DJ Dan Dan: ‘Muitos não entenderam a diferença entre se vender e ganhar dinheiro’
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Anderson Cassiano Barbosa de Sena é um dos artistas mais completos do Hip-Hop, possui experiência como dançarino, é MC e DJ, compõe músicas politizadas em sons com vibe alternativa, ministra oficinas na Casa do Hip-Hop de Diadema, onde busca despertar o interesse dos jovens pela informação para a cidadania. Mais conhecido na cena como DJ Dandan, Cassiano Sena acredita que o Hip-Hop é uma ferramenta de transformação e que o conhecimento é o complemento que unifica as ideias de cada elemento da cultura de rua.
Nas décadas de 70 e 80, com a influência de sua família, DJ Dandan teve seu primeiro contato com o universo da música negra, sua paixão pelo Hip-Hop desenvolveu na época do discurso político e racial que se formava nos anos 1990, período em que participou das primeiras oficinas culturais. Como grande parte dos DJs brasileiros, Dandan começou a tocar manipulando dois “3 em 1”, aparelhos de som com toca-discos, tape-deck e rádio (AM e FM). A procura pela informação foi o principal fator para sua evolução como artista e militante. Atualmente, além de administrar sua carreira como DJ, Dandan trabalha na Rinha dos MCs, participa de coletivos como o Produto Paralelo e continua a pensar o Rap, ora articulando a arte, a política e a diversão, ora discutindo formas para elevar a autoestima dos jovens da periferia.
Seus passos são admirados por muitos integrantes da cena brasileira, Criolo Doido, um dos seus parceiros responsáveis pela tradicional Rinha dos MCs, fala sobre a influência do seu parceiro: “Dandan é um dos poucos DJs que ainda resistem e tocam com vinil, ele é um grande parceiro e não nega ajuda, tem um coração bom, te trata bem e com respeito, seja você do Rap ou não. Suas mensagens sempre trazem energia positiva, força para a gente não desistir nunca. Pra mim, ele é um irmão, parte vital, algo bom que Deus colocou em minha vida”. No início do mês de setembro, DJ Dandan teve seus equipamentos roubados, muitos integrantes do Hip-Hop fizeram uma corrente solidária. Hoje, uma edição especial da Rinha dos MCs, com show do MC Criolo Doido, terá sua renda revertida para a compra de novos aparelhos para Anderson Cassiano Barbosa de Sena. Acompanhe trechos da entrevista que Dandan concedeu ao Central Hip-Hop.
DJ Dan Dan por DJ DanDan
Nasci em 1976, em meio aos bailes blacks que meu pai e meu tio frequentavam, eu adorava quando eles ouviam os sons, pois ficava em cima da vitrola colocando palitos de fósforo nos discos e pirava nisso. Assim ia absorvendo toda aquela sonoridade, depois, já nos anos 80, um dos meus tios fazia alguns passos de breaking e eu o imitava na época os bailes estavam começando a tocar o tal do funky falado (Rap), os peso, era o surgimento dos chamados “função”, naquela época já presenciava dois fatos: O meu Pai tinha um grupo de samba chamado “Colina maldita”, então acompanhava essa trajetória e me arriscava tocando alguns instrumentos. Era natural, todo final de semana, os caras dos bailes colocarem suas JBL (caixas acústicas) na calçada e ouvirem aqueles sons pesados, fico emocionado quando lembro disso, amava aquela movimentação, ainda não tinha nenhum tipo de consciência, mas aquilo me dava orgulho de fazer parte, pois a maioria que tocava ou cantava essas musicas, parecia comigo – cabelinho black, condição precária, ruas de barro, era o momento de alegria e confraternização.
Com 9 anos, eu ia ao centro de Diadema e brincava na Praça da Moça aos domingos, depois ia em uma matinê ali perto, no salão conhecido como “Xereta”, o segurança era sangue bom e deixava agente ficar uma meia hora ouvindo os sons e tentando pegar uns passinhos, era da hora. Com 11 de idade, tinha um amigo um pouco mais velho que já colava nas festas grandes, era o Edson, ele começou a me levar junto por incrível que pareça, nunca tinham me pedido RG, eu entrava numa boa. Um desses dias, no “Projeto Leste 1”, resolvemos observar uma roda que sempre se formava por ali, daí vimos um cara que girava de uma forma muito louca, o Edson comentou – Mano, a gente tem que aprender a fazer essas coisas, pois o que dançamos todo mundo faz. Pegamos algumas informações e descobrimos que rolava uma movimentação dessa no metrô São Bento, isso era em 89, dai me iniciei realmente no Hip-Hop.
Assista o Perfil Especial com Dandan no Manos e Minas
Deise Benedito, minha tia, fazia parte do Instituto da Mulher Negra, o Geledés, e todo final de semana tinha um pessoal aprendendo coisas sobre a questão racial, de tanto minha tia comentar do projeto “Rapensando a Educação”, fui lá e deparei com os caras do DMN, Os Metralhas, FNR (Força Negra Radical), Sharylayne, Lady Rap, me encantei com as ideias, acredito que foi a partir dessa visita que o meu lado social e político foi despertado.
O Hip-Hop hoje
Com o atropelo do Funk Carioca (Miami Bass), o Hip-Hop deu uma estremecida, pois os simpatizantes que tínhamos, lembrando que a maioria eram adolescentes, migraram pra esse estilo musical, afinal, qualquer muleque que esteja na sua iniciação sexual não vai querer perder tempo com idéias sérias de transformação social ou algo que possa propor um raciocínio, isso acaba sendo chato, eles ouviam Rap porque ele era representação única no momento, com a expansão do Funk Carioca nas quebradas, essa representação foi substituída, pois falar do crime em um ritmo mais dançante fica mais atrativo. No meu ver, a mídia fonográfica abusou do Rap e, as outras formas de comunicação também falharam em propor apenas uma linha de raciocínio da nossa música. Veja bem, se estamos no deserto morrendo de sede e nos oferecem apenas um liquido que não possa ser água, mas sua sede é mais forte que seu raciocínio, você vai beber o que te oferecem, porque não tem outra opção, então os caras vacilaram nisso, temos um leque enorme de propostas dentro da nossa música, mas nas quebradas só existia uma.
Assista Dandan em uma sessão especial para a MTV
Muitos se perderam com a ambição da grana, não conseguiram administrar isso, não se entendeu a diferença de se vender e ganhar dinheiro, eu tenho um produto e ele precisa ser comercializado, mas não preciso mudar o que penso ou que escrevo pra que possa vender mais rápido, existem pessoas que se espelham em mim, se eu mudar o que faço, posso desconstruir uma história que custou muito pra ser reconhecida, perco o crédito que tinha com os vários adeptos do meu trabalho. Hoje enxergo mudanças, nosso Hip-Hop está chegando de uma outra forma, a rapaziada da produção está aparecendo mais, se profissionalizando, as minas estão se organizando, os Raps estão com uma linguagem que, ao mesmo tempo que resgata ideias passadas, nos trás uma cara nova pra essa nova geração, os escritores de graffiti estão cada vez mais ganhando o mundo, os DJs tocam em outras bandas que não sejam de Hip-Hop e isso é um reconhecimento que muitos buscavam, os dançarinos de rua estão arregaçando nos campeonatos, fora e dentro do país e, detalhe, muitos dançam em Rap brasileiro, há muita emoção nisso mano. Vídeos, filmes, eventos, documentários, essa geração está sabendo manter e construir a história, precisamos de alguns acertos, mas a ideia é essa. O cachê ainda não é muito justo, entretanto, estamos caminhando pra essa valorização, acredito que estamos no passo certo, é tomar cuidado com os aproveitadores, temos que dar crédito aos nossos. Quem não é e quer ajudar, analise bem e tome frente de suas coisas, senão, tudo desanda de novo.
Casa do Hip-Hop de Diadema e Rinha dos MCS
A Casa do Hip-Hop vem de uma história desenvolvida antes do seu surgimento, quando, em 1992, alguns jovens do Hip-Hop pediram um espaço para ensaios, esse pedido se transformou em oficinas e varias ações em Diadema aconteceram. A Casa do Hip-Hop foi o fato mais importante, o movimento não tinha um ponto de encontro há muito tempo, hoje ela é uma espécie de templo da nossa cultura, onde todos aprendem a importância do Hip-Hop e crescem com isso, seria uma mentira se comentasse que casa do Hip-Hop não tem nada haver com a Rinha dos MCs, muitas coisas que aprendi, aplico na Rinha, a Casa tem uma influencia muito grande nisso, a Rinha surgiu de uma necessidade de espaço também, um dia, o Criolo Doido chegou e disse: ”Vamos fazer uma festa de freestyle e tocar uns sons que não ouvimos nas baladas, topa?” Eu disse: Demorô tio vamos fazer sim. Daí em numa sexta de abril, em 2006, começamos a fazer a festa, cobrávamos três conto da rapa, eu levava meus toca-discos, mixer, mesa de som e microfones, um outro parceiro levava as caixas e a potência.
A Rinha dos MCs é uma festa de Hip-Hop com ênfase no MC, mas que os outros elementos estão presentes, é uma festa de família, onde muitas vezes se fala de cidadania, de machismo, da questão racial, onde tocamos músicas novas, onde relembramos as antigas que fazem marmanjo chorar (risos), onde se joga xadrez, acontecem exposições de fotos e graffitis, onde as pessoas investem um momento especial em sua vida. a Casa do Hip-Hop de Diadema tem muito dessa energia também.
O roubo de seus equipamentos e a solidariedade do Hip-Hop
É um fato que me abalou muito, ainda mais por conta de ser na quebrada, fazer uma atividade qualquer que seja na quebrada, pra mim, é devolver o que aprendi nela, é contribuir de alguma forma com o crescimento das pessoas, mas infelizmente nem todos tem esse pensamento. Fico mais aliviado por conta da atitude das pessoas que vem prestando essa solidariedade. Posso estar exagerando ou algo assim, mas meus equipamentos foram roubados do dia 7 pro dia 8 de setembro, nesse mesmo período, no ano passado, as pessoas choravam a morte de uma das pessoas mais importantes da cena, o DJ Primo, um ano depois, as pessoas prestam solidariedade e movimenta algo para um DJ que foi roubado, isso pra mim não foi uma mera coincidência, é um fato que desperta nossa capacidade de respeito, de união, de consciência e, acima de tudo, amor. Por mais que existam as diferenças, estamos nos unindo em prol de algo em comum, isso é raro, devemos enxergar isso com muito carinho, porque outros irão precisar, nossos ancestrais precisaram disso, não podemos deixar lutas recentes ou passadas serem em vão, vivemos uma guerra infinita, na qual não podemos nos dar por vencidos, o cara que roubou meus equipamentos é apenas mais uma vítima da sociedade em que vivemos, é mais uma máquina controlada por esse sistema e, o mais embaçado é que ele nem sabe disso, então vamos propagar esse ato solidário, vamos contaminar as pessoas com isso, não por mim, mas pelos guerreiros e guerreiras que nem conhecemos, mas que já sofreram injustiças, que vão além da que aconteceu comigo. Esse ato só prova a força de mobilização que temos, obrigado a todos pelo carinho e atenção. Que o Hip-Hop que acreditamos possa ser a ferramenta de transformação para muitos.
Atualmente Dandan é MC de apoio do Criolo, toca em festas por todo Brasil e é DJ residente do Projeto Discopédia.
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