Coscarque: ‘Construímos eventos sólidos e importantes, mesmo assim, a mídia finge não ver’
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Formado em 2008, Versu2 é símbolo da inovação e ousadia no rap brasileiro. O grupo lançou recentemente o disco “A Trama dos Tambores”. De Salvador (BA), Versu2 tem Mobbiu, Coscarque e o DJ e produtor Munhoz na atual formação.
Conversamos com Coscarque, que também é o idealizador do projeto 3º Round – Circuito de Rima Improvisada, que rola desde 2013. Além de abordar ações pioneiras e os novos rumos dos integrantes do grupo, o artista falou sobre o significado do novo disco na atual fase do rap brasileiro e as participações especiais em “A Trama dos Tambores”. Coscarque também deu sua opinião sobre a mídia do Hip Hop:
“Os meios de comunicações ainda continuam priorizando o Eixo Rio-SP, falta mídias como Oganpazan, com coragem de ir além do clichê e desbravar nossas possibilidades para se comunicar e enriquecer ainda mais a linha editorial da mídia”. Leia a íntegra da entrevista:
Bocada Forte: Direto ao assunto: vocês afirmam que este disco fecha um ciclo. Poderia falar mais sobre isso?
Coscarque: Esse disco era o que faltava para se sentirmos que cumprimos nosso papel como grupo na cena. Em 2010, lançamos “Segredo da Harmonia”, uma produção audiovisual nunca vista antes e que a grande maioria achou que era uma obra feita no eixo Rio-São Paulo.
Trabalhamos circulação de diversos artistas aqui na Bahia, dentre eles, Emicida, Kamau, Don L, KL Jay, Inumanos e tantos outros. Esse modelo é praticado até hoje. Mostramos que sabíamos o que estávamos fazendo. Falta o disco, mas não um disco qualquer. Esse disco finda uma super parceria. Agora são novos rumos artísticos, profissionais e pessoais.
BF: Além do lance do ciclo, para vocês, o que o disco “A Trama dos Tambores” representa na carreira de cada um?
Coscarque: Eu particularmente, com a ATDT (“A Trama dos Tambores” ), me sinto realizado como artista por poder, junto com o Raffa Munoz e o Mobbiu, conceber um disco tão impar numa era de tantas tendências e liquidez.
Ele representa a força do Hip Hop, o cuidado na escrita, a mensagem, a poesia, a ousadia na musicalidade e a coragem de permanecer negro ideologicamente.
BF: Um disco com personalidade numa cena em que muitos ainda têm a ideia de “ser padrão” como critério de qualidade representa resistência, um ataque ou apenas o registro de uma fase?
Coscarque: Nem um nem outro, apenas Versu2 na sua real forma de fazer arte.
BF: Qual o significado do nome do disco?
Coscarque: O nome do disco pegamos emprestado e em homenagem à Goli Guerreiro, uma antropóloga baiana que escreveu o livro “A Trama Dos Tambores”, que eu li há uns dez anos pela primeira vez.
O significado de adotarmos esse nome ao disco é pela simbologia do próprio nome em si, a forma como os Blocos Afros tiveram que se manter firmes para conquistar seu espaço, rente ao preconceito e racismo assassino, que não dormem.
O nome é a simbologia africana, é a reconexão espiritual, ideológica, é a filosofia Sankofa colocada em prática, é o legado de Neguinho do Samba e o Poder do Samba Reggae, é a identidade de um povo que tem orgulho do cabelo e sua raça, é o Hip Hop Vivo e seus tambores digitais.
BF: Desde a sua fundação, os temas originais e beats diferenciados são a marca da Versu2. Como foi o processo de escolha dos samples para os instrumentais e a produção do disco?
Coscarque: O disco é todo produzido pelo produtor musical Raffa Munhoz, ele foi o responsável por captar a ideia do conceito do disco e tornar essa obra real. Queríamos muito, desde o single “Que som é esse man?”, de 2010, fazer algo como ATDT, mas faltava alguém como Raffa Munhoz para deixar as músicas como pensávamos que deveriam soar.
Através de pesquisas, conversas, vivência e mão na massa, chegamos ao que é o disco hoje.O disco tem pouco recurso de samplers, boa parte do que soar como samplers é intencional mesmo, o Raffa Munhoz é alguém que os grandes artistas precisam conhecer, ele é fantástico e muito criativo.
BF: Fale sobre as participações do disco.
Coscarque: Tivemos a honra de contar com um time de peso na construção do disco. Todos os artistas presentes na ATDT são pessoas que admiramos e mantemos uma boa relação.
O disco conta com Cadinho e Dubman na faixa “Liberdade”, uma composição linda do Mobbiu que interpretei. Jaya Luuck e Jovem Senpa (Underismo) somaram nas faixas “Cidade Loka” e “Sem Holofotes” respectivamente. Na canção “Oloboom”, temos a participação do Nego Gallo (Costa a Costa). Sant, na trilha “Insônia”, onde falamos um pouco sobre o processo de depressão e suas faces. Ananda Savitri é a voz doce em “Garra”. Raonir (Àttooxxáá) chega para abrilhantar a música “Faz Bem” . Nêssa fecha o time em “Condizer”.
BF: Como é ser atuante na cena hip hop hoje? Os caminhos que frequentemente traçam apresentam quais experiências?
Coscarque: Bem mais que atuante talvez a relevância seja mais importante, hoje é tudo muito igual, raso. Isso é cansativo. O caminho que buscamos é a estrada de uma arte que faça sentido na vida das pessoas, pois dessa caminhada é que trazemos as melhores experiências que levamos pra vida.
BF: Muito se fala em amadurecimento. O que isso significa para vocês?
Coscarque: Liberdade de não ter medo de errar. Quando você vence esse medo você cria possibilidade nunca antes vista por você. Poder vivenciar isso é um amadurecimento extremo.
Quantos ficam no caminho com medo das críticas, da falta de espaço, de visibilidade, de recursos e credibilidade? Quando se acha força para ir além disso, o amadurecimento se faz presente, você cria novas rotas, nova mentalidade. São os tambores tramando a revolução.
BF: A cena rap hoje está bem diferente daquela do início da Versu2. Acha que, de alguma forma, ajudaram a abrir algumas portas para que artistas fora do eixo Rio-SP, pois além dos trabalhos autorais, também promoveram eventos importantes?
Coscarque: Essa resposta sempre esteve entre nós, mas deixamos para vocês responderem. Muito se fala no Rap fora o eixo Rio-SP, mas sabemos que isso ainda é uma tremenda ilusão, não pela carência artísticas dos outros lugares, que já mostraram sua força e criatividade, mas é só olhar o pouco espaço conquistado e ter uma prova disso tudo.
Os meios de comunicação ainda continuam priorizando o Eixo Rio-SP, falta mídias como Oganpazan, com coragem de ir além do clichê e desbravar nossas possibilidades para se comunicar e enriquecer ainda mais a linha editorial da mídia.
Um exemplo é o Gustavo Pontual, talvez o primeiro artista a mostrar que tinha Rap de qualidade fora o eixo Rio-SP. Veja o quanto a mídia ignora esse cara. Posso listar alguns que tiveram espaço e mostraram o poder que outras localidades tem como Djonga, Don L, Hot e Oreia, Victor Xamã, Baco Exu do Blues, Jaya Luuck, Dudu, Makalister, Froid, Karol Conká, entre outros.
Falando de eventos, aqui em Salvador temos o 3º Round – Circuito de Rima Improvisada, a maior vitrine do Hip Hop baiano, o Lama, o evento mais underground da cidade, tínhamos a Classudos – Rap Jazz, ambos eventos sólidos e importantes para cena cultural da cidade e estado. Mesmo assim, a mídia finge não ver.
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