Conheça Carlos e Vitor, os criadores da rede Black Pipe Entretenimento
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#HipHop #Blogs | A Black Pipe Entretenimento (BPE) é uma produtora de conteúdos no formato texto e audiovisual que tem ganhado cada vez mais destaque trazendo uma proposta inovadora: conteúdos do mundo nerd/geek, lifestyle e música (principalmente dentro do espectro do hip hop).
Na atividade desde 2016, hoje o projeto é encabeçado por Carlos Alberto F Pires e o Vitor Gabriel, e desenvolvido ao lado de uma série de colaboradores.
Em entrevista exclusiva, feita com Carlos e Vitor no estúdio da Black Pipe na região de Itaquera (Zona Leste da cidade de São Paulo), falamos de tudo um pouco: desde as origens da BPE até reflexões de ambos a respeito do cenário atual do rap nacional, e as perspectivas que tem sobre nosso cenário político atual. Confira:
BLACK PIPE: ORIGENS
De cara, Vitor já chega comentando que o nome “Black Pipe” nasceu de uma gíria: “Eu gosto muito de Claudinho e Bochecha e, em certa época, estava ouvindo as músicas novas. Em 2013, ele tinha lançado “Hot Dog” onde ele fala “ei novinha, ei gatinha / vai tomar um Black Pipe”. E eu tinha achado muito engraçado, muito aleatório, não tinha entendido nada. Comecei a mandar a música para todo mundo, geral foi curtindo e começamos a usar Black Pipe como gíria pra uns bagulhos que são muito loucos. Em vez de falar “eu sou foda”, a gente falava “eu sou black pipe”. O nome do nosso grupo acabou virando Black Pipe. Como estávamos envolvidos em muita coisa no rap – na organização de batalhas aqui na Zona Leste, alguns rimavam – criamos um grupo para nos organizarmos e eu chamei de Black Pipe Entertainment, em inglês mesmo, por brincadeira”.
Após algumas brigas com pessoas que estavam correndo com eles na época, decidiram criar algo próprio deles. Vitor então decidiu seguir essa ideia: fez uma página no Facebook e, em menos de uma semana, criou o site: “Na época, eu tinha a hospedagem do site com o meu currículo, que não estava usando, e paguei um domínio. Então começamos. Eu sabia de rap, de coisas geek, de moda e de webdesign, porém não sabia nada sobre jornalismo. Aprendendi muita coisa na prática mesmo. A gente sempre prezou pela qualidade e estamos aí”.
Carlos enfatiza que a criação da BPE aconteceu, 2016, também como uma resposta a um embranquecimento do rap. Não que houvesse algo pessoal contra a galera que estourava nessa época, mas as ideias simplesmente não batiam: “Na época em que começamos o Damassa Clan estava em alta e a gente não se sentia representado. Claro que os brancos podem fazer rap, mas na época do Damassa era como se eles tivessem inventado o rap. Tudo era DMC”.
Foi justamente aí que veio a inspiração da BET – a Black Entertainment Television, um canal de entretenimento voltado para o público negro norte-americano. Eles tiveram um primeiro contato com a BET lá em 2000 e bolinha quando a gente do rap comprava DVD’s com videoclipes nas banquinhas e, em muitos dos vídeos gravados, vinha o logo da BET.
Por fim, a Black Pipe traz também informações sobre cultura nerd/geek. Como Carlos diz: “a gente sempre curtiu coisas geek e não se sentia representado nos eventos. Hoje tem mais negros nesses rolês, mas mesmo assim ainda são poucos. Nas batalhas que a gente organizava e participava, a gente via pessoas negras que consumiam quadrinhos, videogames e percebemos que precisávamos ocupar esses espaços. Nós entrevistamos o Mamuti 011 e ele falou que também cresceu influenciado pela cultura geek mas que não sabia muito como juntar as duas coisas – uma época ele até inventou um personagem separado onde rimava com referências geek para que não fosse mal visto no rap tradicional. Até ele perceber que o caminho era ocupar mesmo esses espaços”.
Para a dupla, o Hip Hop deveria ter mais representatividade na cena geek, como nos eventos por exemplo. Se na gringa, eventos geek contam com a participação de MC’s grandes como Donald Glover/Childish Gambino e 50 Cent, o Brasil não deveria se contentar em chamar apenas o Emicida para compor a programação desses rolês. O Vitor conta que já trombou vários rappers em eventos de game, por exemplo, até porque essas pessoas “se não jogam RPG ou algo do tipo, muito provavelmente consomem algum jogo de Futebol”.
BLACK PIPE: ANO UM
Mas de onde Carlos e Vitor se conhecem? Ambos são da mesma quebrada mas, ambos nerds e do rap, começaram a trocar ideia numa festa funk:
Carlos: Eu nunca tive estereótipo de nerd, sempre fui popular. Então por mais que eu consumisse coisas nerds, não parercia. Eu lia muito quadrinho e HQ, mas não andava com os nerds: eu andava com os vida loca da quebrada (risos) e os nerds da escola ficavam revoltados, eles não acreditavam que eu gostava das mesmas coisas que eles.
Vitor: Eu já era mais nerd. Sempre gostei de coisas nerds e de skate. Na escola, não era da turma do fundão, mas falava muito sobre cosias nerds e skate. E depois descobri o rap, que foi muito importante na minha formação.
Carlos: Sempre fiquei entre o nerd e o popular. De domingo eu ia no baile funk e na segunda ia na banca comprar quadrinho. Eu conheci o Vitão em um baile funk aqui na quebrada. Todo mundo na rua, meus amigos daqui sempre foram do funk e eu era o diferente. Antigamente, de final de semana, eu produzia batalhas ou colava em rolês de rap, mas a noite não. Era difícil ter evento de rap à noite. Então eu voltei pra quebrada e a gente começou a trocar ideia lá na festa. Na época a gente tava descolado no rolê. Por sermos do rap, a gente tava com boné aba reta. Eu perguntei se o Vitão curtia rap e começamos a trocar ideia.
Na escola eu sempre fui identificado pelo rap – eu ouvi desde cedo por infliuência dos meus tios. Tinha uma época que na periferia só tocava rap tipo NDEE Naldinho, Doctor MC’s, Xis, Racionais. Sempre gostei de todo tipo de música, mas o rap sempre me pegou mais. Eu cresci nesse ambiente do rap. Passei a consumir rap internacional com Eminem, 50 Cent. Eu já ouvia alguns por sempre tocarem nas festas de quebrada mas conhecia sem saber o nome. Pra mim, quem realmente pegou a periferia, foi o 50 Cent. Na época estava chegando o Orkut, o MSN e eu comecei a ver que os MC’s tinham sua própria coleção de roupa. Aí fui entender mais sobre moda e comecei a me interessar em lifestyle.
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SER OU NÃO YOUTUBER?
Falando sobre a construção da Black Pipe, Carlos e Vitor enfatizam que nunca quiseram ser youtubers. Ou seja, por mais que produzam conteúdos na plataforma, eles entendem como coisas diferentes ser uma celebridade no canal e produzir reflexões. E tudo isso, no contexto do rap nacional, é algo ainda mais importante para a dupla:
Carlos: A gente nunca quis ser youtuber, nunca achei isso dahora. Grande parte dos yotubers não manjam nada. Muita gente ruim tem sucesso e reconhecimento e pessoas talentosas e que estudaram não. Sempre achei o Youtube muito racista, inclusive. Quantos youtubers negros famosos você conhece? Mesmo que tenham alguns, existe certa mendicância aí quando os youtubers brancos gravam vídeos com youtubers negros, como se estivessem fazendo o favor de abrir espaço para eles. Se o Youtube nasceu para quebrar o padrão da televisão, no final das contas acabou ficando igual. É raro ver youtubers negros em acensão, ou mesmo youtubers progressistas, LGBT’s que falem sobre questões sociais. Por conta disso sempre demos preferência a produzir vídeos de conteúdo, não pagando de youtuber.
Vitor: Você pode produzir no Youtube sem ser youtuber (ícone). Nós queremos que o foco seja o canal Black Pipe, nossas ideias, não nós no pessoal. Pra gente, se o Black Pipe for mais hypado do que as minhas redes sociais, isso é melhor!
Carlos: Me da uma raiva certos youtubers de rap nacional que, em muitos casos, fazem react e análise para promoverem o próprio som, mas já tendo um público. Pode reparar que a maioria é assim. A cultura do react é besta. A galera não consome conteúdo.
BLACK PIPE NA ERA DO APOCALIPSE
A Black Pipe pode ter seu foco em entretenimento, mas nem por isso deixa de refletir sobre o tipo de conteúdo que produz de maneira crítica. Ou, como ele próprios escrevem na descrição do site, “Às vezes (quase sempre) levaremos para o lado cômico, como também iremos tratar de assuntos sérios mas sempre tentando balancear de uma forma agradável, isso é Black Pipe Entretenimento.”:
BocadaForte: Para vocês, quais posturas nós, blogs e mídias de rap e hip hop, devemos ter no atual contexto político?
Carlos: Manter a postura crítica. O Bolsonaro é racista, homofóbico, machista. Se focarmos e escrevermos em nossos espaços apenas sobre eventos e lançamentos e fingirmos que nada aconteceu, fodeu.
Vitão: Nós temos que produzir conteúdos para as minorias. Muitos espaços que foram conquistados com muito suor vão sumir com um estalar de dedos como o Thanos. Cabe às mídias independentes dar visibilidade a isso. Para as mídias que são pagas, eles vivem disso e não podem perder o sustento deles. Mas, para nós que somos independentes, precisamos ser resistentes.
Carlos: E nós precisamos nos comunicar com as nossas quebradas. É como o Mano Brown falou: precisamos voltar às bases. Se não falarmos com o nosso público, quando o Bolsonaro assumir vai cortar tudo sem qualquer resistência. Nós ainda começamos no rap na época em que era feio ser do rap. Hoje o jogo virou: é legal ser do rap.
Vitão: Fora que hoje tem muito branco querendo ser negro. Tem pai negro, avô e já afirma para os quatro cantos que é negro. Mas no Brasil o racismo é diferente dos EUA. Lá o Logic é reconhecido como negro, por ter o pai negro. Aqui no Brasil o racismo é definido pelo tom de pele.
Carlos: E no rap isso é muito comum. As pessoas brancas estão chegando na cena se dizendo negras ou relativizando o racismo. Dizem que por terem ouvido algo ruim relacionado ao fato de serem brancos, isso já é racismo. E não é bem assim né? Essas pessoas não tiveram de crescer ouvindo comentários negativos sobre o cabelo delas, o nariz, a cor de pele.
E também tem um grupo de pessoas brancas que se incomodam com falas antirracistas no rap, quando por exemplo alguém simplesmente constata que o rap é um gênero musical negro e alguns brancos se incomodam dizendo que o rap não tem cor. E também tem aquelas pessoas brancas, até que bem intencionadas, que querem falar por nós. E nós estamos aqui para falar por nós mesmos! Tipo o Fábio Brazza. A gente já falou com ele, ele é super legal. Mas ele poderia evitar certos temas nas músicas dele. Muitas vezes ele diz as mesmas coisas que MC’s negros dizem e é respeitado, é mais valorizado do que os MC’s negros.
BocadaForte: Como vocês estão lidando com o hate dos bolsominions na página de vocês?
Carlos: eu dou risada. Porque eles fazem vários textões vazios e eu dou risada mesmo. A gente lançou uma nota pela Black Pipe [posicionando-se contra falas de Bolsonaro] e apareceram vários bolsominions. É bizarro! Nem sei o que dizer. Devem ter pessoas que ficam 24 horas procurando quem fala sobre Bolsonaro e defendendo ele enquanto pessoa. A obsessão que eles tem é bizarra! Por mais que você prove que ele fala absurdos, sempre vão voltar a dizer algo sobre o PT para encerrar uma conversa.
BocadaForte: E sobre a lei Rouanet também né?
Carlos: Sim! E muita gente nem sabe como a lei Rouanet funciona, que o dinheiro vem de empresas privadas. A gente tenta informar, mas é bizarro.
Vitão: Eu sempre tento informar, mas raramente eles ouvem ou refletem sobre aquilo que dizemos.
Carlos: Nós temos que ser didáticos através de textos, vídeos. Dá para fazermos textos sobre lançamentos, mas também precisamos de conteúdos críticos, informativos e articulados com movimentos sociais. Precisamos ser didáticos e mostrar que um presidente não pode dizer o que o Bolsonaro diz, por levar a uma série de consequências negativas.
Vitão: E tem uma série de contradições. Por exemplo: tem nazistas no Brasil que explicitamente apoiam o Bolsonaro. Aí ele disse que o nazismo é de esquerda. Mas os nazistas apoiam o nazismo justamente por ser um movimento de extrema direita e, ainda assim, apoiam o Bolsonaro.
BocadaForte: Estamos na metade de novembro – mês da consciência negra – em um ano muito louco com muitas perdas, como o assassinato da Mariele, e a vitória do Bolsonaro nas urnas. Para vocês quais pautas nós devemos discutir dentro do Hip Hop nesse momento?
Carlos: É a mesma fita: combater e ser didático. Temos que falar da Mariele até acharmos os culpados. Porque foi um crime político! E nós no Hip Hop não podemos deixar de falar sobre. Se nós deixarmos de falar, a Mariele vai ser só mais uma entre tantos que morrem todos os dias. Ainda mais com esse governo que vem, não sabemos muito o que esperar. Temos um presidente maluco, um governador [João Dória, do PSDB-SP] também maluco: precisamos que o Hip Hop seja combativo como era nos anos 90. E usando a internet a nosso favor.
Vitão: Precisamos todos trabalhar numa forma a não priorizar apenas o dinheiro. Todo mundo precisa de dinheiro, não é uma crítica. Não é feio ganhar dinheiro. Mas, se você deixar de se posicionar quando é necessário por conta disso, muita coisa ruim pode acontecer. Muitas vidas podem ser perdidas se um papel é assinado. Não podemos deixar de nos posicionar por questão de grana ou de perder seguidores. Não podemos ter medo e deixar de fazer algo porque certo público ou contratante é meio bolsominions. Se eles forem, fodam-se eles. Precisamos ser menos individualistas: precisamos ser menos lacradores, brigarmos menos entre os nós e nos fortalecermos. Precisamos pensar coletivamente.
Carlos: Hoje temos muitos influenciadores lacradores mas que, na vivência, são uns cuzões.
Vitão: Hoje precisamos fazer o que achamos certo, não pensando apenas se vão gostar do que vamos dizer.
Carlos: Dentro disso, outra coisa que acontece são páginas de rap, como o Rap24 Horas, que fazem matérias curtas. E nada contra! Mas as vezes eles copiam um lifestyle americano falando sobre fofoca, sobre tweet de ataques entre celebridades e isso não tem nada a ver com o que acontece aqui no Brasil. Uma das consequências é o público acreditar que a galera do rap tá cheia de dinheiro e não é bem assim. A maioria de nós ainda anda de busão, não tem grana pra ir em show. São poucos que conseguem grana suficiente, como os gringos, para viver disso, comprar um carro, comprar uma casa com essa grana. E quem escreve, de verdade, não tira dinheiro disso. Quem escreve conteúdo crítico nunca é lembrado e isso é terrível considerando o contexto atual.
A galera ainda acredita que existe um rap game. E não existe, mano. Eu falei isso pra uns manos esses dias e eles ficaram bravos. Mas não existe rap game. Eu to em camarim direto, em show, com caras grandes e caras pequenos. Os caras que fazem show voltam pra casa de condução igual o público. A galera acha que nos camarins de rap vai ter muita grana e droga. Mas não é bem assim, o povo viaja. Quem é que tem patrocínio hoje? Ainda são poucos.
BocadaForte: Quais mensagens vocês gostariam de deixar para quem acompanha o trampo de vocês e para quem está lendo essa entrevista?
Vitor: Para quem se interessar pelo bagulho, a gente é super acessível. O Carlos ainda mais do que eu. Nós estamos aqui para crescer junto com o rap, não para crescer às custas dele, como se fosse uma escada. Abordando temas políticas e falando sobre assuntos de negritude porque é algo que está no DNA do que fazemos.
Carlos: Estamos aqui para somar. Gostamos de conhecer novos artistas, do rap ou não. Então colem com nós: sejam artistas, público, outros blogueiros.
Vitor: E também agradecer pela galera que acompanha e gosta do nosso trabalho, do nosso conteúdo. Esse pessoal dá uma força enorme para o que fazemos.
Carlos: Quero também deixar um beijo e um agradecimento à minha namorada, Bruna Quintal.
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