Entrevista com Edu Lopes do grupo A Filial
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A Filial embala-se entre a musicalidade brasileira, que vai do Baião ao Maracatu, passando pelo Rap, eletrônico, jazz e funk há mais de 10 anos. Formado pelos músicos Edu Lopes, Ben Lamar, Castro, Flávio 52 e Rodrigo Pacato, o grupo têm três discos lançados: o EP “A Filial” (2001), “Quem Menos Tem É Quem Mais Oferece” (2006) e “$1,99” (2008). Idealizado pelo “MC faz-tudo” Edu, nome conhecido da cena Hip-Hop carioca, A Filial, é reconhecidamente um grupo de sonoridade diferenciada. Nada soa como comum. A cada timbre, a cada “curva sonora”, a banda traz suingue, movimento e rimas que surpreendem. O disco “$1,99”, nome inspirado nas lojas de 1,99 e feiras populares, recém lançado, é o maior exemplo disso. Criatividade é a palavra que melhor define o grupo. Por momentos você nem parece estar escutando um disco de Rap, tamanha são as diferentes influências e estilos.
A seguir, segue um “bate-bola” de Edu Lopes com o Bocada Forte, contando um pouco da história, cenário nacional e projetos. Boa leitura.
Bocada Forte: Edu, conta pros leitores, em breves palavras, um pouco da história da banda A Filial.
Edu: Em 1996 nasceu um projeto que seria o embrião do que é A Filial hoje, chamava-se Manifesto. Esse laboratório formado por bateria, baixo, guitarra, teclados e MC chegou ao fim em 99 por algumas divergências na metodologia de condução dos trabalhos. Exaurido pelas constantes que perseguem a todos que conduzem um trabalho em grupo, resolvi dar continuidade a minha caminhada sem os instrumentistas. No início do ano seguinte, mas precisamente no carnaval, me juntei a dois amigos, Nhogi e Breno Ung, e com um vídeo game Play Station, um som 3 em 1 karaokê, um microfone de plástico de R$ 10,00, uma TV 20 polegadas e uma fita cassete reutilizada gravamos a primeira fita d´A Filial. Essa fita foi apelidada por onde circulou de “PlayStation Experience”. Pilhadão por conta do resultado dessa primeira gravação despretensiosa, me encontrei querendo voltar a trabalhar com os instrumentistas. Porém, como o “trauma” causado pelas mazelas do trabalho em conjunto ainda era recente, me vi obrigado a buscar um outro método de trabalho, algum esquema que não impusesse prioridades e responsabilidades a ninguém se não a mim mesmo. Ainda sem saber ao certo como faria isso, meu vizinho e amigo de sessões de skate de algum tempo, Jera Calderon, começava a trabalhar como técnico de áudio e comprava seu primeiro computador. Conversando com ele em sua casa, pela primeira vez entendi como poderíamos por em prática aquele método que buscava. A ideia era montarmos um pequeno esquema de gravação caseiro no quarto da sua casa para registrarmos nossas ideias, e A Filial seria a primeira delas. Assim gravamos o nosso primeiro EP.
BF: O grupo A Filial vem com uma proposta diferenciada, musicalmente e também liricamente falando. No disco “$ 1,99” nota-se um claro elo com o Rap Old School e a música brasileira. Fale-nos um pouco sobre o conceito desse trabalho, quem participa nas faixas e nas produções, etc…
Edu: A produção do disco é minha, assim como nos discos anteriores. É uma linguagem bem particular que venho tentando entender e desenvolver desde a época do Manifesto. A formação do grupo como vinha se apresentando ao vivo no período em que ocorreram as gravações foi a que prevaleceu na feitura do disco. Éramos cinco coringas, cinco músicos que não jogavam fixo em nenhuma posição. Eu rimando, cantando, programando e tocando teclados em alguns sons, o Castro fazendo scratchs e tocando teclados em outros, Pacato tocando percussão, violão e cantando, Ben Lamar tocando trompete, rimando, cantando e tocando teclados e Flávio 52 tocando sax, flauta, cavaquinho e cantando. Inúmeras configurações diferentes se formaram para cada arranjo de cada faixa do disco.
Assista o vídeo da música “A boa”
Esse trabalho foi feito sob encomenda para um selo de Nova Iorque chamado Verge Records. Por conta disso, quis ir mais a fundo na música regional brasileira do que nos outros discos anteriores. O ponto de partida de todas as composições foram ritmos brasileiros como maracatu, ciranda, baião, samba, marcha entre outros. Eu procurei gravar os ritmos e células na forma mais natural possível de suas origens, para depois aplicar arranjos mais modernos e ir subvertendo aos poucos, lapidando o que seria a nossa linguagem. É um conceito híbrido que faz uso de tudo que foi dito acima e da escola que tive no Rap. Uma escola muito influenciada pela fase de ouro que vai dos anos oitenta até a segunda metade dos anos noventa, onde o foco era menos estreito no aspecto da criatividade, do lirismo e da musicalidade. Uma época onde a forma como as coisas eram ditas era tão importante quanto o assunto em si. Uma época em que o aspecto da diversão e de um suposto descompromisso educavam mais do que discursos panfletários e “contundentes”.
BF: Justamente esse período, que compreende o final dos anos 80 e boa parte dos anos 90, é considerado por muitos como o auge da música Rap no mundo. Afinal, na sua perspectiva, o que se tinha de valor e o que se perdeu na música Rap até os dias de hoje? Aproveita a deixa e fala sobre as tuas influências e do grupo A Filial.
Edu: Na minha opinião, o que se tinha de valor era basicamente o que vinha descrevendo na resposta anterior. Acho que tudo era reflexo da maneira como as pessoas da cena encaravam o que faziam naquele momento. A postura que tinham dentro do que se propunham a fazer. Mas o que me é mais evidente, é a alegria com que faziam música. Você ouve os registros desse período e pode sentir claramente que as pessoas envolvidas naquele processo estavam se divertindo. Hoje em dia todos começam algo mirando em um determinado objetivo, querendo se “apoderar” de determinado nicho ou mercado. Querendo ser o mais sinistro, querendo fazer marcas de roupas e ter tudo o que o Jay-Z tem. Acho extremamente saudável que se tenha ambições, e isso até certo ponto é uma necessidade. Porém, se você não vive o momento, não desfruta do prazer de dar cada passo com calma, não deixa de olhar um pouco para o que você quer amanhã para prestar atenção no que está fazendo agora, você corre o risco de cair numa grande armadilha muito comum hoje em dia.
Assista A Filial ao vivo
http://www.youtube.com/watch?v=keavhS5bup8
Malandragem demais atrapalha. Parece que todos perderam um tipo de inocência, que na minha opinião é fundamental para se trabalhar com qualquer forma de arte. As pessoas estão se preocupando com tudo, menos com a música. Tudo se vende como “espetacular”, e nada se consome de realmente nutritivo. Da forma como estou dizendo, parece que hoje em dia não tem nada que preste. Não é bem por aí, tem bastante coisa boa acontecendo e acho que estamos começando a nos dar conta do valor que aquilo tudo tinha e querendo voltar a beber um pouco mais naquela fonte. Apesar do volume de referências nocivas e de gosto extremamente duvidoso que nos assola hoje em dia, tenho certeza que vamos virar essa página e começar a trilhar um outro rumo bem mais rico. A Tribe Called Quest, De La Soul, Beastie Boys, Run DMC, Public Enemy, Jungle Brothers e tantos outros, são bíblias que não deixarão que nos percamos nesse período de mudança.
BF: Você considera importante ou até mesmo fundamental essa mistura da música Rap com estilos bem brasileiros? Muitos dizem que a música Rap nunca conseguirá popularizar-se no Brasil, assim como o Samba, Sertanejo e outros estilos tradicionais. Como você encara isso? Até que ponto essa mistura influência?
Edu: O Rap já é popular no Brasil. O Rap só não movimenta uma fatia maior de mercado ainda, por conta da própria mentalidade do mundo do Rap. Tudo ainda é feito de uma forma muito amadora, não apenas nas produções como na conduta profissional de cada um. A maioria esmagadora não sabe como se relacionar, como se comunicar, não sabe mexer direito em ferramentas que poderíamos chamar de básicas para o desenvolvimento do trabalho. Não diferenciam coisas básicas como um beat maker de um produtor. Na real, não saber não é o problema, meu pai me dizia uma coisa que nunca esqueço, que serve como uma luva para o que estamos falando: “Pior que um cara que é malandro, é o cara que acha que é malandro”. Se não houvesse essa arrogância e todo esse desespero pela auto-afirmação que existe no mundo do Rap, tenho certeza que estaríamos décadas de evolução a frente do que estamos agora.
A questão da música brasileira é muito simples. A partir do momento em que se compreende que o Rap é apenas uma linguagem, uma linguagem que necessita de outros elementos além da rima, como ritmos, harmonias, melodias, ambiências, barulhos entre infinitas outras coisas, percebe-se que pode-se associar qualquer coisa a ela. A língua portuguesa é extremamente percussiva, palavras grandes com acentos e conjunções diferentes, um prato cheio para criar e exercitar diferentes divisões na maneira de rimar. Se dar conta disso tudo e se manter preso apenas ao que é feito nos EUA é um sacrilégio. Há países no mundo que não possuem um ritmo regional próprio, nenhum! O Brasil possui mais de trinta! Isso se formos contar apenas suas nomeclaturas de raiz, pois se formos nos estender as variações de cada um, chegaremos a centenas, talvez milhares. É como se estivéssemos sentados em cima de uma mala com bilhões de euros, passando fome e pedindo esmola.
Muitos ainda atribuem isso tudo a questão da exclusão social, que a maioria não tem acesso a informação. Não acho pertinente colocar as coisas dessa maneira, já que nas comunidades residem focos e mais focos de música de raiz como samba, jongo, baião e tantos outros. Acredito até que nessas comunidades se tenham acesso a um determinado tipo de informação que as chamadas classes mais favorecidas não tem. Hoje em dia as informações circulam, a internet tá aí. Na minha opinião o que é realmente determinante, é a humildade de se saber que estamos sempre aprendendo algo novo e a vontade de buscar mais conhecimento.
BF: Temos o equilíbrio como chave pra um bom trabalho? Muitos grupos começam bem, mas terminam por perder a essência. Outros de tão “amadores” não conseguem ter o mesmo espaço que outros… É essa relação e a linha tênue que separa o profissional do amador que faz a diferença?
Edu: Não diria que isso é determinante, afinal de contas vemos muitos que estão indo muito bem com seus trabalhos e ainda continuam agindo de forma amadora. Porém, ter conhecimento dentro da área em que se atua e agir de forma equilibrada são duas coisas que sempre ajudarão em qualquer profissão. Não existe receita de bolo, os fatores que levam um trabalho a frente são inúmeros e variam a cada momento de forma complexa. Além de talento, hoje em dia precisamos trabalhar muito mais do que era necessário a uns quinze anos atrás, já que os espaços se encontram cada vez mais reduzidos devido ao número enorme de “atrações espetaculares” que nos são oferecidos a todo momento. Creio que a fórmula mais eficaz seria acreditar no que faz, estudar muito e trabalhar incessantemente sem esperar nada em troca.
Muitos tem um pudor muito grande em tratar a música como um trabalho, parece que enxergam nela uma oportunidade de fazerem as coisas da maneira como acham mais conveniente, se pautando no fato de ser “artista” e aquela conversa toda que todo mundo já conhece. Esse conceito atual de “artista” tá meio coalhado na minha opinião. Em dias que se consideram “artistas” a galera que mostra a bunda pra viver, o pessoal que vai no big brother, que pensa que pra colocar no mercado qualquer forma de arte antes tem que ser modelo ou atender uma série de exigências ridículas que dizem respeito a qualquer papagaiada menos a arte em si, não me seduz muito. Prefiro me ver como um trabalhador braçal no que faço ao invés de artista. Tipo um operário padrão da música.
BF: Mesmo morando em São Paulo, como você vê a cena Rap no Rio de Janeiro atualmente?
Edu: Eu estou morando em São Paulo há um ano e meio. O pouco que acabo sabendo é por intermédio do DJ Tamenpi. Me parece que tá tudo muito devagar por lá, sem festas nem shows. Não lembro de ter visto ninguém lançando nada desde que sai de lá. Posso estar totalmente enganado e a cena estar fervendo por lá e eu não estar tomando conhecimento algum, mas a impressão que tenho tido é essa. O Rio é um lugar onde há inúmeros compositores de muito talento, MCs e instrumentistas cabulosos, mas, para por o trabalho na rua é preciso trabalho e oportunidades, e infelizmente lá não é o melhor lugar para isso.
BF: Fale-nos sobre os próximos passos do grupo. Quais os planos e trabalhos que ainda estão por vir?
Edu: Eu tenho vontade de gravar discos. É onde eu me sinto em casa, trabalhando no estúdio. Sei que botar a cara na rua é fundamental e me divirto muito fazendo shows e colocando em prática tudo que preciso para fazer o trabalho caminhar. Porém, não posso negar que cada dia que passa estou mais atrelado ao processo de composição, produção e ao estúdio. Não sou muito de planejar as coisas, vou trabalhando conforme os sinais vão me dando direção no dia a dia. Acabei de lançar um disco e já estou gravando outro. Tenho músicas e ideias para mais outros dois. Vamos caminhando de forma tranquila, no sapatinho, um showzinho aqui, um disquinho ali, procurando aproveitar da melhor forma possível as oportunidades que aparecem.
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