Conheça Tom Freedom: das batalhas para o topo do Spotify, contra o fascismo
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#RapBR #Antifascismo | Tom Freedom é um dos nomes em ascensão na cena que você precisa ficar de olho. Iniciando sua trajetória em 2011 na Batalha do Santa Cruz, na época usando o vulgo de Tom Freestality, o MC chega em 2018 com seu EP de estréia contando com apoios de peso como Evoluwill e Scooby. Além disso, o MC passou muitas semanas no topo das músicas virais no Spotify com seu som crítico “Ei, Bolsonaro“.
Neste mês da consciência negra, conversamos com Tom sobre sua trajetória, a padronização dos raps que fazem sucesso hoje no Brasil, seus destaques para o mês da consciência negra e suas visões a respeito da política no país, assim como sua produção musical. Então dê o play no EP abaixo e confira a entrevista na íntegra:
Bocada Forte: Qual a sua trajetória no rap e na música até o presente momento?
Tom Freedom: Meu primeiro contato foi com o disco “Sobrevivendo No Inferno” lá em 2000 e alguma coisa, quando morava em Santa Luzia BA. Um colega da escola me emprestou. No fim de 2011, um colega do trampo me falou sobre uma batalha que acontecia no Metrô Santa Cruz. Fiz amizades, aprendi e ensinei durante esse tempo. Mas vivi um longo hiato em relação aos sons. Escrevo desde os 13/14 anos, fui gravar algo em 2012 com o Rasul “Na Zona Norte” era o nome, se não me engano, ainda com o vulgo de Freestality, que veio dos altos e baixos das Batalhas. Era ainda sem técnicas e sem noção de métrica. Aprendi muito observando sons que o Duh(Dj Duh França) me recomendava. Fiz músicas de vez em quando, lancei algumas no YouTube mas depois removi. Estava indo mal nas batalhas de freestyle quando fui chamado para a Liga Nocaute: ganhei todas que batalhei e me deu um novo ânimo . Foi muito bom pra mim em vários quesitos, sou muito grato, mas hoje em dia, não é algo que eu faria. Não como eu fiz pelo menos.
Devido a várias frustrações, eu estava largando, as coisas não davam certo na minha vida como um todo e o rap estava sendo uma despesa de tempo e dinheiro. Conheci o Scooby, viramos grandes amigos. Quando eu estava pra parar de vez, ele me sugeriu um EP. Amei fazer, mas a falta de visibilidade fez me sentir como se não valesse nada. Foi doído, pois era o suor do meu trabalho como pintor de paredes ali. Fiz algumas músicas com o Scooby e o nosso irmão Evolluwill, chegamos a montar um grupo que devido divergências foi desfeito. Hoje tive um novo fôlego ao ter pela primeira vez, reconhecimento(entre xingamentos e ameaças) por uma música que eu achei necessária. Eu nem esperava a parte do reconhecimento, já que tudo o que fiz não vingara. Eu só achava péssimo o rap não se “oposicionar” a uma ameaça, em forma de música. Música contundente.
BF: Dentro da sua caminhada, qual a história do seu Vulgo?
Tom: Comecei a batalhar com meu nome mesmo. Thomas. Eu comecei muito bem no Santa Cruz, na segunda vez em que eu fui, no fim da batalha na 3° fase se não me engano, eu fiz uma pausa(dramática haha) antes de mandar a última rima. Um mano de vulgo Naysson comentou “Tipo um Fatality”. No dia seguinte estava com o Rasul, narrei o ocorrido dizendo que era uma boa ideia para um vulgo, ele então disse “Freestality“. Eu aderi. Com o tempo virou “Tom Freestality“. Veio o declínio em batalhas, principalmente em grandes eventos (fui vaiado no aniversário de 7 anos da Rinha, antes do show do Criolo, a fase estava péssima) e eu decidi que precisava de um nome artístico que me separasse daquilo. Queria manter o “Free” para não mudar radicalmente, optei por Freedom. Liberdade era justamente o que eu buscava. Então ficou Tom Freedom.
BF: Como foi esse declínio nas batalhas?
Tom: Eu na verdade nunca tive tempo pra me dedicar com afinco. Vários mcs treinavam e/ou frequentavam batalha quase todos os dias. Eu tinha que trabalhar e a minha cabeça tava em outras preocupações como o alcoolismo do meu pai. Perdi o ânimo, num certo ponto a vontade.Eu era genial mas inconstante. Criativo, mandava punchs que levava a plateia ao delírio mas eu era cheio de deficiências técnicas que acabei não corrigindo nunca.
BF: Em Setembro você lançou o som “Ei, Bolsonaro” fazendo críticas ácidas ao político. De onde veio a ideia de fazer esse som? Como foi a composição?
Tom: Eu já venho acompanhando a vida política do Bolsonaro há alguns anos. Notei que ele nunca foi levado a sério por adversários ou pela imprensa. Isso foi um erro. Ele devia ter sido combatido de maneira inteligente já no passado.
A candidatura dele tomou proporções inimagináveis, o Rap só falava do próprio Rap e para o público do rap, praticamente. Em um som ou outro alguém fazia uma crítica a ele, mas ao meu ver, de maneira ainda genérica. Eu vi “artistas”( ponha muita ênfase nas aspas) fazendo sons de rap em apoio ao mesmo, vi Mcs que sempre foram contra o que ele defende, apoiá-lo. Achei surreal. Quando lancei, ninguém ainda tinha feito um som crítico diretamente pra ele. Era como então se o Rap fosse conivente. Garimpei beats e mais beats entre demasiados catálogos, quando o Cínico me mandou uma lista. Achei um que traduzia a minha indignação. Fui então escrever, eu resolvi abordar as contradições do candidato em primeiro plano, foi onde bati com mais violência (poeticamente falando gente). Não apenas isso, na minha concepção, devido talvez a ingenuidade, movimentos e militâncias fizeram muito marketing gratuito em favor do Bolsonaro. Então resolvi criticar também o desleixo e a desorganização desses movimentos em relação às suas prioridades.
Fiz um refrão simples e direto. No meio das técnicas e metáforas que usei nos versos, optei pelo escárnio.
No fim, ainda ficou muita coisa de fora, mas muita mesmo. Tinha ainda muito mais pra ser dito. Mas lembrei de deixar uma homenagem a Marielle, que merece uma música inteira para ela.
BF: Nessa semana, o “Ei, Bolsonaro” alcançou a lista das 50 virais no Spotify. Para você, qual a importância de um rap contra o Bolsonaro estar crescendo na cena?
Tom: Não só isso, mas a “Ei, Bolsonaro” ficou alguns dias em primeiro lugar nessa lista. Eu na verdade não acho que esse Rap em específico tenha crescido na cena. O público que atingimos em sua maioria quase que absoluta, não tem relação com o Rap. Recebi mensagens de muitas pessoas nesses últimos dias, nenhuma delas faz parte do público fiel do Rap. Eu na verdade ainda não existo pra cena do Rap. Já na cena musical, eu acho que traz mais um ponto pro Rap e para o Hip Hop. Quando eu atingi o ° 5 lugar, fui chamado de resistência ao lado de Geraldo Vandré por matéria do Portal Popline sobre era lista. Essa com certeza foi uma das maiores conquistas da minhas vida.
O beat, como eu disse, foi feito pelo Cínico, do Canella Fina, a gravação, mixagem e masterização por conta do Scooby, o mesmo que assim que eu terminei se gravar o refrão, sugeriu a voz da Pri Lippi que fez juntamente com o Evolluwill.
BF: Aproveitando o tema político, para você quais os principais temas nós do Hip Hop devemos refletir agora em Novembro, mês da Consciência Negra? Especialmente após a eleição do Bolsonaro (e do João Dória no Estado de SP)?
Tom: Reorganização. O Hip Hop se distanciou muito das quebradas, se elitizou em público, sim, mas o real problema é a elitização intelectual do Hip Hop que permaneceu na quebrada. Não há mais diálogo, a favela tem nos entendido cada vez menos e graças a isso abraçado mais o opressor. A reaproximação tem que acontecer de maneira inteligente, hoje há muita distorção à respeito dos propósitos e diretrizes da cultura. O Hip Hop tem sido usado em favor de tudo aquilo que historicamente ele foi contra.
Agora corremos riscos ainda maiores, estamos enfraquecidos como nunca, é hora de esfriar a cabeça e por as prioridades em pauta, puxar os desgarrados de volta com toda a paciência possível. Não temos poder econômico, não temos poder bélico e as forças de segurança estão contra nós. Só temos a nossa inteligência. Precisamos fazer os negros e os pobres entenderem os mecanismos que os violentam, fazer volume, pois muitos estão do lado de lá, crentes de que o sistema é igualitário e cegos para o fato de o estado tratar o cidadão por classes.
É preciso explicar a estrutura e os estereótipos e como isso torna cada um de nós um alvo, mesmo se vestirmos a camisa deles. Precisamos nos proteger, mas não podemos sob hipótese alguma aderir o silêncio, a inércia nos afogaria. Mas além disso precisamos usar tudo o que tiver ao alcance e manter vínculos em todas as esferas possíveis, toda ajuda é bem vinda(algumas problematizações chiques vão ter de esperar).Com um discurso bem nítido, podemos legitimar nossa causa.
No resumo é isso, não meter os pés pelas mãos, abrir mão da arrogância para juntar os nossos e parar de entregar armas ao opressor. Lutemos com sabedoria, enfrentando o medo, pois viver como medo não é viver. UNIÃO.
BF: Agora em julho você lançou seu EP ” Fodamental”. Na faixa-titulo você faz críticas ao hype da cena rap BR. Um verso seu diz “Meu talento não cabe em uma caixa“, onde a caixa seria a padronização do rap em fórmulas de sucesso. Poderia falar mais sobre isso?
Tom: Leitura perfeita Arthur, é um trocadilho direto com “Rap Box” e o padrão dentro da caixa. No passado, a cena independente revolucionou, ganhando espaço e dando trabalho para a indústria como disse o próprio projota num verso “hoje para as gravadoras somos mais do que problemas” . Depois vieram muitos artistas graças a isso. Formaram-se grupos, coletivos, selos, bancas e etc. A cena. Que copiou a fórmula norte-americana quase em 100% e quase sem criar nada em cima disso. O público se acomodou, virou um padrão. A preguiça dos ouvintes em procurar por novos artistas criou uma nova indústria. Pra aparecer tinha que seguir um padrão e ter a oportunidade, ou seja ; o respaldo de alguém já hypado, fosse com participação em trabalhos ou ações midiáticas. Ficou artificial de mais. Sou contra o conservadorismo musical, gosto de todos os estilos de Rap, de todas as abordagens. O rap é livre, como tem que ser. O desprezo pela raiz do Hip Hop é que me preocupa. O desconhecimento das razões que culminaram no nascimento do Hip Hop é assustador, Mcs conceituados e com público não sabem o básico da cultura. Ninguém é expert, eu não sou e aprendo todos os dias coisas novas. Velhas coisas novas. Eu sou a favor de inovar, de criar mas respeitar a base.
BF: Na faixa que fecha o EP – “Elefantes do Anoitecer” – você fala sobre a sua história pessoal e destaca ser um MC de esquerda. Para você, qual é a importância dos MC’s assumirem suas visões políticas ?
Tom: A faixa “Elefante do Anoitecer” é uma homenagem ao Maito Gai. Personagem do anime Naruto. Fiz um paralelo usando a história dele para contar um pouco da minha. Todas as metáforas são ligadas diretamente ao Gai, pois é um dos meus personagens favoritos. Fiz ataques à João Dória pois dentro das temáticas que proponho, um assunto vem puxando o outro dentro da coerência de um contexto geral.
Aí vamos à parte delicada. A minha formação política sempre foi de direita. Influenciado pela minha vó que nem devia saber a diferença entre bases ou polos políticos. Ela gostava de José Serra e eu acabei pegando gosto também. Mais tarde fui influenciado por um tio, que é direitista na adolescência eu defendia a direita com unhas e dentes. Mesmo escutando Rap (eu ainda não sabia haha). Depois da briga entre o rapper Mamuti 011 e a equipe de campanha de José Serra(que rendeu o som ‘E agora José ?’), além de severas críticas do Mano Brown ao PSDB, eu pude entender a ligação entre a o problemas que eu enfrentava(e ouvia nos Raps) diariamente e as políticas segregacionistas. Eram frentes, propostas de um tipo de governo que de maneira velada e demasiadas vezes cínicas, sempre promoveu a injustiça e jugo sobre o povo pobre e periférico. Aí está a importância do posicionamento.
Hoje eu não me considero de esquerda, não só pela sua defasagem mas também por pessoas como eu terem suas próprias prioridades. Mas aí está, precisamos trabalhar e pensar dentro da realidade certo? A minha posição como a de gente igual a mim, não permite a neutralidade. A esquerda com todos os seus defeitos, visou a justiça social. Algo que a sociedade declarada de direita faz questão de não querer entender.
Meritocracia é utópica dentro da nossa realidade. Os estereótipos vão pesar nos negros, causando mortes pelas mãos do estado,com “justificativas” ridiculamente hipócritas, o peso da desvantagem vai cair em cima do trabalhador mais pobre, que vai sustentar a economia sem recompensas justa, a mulher vai coadjuvar, o Gay vai ter seus direitos básicos negados e vistos como privilégios, etc… Ou seja, na prática, o jogo só é justo de fato para um tipo de cidadão.
Se a gente realmente vivesse num país ou mundo igualitário, que nivela todos com as mesmas oportunidades, sem dívida com um passado manchado de sangue e covardia, eu seria de direita hoje é defenderia a meritocracia com o devido respeito de escolha a cada um. Mas essa não é nossa realidade.
Enquanto a esquerda oferecer para nós justiça social e um pouco humanidade, vou optar por ela e estarei contra a direita. Esse é meu pensamento hoje.
BF: Antes de finalizar, gostaria de te perguntar rapidamente: – Um livro (ou Quadrinho)? – Um filme (ou série/anime)? – Uma música? – Uma pessoa que te inspire?
Tom: Vamos lá…- “O Príncipe Fantasma” – “Hurricane” – “Nego Drama” – Mano Brown
BF: Para fechar, quais mensagens você gostaria de deixar para as pessoas que acompanham seu trabalho e para os leitores dessa entrevista)?
Tom: Sempre foi difícil. Tempos sombrios sempre passam, tenhamos fé. A música vai cumprir seu papel, artistas como eu estão aqui para isso. A história se encarregará de mostrar o lado certo e o errado, o que não dá é esmorecer agora.
Quero deixar meu muito obrigado pela oportunidade a você Arthur e ao Bocada Forte, obrigado à as pessoas que me ajudaram, Cínico, Pri Lippi, Scooby, Evolluwill, Wordcai, ao Carlos Alberto, Vitor Gabriel e a Black Pipe e obrigado à cada ouvinte que fez a música se espalhar.
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