DJ Nyack: “Se eu errar, todo mundo erra”
ESPALHA --->
Construindo seu mundo alternativo em meio aos vinis, reuniões de músicos e festas, DJ NYACK entrou na cena rap por meio dos ensinamentos do conceituado DJ Marco, seu mentor e conselheiro. Com passagens em diferentes grupos de rap, foi com Emicida que Nyack intensificou seus trabalhos e seu amor pela arte de rua. Além de ser integrante do Laboratório Fantasma, Nyack é conhecido por suas mixtapes, o artista tem um site com diferentes compilações. CORTECERTU bateu um papo com Nyack. Confira a entrevista abaixo ao som da mixtape Obrigado Lincoln Olivetti.
Bocada Forte: Hoje você tem um site com diversas mixtapes, mantém uma certa frequência nas produções. Poderia contar pra gente um pouco da sua correria no passado? Como fez para ter seus primeiros equipamentos?
DJ Nyack: Resumindo, meu corre era: ir pra oficina de DJ do DJ Marco; no projeto Do Risco Ao Rabisco; estudar, ir pro Central Acústica e pro Sintonia toda semana; entrar nas lojas de discos só pra ver os discos; provar pros meus pais que o que eu fazia também era trabalho e que um dia ia vingar. Graças a Deus eu conheci pessoas nessa correria que me ajudaram a tornar isso realidade. Consegui meu primeiro par de toca-discos e mixer em 2012. 2011 foi um ano em que trabalhei bastante e consegui guardar a grana pra poder adquirí-los. Foi uma sensação incrível ver as paradas na minha casa. Confesso que caíram algumas lágrimas (risos).
Bocada Forte: Começou tocando em bailes ou já iniciou atuando em grupos de rap?
DJ Nyack: Iniciei atuando em um grupo de rap chamado Dinastia Natural Autêntica, 2 anos depois com a junção de outro grupo aqui da quebrada, o Fator Sonoro, surgiu o Primeira Função, mas sempre toquei nas festinhas e depois, com a ajuda do DJ Marco, tive a oportunidade de colar em vários bailes. Ele me apresentava pra várias outras pessoas também. Sempre que o Marco podia, deixava eu virar uma ou 2 músicas em festas que ele tocava. Eu ajudava a carregar os discos e alguns instrumentos da banda da Central Acústica, assim fui me envolvendo na noite. Quando vi, já estava tocando em algumas festas. Na verdade, essa vontade de tocar com grupo de rap veio com o tempo, minha vontade sempre foi tocar nos bailes.
Bocada Forte: Desde o Sinhô Preto Velho, vejo que você tem facilidade para inserir sua performance em sons e estilos diferentes. Quais suas influências? O que realmente está no DNA sonoro do DJ Nyack?
DJ Nyack: Vixi! Influência é o que não falta (risos). Me espelho naqueles que estão sempre presentes no que eu faço: Dj Marco, meu mentor, Kl Jay, Will, Ajamu, Dandan, Erick Jay, RM, Basim, King. Tem os onipresentes também em minha formação como DJ: Jazzy Jeff, Premier, Numark, enfim, tem muitos DJs que me inspiraram e me inspiram até hoje. Meu DNA musical tem de tudo um pouco, eu absorvo tudo aquilo que agrade meu ouvidos, do samba ao soulfulhouse, do rap ao jazz. Música boa não se rotula.
Bocada Forte: Numa cena onde a grana ainda não circula como deveria, ficar num grupo de rap é economicamente embaçado para o DJ. Todo mundo precisa pagar suas contas, você acha que este é um dos motivos que fazem muitos DJs partirem direto para a discotecagem?
DJ Nyack: Acredito que não. São poucos os DJs que vivem só de festas. Muitos dos que partem direto pra discotecagem têm alguma outra renda fixa, assim como vários DJs de grupo de rap, porque pra ter os equipamentos, você tem que ter dinheiro, e pra você ter dinheiro tem que trampar. Então como ainda não temos uma cena rap forte, comercialmente falando (estamos chegando lá graças a vários outros grupos que pavimentaram esta estrada pra essa minha geração), vários DJs acham que se dedicarem somente para discotecagem terão mais chance de fazer virar uma grana, e realmente temos, mas, pra chegar no nível em que se vive apenas de discotecagem, você tem que ter um diferencial, pois a concorrência é imensa.
Bocada Forte: O fato de muitos grupos não terem DJs prejudica o rap nos shows, nos palcos? O DJ realmente é essencial nas apresentações?
DJ Nyack: Eu não acho que faltam DJs nos grupos de rap, eu acho é que falta interesse de alguns DJs em ser integrantes de grupos de rap, pelo fato de muitos deles se dedicarem mais na discotecagem. Mas também acho que falta espaço pros DJs em grupos de rap, vejo vários shows onde o DJ só dispara as bases e os MCs vão lá e fazem sua parte. Tem o lado também onde o DJ se acomoda no simples fato de sentir que faz parte de algo relevante apenas sendo mais um integrante, não participa da parte criativa, ele fazendo parte é o que importa. Sim, numa apresentação de rap onde o DJ e o MC são o foco, se não tem diálogo, sintonia, dinâmica, o show não acontece. Pra isso acontecer, os integrantes do grupo têm que pensar e criar juntos, não necessariamente um do lado do outro 24 horas por dia, mas opinar nas letras, opinar nas colagens, pra que aquele moleque de 13 anos, que ta assistindo um show de rap pela primeira vez, sinta-se impressionado com o que está vendo e volte pra casa sonhando em ser um MC, sonhando em ser um DJ, ou simplesmente ter prestado atenção na mensagem que o grupo quis passar.
Bocada Forte: Nos bate-papos da vida do hip hop, sempre faço duas perguntas para os Djs: a cultura DJ é respeitada no Brasil e, principalmente, no hip hop? A outra é: o rap está matando o turntablism?
DJ Nyack: Aí entra muito do que eu falei na pergunta anterior, quanto a intervenções dos DJs nos shows. Se não participar na hora da criação, opinar, não tem sintonia, não tem dinâmica. O MC também sabe o que ele quer na música, o DJ também tem que ter a visão se em determinada faixa cabe um scratch ou uma colagem. Acredito que o importante é se impor, se tem uma ideia, mostre pra ele que a colagem que você imaginou pro som que ele está mostrando ali vai deixar o som mais foda ainda. O que não pode é não tentar. Acho que se aproveitam da cultura DJ no Brasil e no mundo, qualquer ex-famoso vira DJ, toca com equipamento desligado e tudo mais, ganha uma grana. No Hip Hop aqui do Brasil, a cultura ainda é respeitada sim. O que afeta, agora falando sobre o estilo turntablism, é que no Brasil isso não é visto como arte. No mundo inteiro existem vários campeonatos e festas voltadas para esse estilo, mas isso vem mudando bastante. De uns quatro anos pra cá, vem surgindo outros campeonatos. Além do Hip Hop Dj, temos o Quartz, que é organizado pelo KL Jay, competição voltada para scratches e batidas, tem o DJ Scratch ,de Brasilia, tem o DMC Brasil, que dá oportunidade para o campeão disputar o mundial em Londres. E isso vem destacando vários outros nomes dessa cena do turntablism. Ainda preciso aprender muito nesse estilo, pois quero um dia disputar algum desses campeonatos. E o rap não está matando o turntablism, pelo menos aqui no Brasil. Tenho certeza disso sempre que vejo o Erick Jay no palco com o Kamau, o publico vai ao delírio.
Set Dj Nyack_26ª Edição Nos Tempos da Soweto by Nos Tempos Da Soweto on Mixcloud
Bocada Forte: Qual a linha que você ama tocar nas pistas?
DJ Nyack: Eu curto tocar tudo que eu gosto de ouvir e acho que o público possa vir a curtir também. Curto muito rap, mas ultimamente me divirto quando to tocando funk, soul, neo soul, R&B e soulfulhouse. Resumindo, meu set na pista é estilo brainstorm, não da pra saber qual musica vai vir depois (risos).
Bocada Forte: Atualmente, quais equipamentos utiliza para produzir suas mixtapes e nos shows?
DJ Nyack: Eu uso um par de toca-discos da technics MK II SL 1200, mixer Rane TTM 57 SL ou o Pioneer DJM 350 e o Scratch Live SL1.
Bocada Forte: Os eventos, festas e baladas são lugares pra tocar mais do mesmo ou você acha que há espaço para experimentações e novidades?
DJ Nyack: Depende do gosto de cada DJ, e do publico também. Acredito que o DJ tem o papel de educar seu público. Tem a hora certa pra tocar “aquela lá” que todo mundo vai dançar, como também tem a hora de tocar algo novo e bom, pra que as pessoas possam conhecer e passar a curtir também, porque tem muita música boa, muitas delas estão passando batido, pois ninguém toca, mas, como eu disse, tem que saber a hora certa, ter o “feeling” de trazer o público que está lá pra ver você tocar, saber trazê-lo pro seu mundo. Não pode ter medo de ser ousado e tocar aquele som que poucos ou ninguém conheça, pra quem sabe um dia ela se torne um clássico.
Bocada Forte: Hoje você se dedica mais aos beats? O que anda produzindo?
DJ Nyack: No fim de 2014, voltei a me dedicar aos beats, quero – ainda nesse semestre – lançar um trabalho com MCs que admiro rimando em beats que eu acho que tem a ver com o que eles gostam de ouvir e com os temas que escrevem.
Bocada Forte: Como é trabalhar com Emicida? A parte DJ é valorizada nos ensaios e formatações dos shows?
DJ Nyack: Acho que com o Leandro não se resume só em trabalho mais. A gente trampa junto há 8 anos, e nesses 8 anos passamos por várias paradas. Ter grupo de rap é como se fosse um casamento, a gente passa boa parte do ano trabalhando, ou seja, a gente fica mais tempo na estrada do que com a nossa própria família. A gente cresce como pessoa também. Trabalhar com o Emicida e fazer parte da Laboratório Fantasma desde o inicio é muito gratificante, fazer parte de um capítulo da história que está sendo escrita no hip hop brasileiro, de uma época onde – sem gravadora e sem jabá – você chegar onde chegou, correndo com suas próprias pernas, é de tirar o chapéu. Admiro o quanto ele acredita na musica dele. Ver que ele conseguiu porque não mediu esforços pra isso. Todo mundo que chegou com ele, acreditou na mesma intensidade e teve a ousadia de chegar com pé na porta e mostrar que o rap é música. A parte do DJ nos shows é essencial, ele sempre me cobrou ideias pra scratches. Eu sempre dei algumas ideias também. No show com banda, minha responsa é maior. Nossa banda não tem bateria, eu que solto as bases. Em outras, eu disparo alguns instrumentos, sem contar as músicas que eu tenho que correr pra percussão, fazer as dobras e ainda cantar alguns refrões (risos). Ou seja, se eu errar, todo mundo erra.
Bocada Forte: No exterior, muitos DJs lançam discos com instrumentais, riscos, colagens e MCs convidados. Acha que uma cena que valoriza o beat, o DJ e os beatmakers pode crescer aqui?
DJ Nyack: Acredito que sim, o que falta é organização. Hoje temos muitos beatmakers fabulosos no Brasil, alguns campeonatos também. Acho que os beatmakers podem fazer seus próprios álbuns, convidar aqueles MCs com quem já trabalharam. Podem fazer um encontro mensal, tipo uma festa voltada pra isso, com um DJ pra abrir a festa, depois uma live session de beatmakers convidados, enfim, acho que tem tudo pra dar certo essa cena, na real acho que já está se movimentando.
Interaja conosco, deixe seu comentário, crítica ou opinião