Entrevista: ‘Público consumidor de rap no Brasil é um dos mais alienados da história’, Jef Rodriguez
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A banda baiana OQUADRO é um grande exemplo da originalidade e sucesso internacional do rap brasileiro. Recentemente, o grupo – formado por Jef Rodriguez (voz), Nêgo Freeza (voz), Rans Spectro (voz), Ricô (voz/baixo), Rodrigo DaLua (Guitarra e Synth), Vic Santana (bateria), DJ Mangaio (programações) e Jahgga (percussão) – lançou o álbum “Nêgo Roque”.
Em sua página oficial do Facebook, a banda se define: “Preta música em constante experimento definem OQuadro. Banda formada em meados de 1996. Trazendo o rap em sua essência e sem limitações, OQuadro verbaliza rimas cadenciadas e executadas harmonicamente com instrumentos digitais e artesanais. Diretamente dos solos sul baianos, o grupo é a voz que desconhece fronteiras. Como os mesmos enfatizam em uma de suas composições: ‘Bem ditos sejam os que evoluem'”.
Aproveitando mais uma ótima fase do grupo, James Lino – MC do grupo paulistano Potencial 3 e colaborador do portal Bocada Forte, trocou uma ideia com Jef, um dos vocalistas. Confira!
BF: OQuadro é legitimamente uma banda de rap desde a sua fundação. Existem críticas por serem uma banda ou existe uma aceitação natural?
Jef: OQuadro não nasceu como banda por uma opção conceitual. Quando começamos não tínhamos acesso aos equipamentos comumente usados pela cultura hip hop, fomos nos adaptando aos recursos possíveis, ou seja, baixo, bateria, guitarra, percussão. Isso acabou gerando essa sonoridade que foi chamando a atenção das pessoas e dando ao grupo essa projeção. Ao mesmo tempo, tivemos dificuldade para tocar em eventos exclusivamente de rap justamente por conta desse formato. Dividíamos palco com bandas de rock, reggae, etc. Hoje em dia boa parte dos rappers estão buscando o formato banda para as suas apresentações, nesse sentido podemos dizer que OQuadro é vanguarda.
BF: OQuadro tem estendido seus tentáculos para além da Bahia. Nos fale sobre esses lugares por onde vocês têm passado com turnês pelo Brasil e Europa.
Jef: Quando lançamos nosso primeiro álbum, em 2012, fomos convidados para nossa primeira turnê europeia e acabamos indo duas vezes nesse mesmo ano. Tocamos em festivais importantes como o Bestival e The Great Scape (Inglaterra), Number 6 (País de Gales) e em algumas outras cidades do Reino Unido. Em 2015 fizemos Alemanha e Dinamarca e tocamos num festival muito importante chamado Roskilde. Três turnês na Europa nos deu a oportunidade tocar em festivais com artistas como Kendrick Lamar, Tricky, The Roots, Max Romeu, James Blake, Snoop Doggy, Wu Tang Clan, entre outros, além de ver a reação das pessoas diante da nossa forma de fazer rap e de uma outra música brasileira. Nesse tempo percebemos que tocamos mais na Europa que em São Paulo, por exemplo, e que precisamos explorar ainda mais o território nacional. Espero que esse novo álbum nos proporcione isso.
BF: No final do ano de 2017 vocês lançaram o segundo álbum oficial, chamado “Nêgo Roque” que, de última hora, acabou entrando em algumas listas dos melhores álbuns lançados no ano. Nos fale sobre esse álbum, desde o conceito às pessoas envolvidas.
Jef: “Nêgo Roque” é um álbum de atitude rock. Muito mais pela transgressão que pela distorção, tanto na forma de fazer a música quanto no que está sendo dito. O discurso está mais direto, colocando em pauta assuntos necessários para o momento histórico que estamos vivendo. Houve uma época em que o rock cumpriu esse papel, mas com o passar do tempo a estética das sonoridades ganharam mais atenção que o espírito questionador que colocava os valores sociais em cheque. Isso também acontece com o rap, e com outros estilos. É preciso reconhecer que a indústria cultural cumpre um papel fundamental na forma como somos educados a consumir arte. Nesse álbum tivemos parcerias luxuosas como Emicida, B.Negão, Raoni Knalha (Attooxxa), Indiee Styla, André T, Márcio MFR na arte da capa, entre outros. Ficamos felizes com o resultado e agora estamos trabalhando para chegar a mais pessoas.
BF: Dá para perceber que tem um trabalho muito profundo aí de pesquisa de ritmos, tanto os tradicionais de raiz, quanto os mais modernos. Imagino que isso seja um trabalho diário para os membros d’OQuadro. Como é organizar essa pesquisa toda na hora de compor e gravar? A letra vem primeiro? Ou a batida?
Jef: É uma pesquisa espontânea. Escutar músicas todos os dias nos faz perceber que as células rítmicas conversam e se conectam. Seja entre o Trap e o Punk Rock, entre o Dance Hall e o samba do recôncavo, entre o Zouk e o Samba Reggae, enfim, somos apenas ponte para essas conexões. No geral, uma ideia estimula outra e vira uma reação em cadeia. Nesse álbum tivemos letras que nasceram no estúdio, músicas que nunca foram ensaiadas antes, resultado de experimentações. O entrosamento e a confiança no outro talvez sejam a base para essa fluidez.
O atual público consumidor de rap no Brasil é um dos mais alienados da história. Eles continuam se informando pelos mesmos canais que ditam um modelo de música e de artistas que devem ser consumidos, gerando um recorte na história recente do rap brasileiro (…)
BF: Em 2016 a música “Sulicídio” fez um grande barulho e chamou a atenção para o nordeste. Vocês perceberam alguma mudança no cenário nacional de lá para cá? Se sentiram beneficiados com alguma possível abertura para outras regiões do Brasil?
Jef: Lembro de ouvir a música e do quanto ela me chamou a atenção. Os caras acharam um jeito de dizer coisas que precisavam ser ditas. De imediato, me senti representado. Mas com o passar do tempo é perceptível que as mudanças foram mínimas. O atual público consumidor de rap no Brasil é um dos mais alienados da história. Eles continuam se informando pelos mesmos canais que ditam um modelo de música e de artistas que devem ser consumidos, gerando um recorte na história recente do rap brasileiro parecido com o recorte científico das academias em relação a história do conhecimento ocidental. Os holofotes do rap continuam sudestinos assim como os holofotes do conhecimento acadêmico continuam eurocentristas. Somado a isso, percebemos claramente uma preguiça no jornalismo cultural brasileiro que faz vista grossa para as manifestações que acontecem para além das capitais e ainda cometem o crime de fazer comparações com os expoentes que eles mesmos elegem. Conheço poucos jornalistas que realmente conhecem da cultura hip-hop e que mereça o meu respeito e atenção. Estamos em 2018 e o termo ‘rap nacional’ continua fake, confirmando o quanto o Brasil ainda não se conhece.
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Ouça o álbum “Nêgo Roque” em outras mídias:
Spotify: http://spoti.fi/2hXphuv
Deezer: http://bit.ly/2zoNrrX
Apple Music: http://apple.co/2AoxdMn
Google Play: http://bit.ly/2zpZ41C
*James Nogueira a.k.a James Lino
é paulistano, filho do hip hop desde 1987.
MC desde 1990, quando começou a rabiscar
suas primeiras letras, é membro do grupo
Potencial 3 desde 1997.
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