causas do que dos efeitos, procurando a base, o início dos problemas, como todos vão se relacionando. Pra mim, o “anti-ego” é a solução. Ver o todo pensar mais no sentido de “nós” do que do “eu”. O Ego é o grande problema do mundo. Mesmo no meio do Hip-Hop, vemos o egocentrismo tomando conta, principalmente do Rap mainstream gringo. As pessoas falam que fazem e acontecem, “eu isso”, “eu aquilo”. Pra mim, esse tipo de atitude dificulta e distancia as soluções para os problemas coletivos.
BF: O que a política Pública, hoje, pode fazer pelo Hip-Hop?
BNegão: Não só pelo Hip-Hop, a política poderia fazer pelo povo e conseqüentemente pelo Hip-Hop. Mas nêgo tem capacidade de fazer e não faz, porque não dá voto, etc… Existe também aqueles que querem fazer e não têm condições. É muito mais complicado do que parece, uma vez que o Brasil é endividado e todo nosso dinheiro, que poderia estar sendo empregado na melhora do país, serve para pagar a dívida externa. O pior é que a maioria do capital vai para o pagamento de juros, sendo que a cobrança de juros, desde seu aparecimento, é uma prática totalmente abusiva, tornando as dívidas exorbitantes e praticamente impossíveis de serem pagas. A divida externa é impagável! As pessoas se rendem ao capitalismo, passam a viver em função de dinheiro. Daí, mais uma vez o egocentrismo toma conta… Enquanto a política não mudar a direção, não haverá uma mudança mais profunda na situação.
BF: Projetos como esse “Fica Vivo” tem tido resultados satisfatórios e reduzido a criminalidade. De que forma o Hip-Hop age contra a violência?
BNegão: Ele é uma ferramenta para trocar idéias. Você vê que não está sozinho no mundo, que muitos pensam como você. O Hip-Hop serve também como válvula de escape, assim como qualquer outra atividade positiva você coloca uma energia que você tem ali, acumulada, que poderia ser usada de modo destrutivo (ou auto-destrutivo) e usa ela para algo positivo, construtivo. Digo isso sobre todos os elementos da cultura. Uma coisa que faz o Rap, em especial, ser popular, é que ele é relativamente simples de ser feito, é uma voz e uma batida, basicamente. Pra galera que têm urgência em botar pra fora sua indignação, suas idéias e suas opiniões, a produção da coisa consegue acompanhar esse ritmo.
*A oficina de BNegão aconteceu no dia 22 de setembro de 2005. A imagem destaque foi feita com montagem da charge de Gilmar (@cartunista_das_cavernas) e foto de Duane Carvalho (@duanecarvalho)
2019: Show e repressão em Mato Grosso do Sul
Na madrugada de sábado para domingo (28 de julho de 2019), BNegão realizou uma apresentação no 20º Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Todo o evento foi marcado por manifestação fortes e contrárias ao presidente Jair Bolsonaro. Há um vídeo na Internet, inclusive, que mostra a cantora Gal Costa, que também participou do evento, dançando ao som de gritos de ordem e xingamentos a Bolsonaro (veja abaixo).
Pois o que ocorreu foi que o show de BNegão acabou por ser interrompido pela Polícia Militar de forma truculenta, de acordo com o artista, que também afirmou que nem na época do Planet Hemp presenciou a interrupção de um show dessa forma: “Já passei por várias situações ao longo do tempo, mas os caras terem o poder de parar foi um absurdo.”
A revista Carta Capital conversou com o rapper. Reproduzimos um trecho abaixo:
Carta Capital: No último sábado você e sua banda tiveram o show no Festival de Inverno de Bonito interrompido pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul. Você pode contar melhor como foi o episódio? A polícia te abordou?
BNegão: Então, eles não entraram em contato diretamente com a gente. Foi uma perseguição anterior. Na passagem de som, esse cara da produção foi lá, e ele tinha apanhado da polícia militar, apanhou a noite inteira e foi demonstrar pra mim o linchamento. Ele tava todo inchado na passagem de som, revoltado. Estava rezando pela vida mas ao mesmo tempo querendo se expressar, querendo contar o que aconteceu. E muita gente veio dizer o que rolou, que lincharam outra menina da organização, e que a PM falou que a mina agrediu 5 policiais. Não tem como. E daí o cara contou essa história. E no meio do show eu também contei essa história. Eu cheguei e falei é o seguinte, aconteceu isso com os caras da produção e tal, acusei a polícia. Aí deu duas músicas, os caras [policiais] vieram pra acabar com o show. E eu já tinha falado também sobre Bolsonaro, sobre Sérgio Moro, sobre o que aconteceu na tribo no Pará e tantas outras coisas que eu tinha pra falar. Aí falaram pra acabar. Deu tempo de tocar mais duas músicas, eu toquei. Deu tempo também de xingar o Bolsonaro mais umas dez vezes e fui embora. Mas foi nesse esquema, na hora que a gente desceu pra tocar uma música instrumental, foi a hora que chegou o cara da organização, tremendo e apavorado falando que a secretaria [de cultura de Bonito] tinha ido em cima dele junto com a polícia falando que tinha que encerrar o show.
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