Educação | Conheça a luta por uma Universidade Pública no extremo sul de São Paulo
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No final de 2024 o Bocada Forte fez uma entrevista com Sheila Paulino, coordenadora geral do Movimento Universidade Pública Grajaú, Parelheiros e Cidade Dutra. Abaixo você confere todos os detalhes das articulações e também pode entender a importância dessa movimentação para os territórios periféricos.

Quais são os principais objetivos do movimento?
Sheila Paulino: Trazer aparelhos de ensino superior, educação e cultura públicos para a região de Capela do Socorro, Grajaú e Parelheiros. Temos os piores índices do município em várias áreas, como direitos humanos, saúde, esforço escolar (condições ruins de trabalho para professores), renda, trabalho formal, morte de jovens pela polícia, por exemplo. Pra você ter uma ideia, o distrito de Grajaú figura entre os 10 lugares da cidade que somam a maior pontuação entre os piores índices, segundo o Mapa da Desigualdade 2023. O que significa que as deficiências nas áreas sociais, econômicas e ambientais são tantas que coloca o Grajaú entre os 10 piores lugares para viver na cidade de São Paulo. Parelheiros, Marsilac e a região da Cidade Dutra não apresentam situação diferente. Parelheiros tem o maior número de gravidez na adolescência do Município (o pior índice), Marsilac é o distrito mais distante da região central (Sé), 71 minutos em média, o que legou para a sua população falta de acesso a serviços básicos, como ter uma delegacia da mulher próximo ou mesmo acesso à internet. Trazer aparelhos públicos que ofertem serviços e que sejam capazes de auxiliar na formulação de políticas públicas para a população local é fundamental para o desenvolvimento da região em todas as áreas. A Universidade pública e o Instituto Federal são capazes de fazer isso.
Além da construção de um instituto federal ou universidade, há outras demandas relacionadas à educação na região?
Sheila Paulino: Impacto e necessidade Sim, a demanda por educação e tudo que a acompanha: arte, lazer, produção científica, formação profissional em uma região que apresenta baixo IDH (índice de desenvolvimento humano) é uma demanda primordial. Temos uma população de quase 1milhão de pessoas, do fundão do Cocaia e de Parelheiros até a Ponte do Socorro – sem contar a região de M’ Boi Mirim hein?!- e não temos 1 teatro aberto ao grande público, 1 biblioteca aberta nos finais de semana com livre acesso da população, 1 cinema com programação ampla e que participe das grandes mostras de cinema que visitam São Paulo. Os CEUS fazem um bom trabalho, tem uma estrutura excelente, mas com uma população tão grande e tão carente de áreas de lazer, acabam não sendo suficientes. O SESC não traz o melhor de sua programação para cá, o melhor fica na Paulista, em Pinheiros e adjacências. Não há estrutura suficiente nos parques públicos, como biblioteca, museus e programação permanente de atividades culturais. Nos parques nas regiões centrais e em bairros da elite, como Ibirapuera, Vila Lobos e até o recente Parque Augusta têm, aqui o poder público nem fala! Nesse sentido, a Universidade Pública, o Instituto Federal, ETCs e Fatecs podem oferecer não apenas uma educação pública de alta qualidade e gratuita, mas em parte pode ajudar a suprir essa demanda. Aqui é o único lugar da cidade aonde a população não tem nenhuma Fábrica de Cultura, aparelho da Secretaria de Cultura do Estado de SP, por exemplo, e é o tipo da demanda que nem entra na pauta de nenhum governo, seja municipal ou estadual. Essa carência mostra a falta de investimento público, e até mesmo privado, na região. Não podemos nos enganar, sem educação de qualidade e acesso à cultura não é possível haver desenvolvimento de nenhum tipo.
Como a implementação de uma instituição de ensino superior na região pode impactar a vida dos moradores do Grajaú?
Sheila Paulino: A Universidade Pública, assim como os Institutos Federais, é capaz de promover transformações sociais profundas nos territórios. Nem todo mundo sabe, mas é missão da universidade pública brasileira trabalhar para solucionar questões da sociedade, da população em todas as áreas. Não é dar lucro para nenhuma corporação ou empresário, mas pensar soluções para os problemas do que é público, do que é do povo. Isso faz muita diferença na nossa sociedade e causa um enorme impacto nas localidades. A Universidade Pública é capaz de oferecer serviços com excelência para a população. O exemplo mais expressivo e recente em São Paulo e no Brasil é o Instituto Butantã ligado à USP, que trabalhou para pesquisar o corona vírus e fabricar a vacina. A Universidade Pública é que faz praticamente toda a pesquisa científica no Brasil e sem pesquisa científica não tem conhecimento, não tem ensino de qualidade, não tem inovação e não tem produção industrial de ponta, ou seja, não tem desenvolvimento humano nem econômico. Toda a sociedade se beneficia do trabalho da Universidade e do Instituto Federal, ambos estão baseados no tripé de oferecer ensino, pesquisa e extensão. A extensão são os trabalhos que a Universidade oferece para a comunidade e que desenvolve junto com ela. Isso é um ganho enorme para a comunidade, pois oferece acesso a diversos serviços, além do ambiente de intercâmbio cultural e troca de experiência. Em uma região como a nossa, com potencial agro ecológico, turístico e industrial grande, é mais que urgente a presença do ensino superior público aqui. Só assim vamos ter meios eficientes que ofereçam melhores condições de vida e condições de construir um futuro diferente da realidade atual, que não é boa. Além do mais, uma Instituição do tamanho e da importância de um Instituto Federal e de uma Universidade Pública atrai investimentos público e privado, chama a atenção não apenas da cidade toda, mas do país para o lugar aonde ela está, o que aquece a economia local e, no nosso caso, colocaria todo esse lado do extremo sul no mapa da cidade. O olhar para essa região seria outro e os benefícios seriam inúmeros.
Existe algum levantamento sobre o número de jovens que buscam ensino superior na região e as dificuldades enfrentadas?
Sheila Paulino: Bom, eu não encontrei nenhum levantamento com esse objetivo, mas temos uma pesquisa nossa, do Movimento, para verificar a opinião da população, sobretudo dos jovens, sobre o assunto. Posso lhe garantir que a população apoia a iniciativa do Movimento, recebendo com grande entusiasmo a notícia de que há pessoas trabalhando nessa causa. É comum as pessoas agradecerem e parabenizarem pela iniciativa, algumas até se emocionam. É uma demanda antiga na região, mas ainda não realizada e desacreditada por alguns. É interessante ver que o que os mais velhos têm como um sonho, agora possível de ser realizado, os mais jovens veem como um direito. O que mais impacta o jovem no acesso ao ensino superior é a distância, seguido do valor da mensalidade e da necessidade de trabalhar, o que impediria a dedicação aos estudos. Essas três dificuldades podem ser sanadas com a presença do IF e da Universidade Pública na região, pois as universidades públicas e os IFs são gratuitos, oferecem bolsas de pesquisa (mesmo na graduação), auxílio estudantil e programas de emprego e estágios para os alunos. Além de não ser mais preciso atravessar a cidade para estudar, se conquistarmos uma unidade para o nosso território. Quanto à demanda pelo ensino superior e profissional, bom, estamos falando de um universo de quase 1 milhão de pessoas das quais 51%, mais da metade, tem de 0 à 29 anos. Temos uma demanda de quase 600 mil jovens…
Quais estratégias estão sendo utilizadas para mobilizar a comunidade e pressionar o poder público?
Sheila Paulino: Nossa estratégia é mobilizar por meio da arte, da cultura e da ciência. Somos vários e diversos e queremos levar a discussão sobre temas importantes de educação, direitos humanos, meio ambiente, saúde etc e que envolvem a região, evidentemente, por meio de eventos artísticos, culturais e científicos. A nossa mobilização se dá por meio da informação, do diálogo e da troca de experiência. O espírito de universidade é assim.
Há parcerias com outras organizações, movimentos sociais ou universidades?
Sheila Paulino: Temos apoio de ONGs locais, de entidades que representam os direitos da Criança, como o CEDECA, o Fórum em Defesa da Criança e do Adolescentes, grupos e coletivos artísticos e culturais, uma parte do empresariado, além de parlamentares e da população. O Movimento vem crescendo e estabelecendo diálogo. Realizamos uma Plenária em novembro desse ano (2024), que contou com a presença do Ministro do Desenvolvimento Agrário Paulo Teixeira e da reitoria do Instituto Federal de São Paulo, e tivemos a expressiva presença e apoio de vários movimentos sociais e da população. Foi um evento muito feliz, que pôde mostrar para a comunidade e para o governo federal os nossos objetivos e a nossa mobilização.
Quais têm sido os principais desafios enfrentados pelo movimento?
Sheila Paulino: O nosso maior desafio até agora tem sido algo que já esperávamos, dar conta de um território tão grande! (rsrs). Levar a pauta e estabelecer diálogo nos três subdistritos para um Movimento que sobrevive de vaquinha online e de recursos próprios é um desafio grande. Sempre encontramos aqueles que dizem: “pena que eu só soube de vocês agora!”
Há resistência ou falta de apoio por parte de alguma instituição ou esfera governamental?
Sheila Paulino: Planejamento e execução Não há resistência em receber a nossa demanda, até porque as necessidades, as carências do lugar são inegáveis. O Governo Federal tem recebido com atenção o nosso pedido, mas isso por si só não garante que conseguiremos. A população tem que apoiar e nos ajudar a correr atrás. Não existe política pública sem pedido da população. Parece óbvio que um lugar como o nosso, com falta de investimento público e com uma realidade tão difícil para os moradores já deveria ter melhorias há muito tempo, mas o óbvio precisa ser dito, ou gritado! Caso contrário, não acontece. Não é um grupo de pessoas ou um parlamentar ou outro que vai trazer uma instituição dessa magnitude, como uma Universidade Pública, sozinho. O peso maior está no povo, sem mobilização e muita cobrança nada muda. O Movimento está aqui para fazer a ponte!
Existe um local específico proposto para a construção do instituto ou universidade?
Sheila Paulino: Local específico exatamente não há, mas existe um projeto. Trabalhamos assim, contamos com a competência técnica e científica de nossos membros e apoiadores. Nosso trabalho é, antes de qualquer coisa, de advocacy. Elaborar propostas de políticas públicas e demandar estabelecendo diálogo e negociação com as partes. É algo novo na região e para a região. Ter um Movimento suprapartidário que estude e pense a região é importante para a elaboração de propostas, pois sem conhecimento técnico do território, dos poderes, das burocracias, dos processos etc. fica difícil a aceitação de nossas demandas. O trabalho não é só político é técnico também. Tudo isso para te dizer que o local está em estudo, mas que nosso projeto impõe duas condições importantes. A primeira é que tem de ser da ponte do Socorro para cá, não pode ser em Santo Amaro, por exemplo. Santo Amaro já ganhou um prédio da Unifesp na luta dos anos 90 e agora se beneficiará de um Hospital Universitário – o que é maravilhoso! – e não é um distrito periférico com diversas carências; ao contrário, tem o maior IDH da região. A segunda é que o local deve contemplar a população dos três distritos, ou seja, não pode ser em nenhum fundão, nem do Grajaú e nem de Parelheiros. Cabe considerar que há várias questões técnicas e estruturais que impedem de colocar um aparelho desse no fundão, por exemplo, a incapacidade estrutural da av. Dona Belmira Marin e a falta de transporte de massa em Parelheiros. Tudo isso é estudado e posto na balança. É importante dizer que, apesar de termos um projeto muito bom, não significa que ele será seguido à risca. Quem decide é o MEC e se ganharmos o IF comemoraremos aonde quer que seja o local! O mais importante agora é ganhar!
Há algum estudo ou plano preliminar indicando como seria a estrutura e os cursos oferecidos?
Sheila Paulino: Também está em andamento. Nossa agenda para o ano que vem (2025) compreende uma atividade para fazer essa discussão com a comunidade, inclusive, sobre os cursos. É preciso basear a escolha dos cursos em um estudo socioeconômico da região.
Relacionamento com o poder público Já houve diálogo com representantes do governo ou órgãos responsáveis pela educação?
Sheila Paulino: Estamos em conversa com o Ministério do Desenvolvimento Agrário do Ministro Paulo Teixeira e com a Secretaria de Relações Institucionais, ligada ao Ministro Alexandre Padilha. Estamos pressionando nesse momento para termos uma reunião com o Ministro da Educação Camilo Santana. Até agora não estamos contemplados entre os Institutos Federais que o Governo Federal já prometeu entregar em 2025, mas estamos na batalha.
Quais têm sido as respostas dos representantes políticos à proposta?
Sheila Paulino: Até agora não houve nenhuma manifestação por parte da prefeitura ou do governo do Estado. Todos foram convidados para a nossa Plenária e serão demandados.
Como a população local tem participado do movimento?
Sheila Paulino: Há atividades ou ações que envolvam diretamente os moradores, como oficinas, audiências públicas ou abaixo-assinados? Sim, temos um abaixo assinado virtual e também físico. Fizemos nesse ano de 2024 várias rodas de conversas e palestras em cursinhos, entidades e eventos que reuniram movimentos sociais e coletivos culturais, além da nossa 1ª. Plenária. Estamos fechando agenda para 2025, acompanhem o nosso Instagram!
O movimento se inspira em outras regiões ou movimentos que conquistaram instituições de ensino superior na periferia?
Sheila Paulino: A luta do Jardim Ângela e da Zona Leste pela Universidade Pública é algo digno de nota pela sociedade e de admiração e respeito pelo povo periférico. Recentemente o presidente Lula esteve no Jardim Ângela para entregar o Instituto Federal que eles conquistaram. Mas não parou por aí, eles conquistaram também 1 Minha Casa Minha Vida, 1 Hospital, a extensão da linha Lilás de metrô até lá, 1 campus da Unifesp e uma biblioteca pública! Conquistas que resultaram de uma construção de 30 anos de organização, mobilização e luta. Foi um dia lindo e muito importante para todas as periferias da cidade, foi um dia de reparação histórica. A Zona Leste que capinou esse mato ganhou um campus da USP há 20 anos. E também não parou por aí, hoje ela tem 2 institutos Federais e acaba de ganhar mais 1, o de Cidade Tiradentes. Conquistou 1 Campus da Unifesp em Itaquera, que começará a ser construído em 2025, e tem 2 parques tecnológicos. Sem contar o número de aparelhos culturais, como Fábrica de Culturas e Sescs. É assim, quando chega uma política pública de grande investimento e impacto, as outras tendem a vir, ninguém investe em lugares invisíveis e invisibilizados como aqui. Mas para que isso aconteça, tem que ter organização e muita luta. Ninguém melhor que os moradores para cuidar dos bairros, ninguém melhor que a população para fiscalizar e propor.
Há exemplos de políticas públicas que poderiam ser replicadas no Grajaú?
Sheila Paulino: Temos bons exemplos, sem dúvidas, mas “replicadas” eu não digo, pois cada região tem as suas demandas específicas e cada contexto deve ser olhado com cuidado pelos proponentes de políticas públicas e de serviços. A nossa região tem singularidades geográficas que a tornam muito especial dentro da cidade de São Paulo: é a mais longínqua do centro, abriga a maior parte de Mata Atlântica presente na cidade, abriga o maior reservatório de água que abastece a cidade, tem população de povos originários, tem um fenômeno geofísico raríssimo no mundo, a Cratera de Colônia, tem a maior área rural do mundo dentro de uma metrópole (Parelheiros), é o lugar aonde morou a escritora Carolina Maria de Jesus, tem uma obra arquitetônica preciosíssima, o Clube Santa Paula e a garagem náutica projetados pelo arquiteto Vilanova Artigas, o mesmo que projetou o prédio da faculdade de arquitetura da USP, a FAU-USP, e o Estádio do Morumbi – ficam na Avenida Atlântica. Poucos sabem das riquezas que temos aqui. A cidade de São Paulo não sabe. Temos que preservar e mostra-los e a Universidade Pública junto com a população podem fazer esse resgate pensando políticas públicas que recuperem a história, a memória e a dignidade do nosso território. É assim que se abrem os caminhos para o desenvolvimento social e econômico de qualquer lugar e aqui não será diferente.
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