Com forte influência e ideologia da Golden Era, X’Guil cede entrevista ao BF
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43#Entrevista | No dia 10 de junho, o rapper gaúcho X’Guil lançou em parceria com o RAP LongaVida o disco “O Que Não Mata, Fortalece”. O repertório é composto por dezessete faixas que foram escritas e gravadas no período de 2011 a 2017, incluindo algumas das que integraram o premiado EP “Só Pra Tê Uma Ideia“ (2013/2018) e faixas inéditas que contam com participações de nomes conhecidos da cena gaúcha. Destaque para a faixa “Viver Bem“, cujo videoclipe, lançado em 13 de maio, já alcançou mais de 23 mil visualizações no Facebook. A produção do disco é assinada por Monstro Beats e DjBandeiraBeats, dois grandes e conhecidos produtores da cena RAP gaúcha. Tanto no estilo da capa quanto nas músicas que integram o disco, é possível perceber a forte influência da estética e ideologia do Hip Hop dos anos 90, conhecido como a “golden era” do RAP. O projeto se mostra um prato cheio para os amantes dessa época do RAP que revelou tantos grandes nomes e grandes discos do gênero. Para falarmos sobre o álbum, política, rap’s e outras cositas mas, convidamos o rapper para uma conversa que foi iniciada em 4 de agosto, via aplicativo Whatsapp, e por alguns dias sem hora marcada, foi respondendo conforme o tempo dava.
BF: Salve X’Guil, então mano, falando sobre os preparativos do teu primeiro disco “O que não mata fortalece“, lançado em julho, a gente viu que tu relançou o EP “Só pra tê uma idéia” de 2014, queria saber o porquê de relançar o mesmo.
XGUIL: Salve! Primeiramente quero agradecer ao BF pelo espaço. É uma honra poder estar aqui! Pra entender o porquê do relançamento é preciso entender a história do EP, vou resumir: como o próprio nome do trabalho sugere, ele era só para se ter uma ideia de como seria o disco O Que Não Mata, Fortalece, uma prévia. Ele foi inicialmente lançado em 2013, só que como só conseguimos finalizar o disco em janeiro desse ano, daí que surgiu a ideia de relançar. Até porque esse relançamento foi exclusivo para as plataformas digitais e como as faixas ainda não estavam disponíveis nesse formato, achamos que seria interessante disponibilizar esse material também por lá já que na primeira edição ele foi distribuído gratuitamente pelo Mediafire.
BF: Ainda sobre o EP, porque a faixa “Adivinha Quem Voltou” foi a única que não fez parte do álbum?
X’GUIL: desde a concepção inicial do OQNMF até o lançamento dele, eu mudei muito em vários aspectos. Meus gostos mudaram, amadureci muito tanto musicalmente quanto pessoalmente e admito que a “Adivinha Quem Voltou” é uma faixa que eu gosto bastante, porém acho que o estilo dela não se encaixaria no contexto do OQNMF. Acho que é preciso se ter essa visão crítica sobre o próprio trabalho, pra que tudo fique condizente e não estrague o conjunto da obra.
BF: Mano tu falou sobre relançar pelas plataformas digitais, o quão é importante esse novo formato nos dias de hoje?
X’GUIL: é uma nova forma de se consumir música. Graças as plataformas, hoje em dia já não existe mais aquela obrigatoriedade de baixar a música que tu gosta pro cartão de memória do celular, fazendo muitas vezes ele se sobrecarregar e ficar mais lento. Confesso que eu tinha várias dúvidas sobre o assunto no início, quando eu e o Bob Raplv estávamos planejando o lançamento do disco, mas é algo que não tem mistério. O mundo muda, as pessoas mudam, a forma de se consumir música muda, e nós que vivenciamos essa parada temos que estar atualizados com o cenário. Ou tu te atualiza ou fica ultrapassado. Mas existe também uma verdade que não pode passar batida: não são 100% das pessoas que consomem a tua música que vão estar usando as plataformas, tem gente que ainda usa celular com teclado, e em respeito a essas pessoas a gente tem que distribuir a música também pelos outros métodos mais antigos. Estar atualizado é fundamental, mas é preciso não se cegar completamente pelas tecnologias atuais.
BF: Ouvindo a faixa “Tamo Atrasado“, entende-se uma dura crítica, à falta de uma lúdica ou utópica união do rap brasileiro. A track em seu contexto é uma “diss”?
X’GUIL: de modo algum. Diss é quando tu faz uma música direcionada a alguém em específico e na “Tamo Atrasado” eu falei para o movimento como um todo. Acho essa parada de diss um desperdício de tempo, papel e tinta de caneta mas sei que tem uma grande parcela do público do RAP brasileiro que curte isso, então respeito. E também tenho que ser sincero em admitir que já não acredito mais nessa parada de “união” entre todos. Escrevi a “Tamo Atrasado” em 2011 e como eu já falei mudei muito de lá pra cá. O RAP é feito por seres humanos, e onde tem seres humanos envolvidos é impossível que haja uma união absoluta em prol de um único objetivo. Na teoria é lindo, mas a realidade é bem diferente.
BF: Na faixa “Intro: Luz, câmera, Ação“, tu se desculpa, pela demora do lançamento do álbum, e pelo o que entendemos, foi um processo de no mínimo 6 anos. Na resposta anterior, tu disse “que mudou muito de lá pra cá“. Em tempos como de hoje, cheio de informações, e notícias que se tornam antigas em pouco tempo, como se faz um álbum se tornar atual, quando temos tais “problemas” citados?
X’Guil: meu irmão Cris Alli, que inclusive aparece três vezes no disco, costumava falar uma parada que eu levo pra vida: tem quem faça música pro tempo e tem que faça música pro momento. O que eu procurei fazer com o OQNMF foi isso, um trabalho atemporal que se for ouvido hoje ou daqui há dez anos vai ter o mesmo efeito em quem escuta. Até inclusive voltando na questão da faixa “Adivinha Quem Voltou“, essa foi uma das questões pelas quais ela não foi pro disco, pois ela fazia menção a coisas e pessoas do ano que foi escrita, 2012 no caso. Fazer um álbum nunca é fácil, mas é mais simples fazer um álbum falando sobre assuntos recentes, com os instrumentais e efeitos de voz que estão sendo usados atualmente do que fazer um trabalho atemporal.
BF: Em 2009 tu lançou o álbum “Tiro no Escuro“, certamente uma alusão metafórica ao teu primeiro trabalho. Nos descreva a sua evolução de lá pra cá.
X’GUIL: a evolução não foi apenas lírica, foi geral. A começar que mais da metade do “Tiro no Escuro” foi gravada em cima de instrumentais norte-americanos, alguns bem conhecidos e outros não, era o que eu e a maioria dos irmãos da época tínhamos a nossa disposição. Sem contar as questões de qualidade de produção, divulgação, participações… mas já que a pergunta se refere a questão lírica, eu costumo dizer que eu era muito “meloso” na época. Gostava de fazer música romântica sem ter tido grandes experiência amorosas. Eu fazia RAP de festa sem ser frequentador de festa, RAP gangsta sem nunca ter pego numa arma na vida… eu achava que mostrando versatilidade nas letras iria atingir os mais variados públicos de RAP. Já no OQNMF eu desencanei dessa ideia. Fiz as letras que eu quis fazer, com os flows, instrumentais e assuntos que eu quis, enfim… o OQNMF é uma espécie de livro musical meu. Não me envergonho do cara que eu era naquela época, mas sonoramente falando, o OQNMF me agrada muito mais do que o Tiro no Escuro, e acredito que quem ouviu os dois trabalhos vai concordar comigo.
BF: Na faixa “Reflexão“, tu cita: “É mais um ano de eleição…” E não podemos deixar de discutir sobre a onda de “rappers de direita“. Esse fato pra ti, faz parte da democracia em si ou falta de informação?
X’GUIL: bom… já que entramos nessa questão, vai ser impossível eu responder ela sem que a minha posição política influencie na resposta, e sou de esquerda. Eu acho que o RAP não pode se prender a padrões e estereótipos, digo em termos de assuntos abordados. Tem que existir o RAP pras pistas, romântico, reflexivo, mas jamais podemos deixar que a coerência nas ideias se perca. O RAP em sua essência defende as camadas da sociedade que de alguma forma são desfavorecidas, e atualmente essas camadas não estão mais restritas unicamente às periferias. Estamos falando de mulheres, LGBT’s, deficientes físicos e mentais e isso já não está mais restrito aos guetos. A direita brasileira atual é excludente, preconceituosa, idolatra torturadores e criou estereótipos de pessoas e famílias que acham que são corretos e modelos a serem seguidos, ainda que esses modelos venham cobertos de uma grossa camada de hipocrisia. Por mais que os tempos tenham mudado, o RAP não deve JAMAIS ter ideologias que excluam nenhum tipo de pessoa. Portanto, sigo defendendo a ideia de que o RAP deve ser livre pra falar sobre o que quiser, desde que preze sempre pela coerência. A partir do momento que tu levanta a bandeira de uma ideologia política e/ou candidato que contraria esses princípios, tá errado. Não acho que pra ser do RAP tu precise ser necessariamente de esquerda, mas não acho também que a direita atual brasileira mereça que mc’s ou qualquer outra vertente do movimento Hip Hop (dj’s, b-boys, grafiteiros e produtores) apoiem seus ideais retrógrados.
BF: Além das três faixas que Cris Alli colabora com sua voz no #OQNMF, ele também produziu o clipe “Viver Bem” e criou a arte do disco. Anteriormente você se fez presente na collab “Mais que versos” do álbum “Sem se queimar” de Alli. E curiosamente vocês participaram juntos no “RapHour” um extinto programa de humor (e rap). Me fale dessa importante parceria.
X’GUIL: Cara, sabe quando acontece de tu criar uma afinidade incrível com uma pessoa logo de cara quando conhece ela? Uma coisa gratuita assim que tu não sabe explicar, simplesmente acontece… inclusive tem aquele ditado popular que diz que “o santo bateu”, né? A minha situação com o Cris foi exatamente essa. Comecei a ouvir falar sobre o trabalho dele no início de 2013, daí nos adicinamos no Facebook e começamos a curtir e comentar os posts um do outro, logo depois começamos a trocar algumas ideias por inbox até que viemos a nos falar pessoalmente de fato numa reunião que foi feita justamente para acertarmos os detalhes sobre o extinto e saudoso RAP Hour, que aconteceu no estúdio Casa Mal Assombrada Records, do DjBandeiraBeats, que é outro irmão que a vida me apresentou. Na época o Cris e o Bandeira estavam em processo de produção da “Sem Se Queimar“, mixtape do Cris toda produzida pelo Band. Daí surgiu a ideia de eu fazer uma participação na faixa “Mais Que Versos” que integrou a tape em questão. Conforme fui conhecendo o trabalho musical do Cris, percebi que ele é um cara dono de uma versatilidade musical que pouquíssimos caras na cena possuem, pois ele é um mc de mão cheia, com lírica e flow diferenciados, é um cantor e arranjador musical como poucos e por isso ele aparece três vezes no disco, duas fazendo refrão cantado e uma como mc e ele se sai lindamente em todas. A quantidade de vezes em que as nossas trajetórias musicais se cruzaram ao longo desses anos nada mais é do que reflexo da afinidade e gostos em comum que temos. Hoje em dia o Cris passou a dedicar a vida dele a Cristo na religião evangélica, mas isso não foi empecilho algum para que continuássemos com nossa amizade e trabalhos juntos. Nesse ano, finalizamos e lançamos o videoclipe da faixa “Viver Bem“, que é uma das que integra o OQNMF, e graças a Deus tivemos um retorno incrível, com mais de 22 mil visualizações do vídeo no Facebook. O Cris participa da música, fulmou, dirigiu e produziu o clipe, mostrando mais uma vez que possui uma versatilidade absurda. Conheci e fiz grandes amigos ao longo desses meus treze anos de corre no RAP, e o Cris com certeza faz parte dessa seleta lista junto com outros grandes caras.
BF: Pegando o gancho sobre parcerias, como foi finalizar o sonho de anos, na mãos de produtores de renome nacional, como DJBandeiraBeats & Monstro Beats (seria um crime não cita-los).
X’GUIL: foi uma experiência incrível. São dois caras que não são apenas mestres no que fazem, mas são grandes pessoas. Aprendi muito com os dois, são caras que abriram as portas das casas deles pra que eu entrasse e concretizasse esse sonho. Experientes, são produtores que tem um histórico no RAP que não é de hoje, um histórico construído com honestidade e qualidade, não possuem o nome que têm a toa. O Monstro não apenas assinou mais da metade da produção do disco como participou da “Música De Louco“. O projeto todo foi iniciado com ele, mas devido a uma guerra por pontos de tráfico entre duas grandes facções criminosas aqui de Porto Alegre que estourou na vila onde ele morava em meados de 2015/16, o Monstro se viu obrigado a mudar de cidade. Ele é um pai de família com esposa e dois filhos, a decisão dele é absolutamente compreensível, eu teria feito o mesmo. Faltavam poucos detalhes para terminar o OQNMF, eu já conhecia o Bandeira e tínhamos acertado que eu iniciaria um outro projeto totalmente feito por ele assim que eu terminasse o OQNMF. Porém, com essa mudança emergencial do Monstro para outra cidade, sentamos e conversamos, expus a situação para o Band e ele topou abraçar e finalizar o projeto do OQNMF. São mais dois caras que eu agradeço muito a Deus e ao RAP por terem cruzado o meu caminho, fazendo a diferença nele não apenas musicalmente, mas em termos de crescimento pessoal e espiritual.
BF: Quando ouço a faixa 6 do OQNMF, “Eles não podem morrer“, me lembra de uma forma totalmente ilógica a “Só” de Kamau, onde o rapper em sua primeira linha, rima: “Deprê do Rap de Costume“(risos). Fazendo essa rápida analogia, dentro desses longos anos de produção da obra, quantas vezes você se deparou repetindo o mantra: Sonhos, eles não podem morrer…?
X’GUIL: Nossa, cara… eu repetia ele todas as manhãs quando acordava e lembrava que tinha um disco pra lançar (risos). Aliás, repetia ele todas as vezes ao longo do dia quando eu pensava no disco. Na verdade, repito esse mantra até hoje em várias situações porque ele não serve apenas quando tu tem um disco pra lançar. Tu imagina, cara: a primeira vez que eu pisei na casa do Monstro pra dar início ao que eu idealizava como sendo o OQNMF foi em dezembro de 2011, e a primeira track gravada foi a “Música De Louco“. O disco só foi ser 100% finalizado em janeiro desse ano. Aconteceu uma infinidade de coisas diferentes na minha vida: troquei de profissão (era porteiro e hoje sou motorista), conheci a mulher com a qual sou muito bem casado hoje, enfrentei dois desempregos, perdi pessoas queridas… o resultado final do OQNMF, isso que tá na rede hoje é um produto que não tem nada a ver com a concepção inicial que eu tinha dele lá em 2011 quando tudo começou e admito que esse resultado me agradou muito mais sonoramente falando. Tudo que acontece na tua vida te influencia. Nesse turbilhão de emoções e acontecimentos, tinha dias que eu acordava motivadaço e outros que eu pensava em desistir umas vinte vezes por hora. O nome do disco faz jus a tudo que rolou nesses seis anos: o que não te mata, te fortalece.
BF: Tu começou a gravar em 2011, terminou em janeiro desse ano, e porquê lançar, só em junho? Como controlou a ansiedade (risos)?
X’GUIL: A ansiedade estava grande, mas eu e o Bob Raplv sentamos e planejamos juntos detalhadamente todos os pormenores do lançamento. Achamos que seria mais interessante relançar o EP “Só Pra Te Uma Ideia“, lançar primeiro o videoclipe da “Viver Bem” e depois o disco porque os dois primeiros serviriam de “aperitivo” para o disco. Felizmente, tudo ocorreu conforme o planejado. Também levamos em consideração que este é um ano em que temos dois eventos que movimentam massivamente a sociedade, a copa do mundo e as eleições presidenciais, quer dizer: era necessário controlar a ansiedade e não lançar tão em cima do término das gravações, mas também não podíamos esperar demais. Acredito que fomos certeiros nas escolhas das datas.
BF: Na track “Nada Vai Mudar“, temos a participação de Branco RP3, um dos ícones do rap gangsta em ativa no país, pois bem, como foi escolhido as participações do disco? X’GUIL: Pô, essa foi sem dúvida um das partes mais bacanas da “saga” de produção do disco, porque eu tive chance de ir pra estúdio com amigos meus de longa data e também com caras que eu admirava há algum tempo e através das participações deles no disco eu pude me aproximar deles. A escolha dos participantes se deu de acordo com o tema de cada som, tipo: quando eu começava a escrever um determinada letra, começava a me vir na mente que “pô, esse som ia ficar foda se o fulano de tal fizesse uma parte, esse tema é a cara dele”, tá ligado? O Branco por exemplo não iria se acertar participando da “De Outras Vidas” por exemplo, que é a única romântica do disco” ou também da “O Som Da Vila“, que tem uma pegada mais agitada. Seria até um desrespeito com ele e com todo o renome que ele tem na cena gangsta, mas daí como a “Nada Vai Mudar” fala sobre abusos de autoridade e preconceito da parte da polícia, achei que era mais de acordo com as ideologias dele, e deu no que deu, confesso que é uma das minhas favoritas do disco. Esse foi o critério utilizado para escolher os participantes do OQNMF. Graças a Deus, de todos que foram convidados houve apenas uma recusa. O time que consegui reunir ficou pesado. Foi uma honra poder trabalhar com todos eles.
BF: Em umas das faixas, que saiu tanto no EP, quanto no álbum, destacamos “Se não fosse o rap?” Que aliás vem com a participação de Paladino Zappata, então, valendo como observação, quanto vale a luta de lançar um álbum, de forma totalmente. independente no atual cenário musical brasileiro? XGUIL: O lançamento do mesmo é uma superação. Como falei algumas perguntas atrás, a vontade de desistir bate a tua porta umas vinte vezes por dia, mas daí tu ver pronta aquela parada que tu idealizou durante anos, a gurizada comentando, elogiando… porra, é um troço que não tem preço! Lá na firma onde eu trabalho até o meu gerente veio dizer que tinha baixado o disco inteiro no celular e que tava escutando direto no carro, o gerente, cara!!! Sabe? É uma sensação muito foda! Acho que todo mundo que entra nesse mundo nada fácil da música independente guarda no coração essas pequenas alegrias como se fosse uma estatueta do Grammy. É um sonho que o cara realiza, como comprar uma casa, um carro novo, fazer uma graduação em alguma área, etc.. E para o cenário musical eu acho que todo e qualquer trabalho que é feito com honestidade e verdade é bem recebido. Eu até cito isso na “Ninguém Faz RAP Só Porque Prefere“, que “quando é feito de coração se percebe”. Nesses sete anos de produção do OQNMF eu assisti o lançamento de grandes discos do RAP brasileiro como o “Cores e Valores” do Racionais, “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” do Emicida e “A Coragem Da Luz” do Rashid, e tu ver um trabalho teu pronto, feito com o mesmo profissionalismo e qualidade que os dos caras que tu mais curte é uma parada surreal, indescritível.
BF: Observando tuas redes sociais, tanto o Facebook, quanto ao Instagram, facilmente se vê que tu não tens aquela preocupação de “se mostrar artista”, ou viver uma vida dupla (risos), o quão é importante trazer essa naturalidade pra tua música? X’GUIL: Cara, tudo isso se resume numa única palavra: verdade. Eu não vivo uma vida de artista, ainda que eu seja um, porque RAP é música, música é arte e quem trabalha com arte é artista, ainda que exista uma vertente do RAP que ache que é crime se considerar artista. No estúdio e nos palcos eu sou o X’Guil, mas fora desses momentos eu sou o Guilherme, um homem casado de 28 anos ainda sem filhos por opção que tira seu sustento trabalhando como motorista numa transportadora. Sou chevetteiro, fã de Dragon Ball, colorado, admirador da cultura chicana, esquerdista e não tenho vergonha nenhuma de falar sobre esses assuntos na minha música ou nas redes. Por isso, quem me acompanha no Facebook e Instagram pode ver um post sério falando sobre política e na sequência um meme sobre algum assunto aleatório que postei porque achei bacana. Dali a pouco posto um link de algum som ou vídeo meu e logo após uma foto do caminhão que dirijo lá na firma. Tá ligado? Isso tudo é o que eu sou. Se eu tentar forçar uma imagem de artista famoso e requisitado, vou estar sendo falso não apenas com meus amigos, família e a galera que acompanha o meu trabalho musical, mas também comigo mesmo e isso não é legal. Tem quem curta e abrace esse lance de “alterego“. Eu respeito, mas pra mim não serve.
BF: Nessa entrevista, foi bastante citado Cris Alli, Bob Raplv, DJBandeiraBeats, Monstro…O quanto foi importante essas participações? E quem mais participou de forma indireta e direta na produção desse trabalho?
X’GUIL: esses nomes foram repetidos várias vezes porque é impossível falar do OQNMF sem cita-los. Monstro e Bandeira assinaram a produção do bagulho, e modéstia a parte não é qualquer produção, o troço tem qualidade. O Cris somou comigo em três faixas abrilhantando o trabalho, produziu e editou as imagens de capa e contracapa do disco e videoclipe, o Bob dividiu comigo todo o conhecimento e experiência dele em divulgação e distribuição musical que ele já traz de anos trampando com isso… tá ligado? Se fosse uma coisa que os caras fizeram porque eu paguei uma quantia substancial de grana, mas não. É amizade. São pessoas que eu frequento as casas, conheço os familiares, dividimos refeições, trocamos ideias sobre os mais variados assuntos que não se restringem apenas a música. São pessoas importantes pra mim, por isso que dediquei a última faixa do disco pra elas pra expressar pelo menos um pouquinho da minha gratidão. A minha mulher Loma, que é minha fortaleza e parceira de guerra, não podia deixar de brindar a nossa história de amor de quase seis anos com uma faixa também, no caso a “De Outras Vidas“, minha mãe, meu irmão, o tio Henrique que é o mais próximo de um pai que eu tive na minha vida, minha sogra que se preocupa comigo com um carinho de mãe… tenho uns amigos que admiro demais, sendo que alguns deles nem conheço pessoalmente, apenas pela internet como o Chaggas, Fred da Loucos Por Chevette… lá na firma onde eu trabalho tem uma turma boa também… tá ligado? Todas essas pessoas contribuíram de algum modo pra que o OQNMF fosse uma realidade, alguns atuando dentro do projeto, outros me cobrando que queriam que eu levasse um cd pra eles (risos), enfim… sou muito grato a Deus e a vida pelas pessoas queridas que me rodeiam. Não tenho do que reclamar.
BF:O que falta tu sair da internet? Em relação à eventos, shows. Não tivemos uma apresentação do álbum, certo?
X’GUIL: De fato, ainda não houve. Na verdade o que ainda não rolou foram convites, eu eu não gosto dessa parada de ficar pedindo pra tocar. Se for pra tocar, que seja em algum lugar onde queiram me ver, ah, e por favor, com meu nome no flyer (risos). Eu confesso que nos últimos anos fui ficando um pouco mais seletivo no que diz respeito a locais para tocar, e que fique claro que isso não tem nada a ver com “perder a humildade“, como vejo muito maninho falando por aí. É uma questão de auto-valorização. Como falei umas perguntas atrás, tenho 28 anos, dos quais treze são de dedicação e amor ao RAP. Sim, é amor, porque até hoje o retorno financeiro que tive foi mínimo. Por causa do RAP eu já arrasei pagamento de contas, deixei de dar uma banda bacana no fim de semana, deixei de comer boas comidas, comprar roupas da hora… e tudo isso pra ouvir maninho falando que “tem que ser pela cultura”. Na boa: eu já toquei em palco de madeira que precisei encontrar um ponto seguro e ficar parado estático em cima dele porque se eu desse qualquer passo pra um dos lados ou gesticulasse com muita força, tremia o palco inteiro, consequentemente tremia o sistema de som e fazia o pular o cd que tava tocando o instrumental do som que eu tava tocando. Apesar que também não fazia muito diferença porque tinham umas três ou quatro pessoas me olhando, o resto tava na copa comprando cerveja. Eu já tirei grana da puta que o pariu pra pagar um ônibus que levou eu e mais uns quantos grupos até uma cidade do interior do RS pra participar do evento. Foi prometido que todos poderiam tocar três músicas, mas daí o evento atrasou e a muito custo eu pude tocar duas… entende o que eu quero dizer? Não tô falando de grana, tô falando de qualidade. Um show não é uma parada que tu chega na hora ali e faz, pelo menos não pra mim. Tem ensaio, seleção de músicas e a ordem que elas vão ser tocadas, uma preparação de visual pra ficar bacana… sabe? E fora que eu suei seis anos pra botar esse disco pra rua, acho que ele merece ser apresentado em lugares bacanas. Não estou falando que só vou tocar se for pra abrir show de artista renomado, embora isso seja um sonho que eu tenho, mas pelo menos que seja num lugar bacana, com um sistema de som decente pra que me ouçam e que meu nome esteja no flyer pra não ficar aquele clima de que eu cheguei e implorei pra trocar e me deram uma brecha. Tem certas coisas para as quais eu não tenho mais saco, tempo e nem idade. Até porque, acho que o RAP merece ser visto em seu máximo esplendor e potência, não falo unicamente de mim, falo da estética dos eventos. É Isso.
BF: Entendo, mas não seria uma falha, quando foi feita a estratégia de lançamento? Não seria possível, um show de lançamento do disco, organizado por uma equipe ligado a você?
X’GUIL: Na verdade, bem na verdade mesmo, nós estamos em tratativas. Não vou entrar muito em detalhes pra não estragar a surpresa e também pra não correr o risco de criar expectativas e depois decepcionar no caso dos planos não darem certo. Estamos sempre bolando planos. Como diz meu irmão DjBandeiraBeats: Trabalhe duro e em silêncio e deixe que o sucesso faça barulho por você (risos).
BF: Na track “O Som da Vila“, você cita o estilo Chicano, a capa do álbum se assemelha muito aos álbuns gangstas dos anos 90′, fora as participações de Paladino Zappata, Branco RP3 e Foras da Lei. Seria errado em dizer que você faz parte da nova escola do Rap Gangsta?
X’GUIL: Mano, sinceramente, eu acho embaçado esse lance das “escolas” do RAP, tá ligado? Pelo seguinte: quantos anos é necessário que tu tenha de corre no RAP pra ser considerado da “velha escola” ou da “nova escola”? Uma vez questionei isso numa publicação no Facebook e um cara veio dizer com total e absoluta convicção que “de 1985 até 2000 é velha escola, de 2000 em diante é nova”, mas onde que tá escrito isso, cara? Eu comecei em 2005 e nunca li esse livro de regras do RAP que vejo muito cara defendendo. Outra coisa: o que te define como velha ou nova escola é o tipo de RAP que tu faz? Os temas que aborda nas letras? Beleza, mas então porque que tem cara com 15, 20 anos de corre se arriscando no Trap e tem guri que começou a fazer RAP há um ou dois anos atrás que se identifica com as ideologias do Eduardo Taddeo, A286, Realidade Cruel e outros tantos dessa mesma pegada? Entende o que eu quero dizer? Por isso sou contra esse lance das “escolas”. Os que chegaram primeiro ajudaram a abrir as portas do bagulho são merecedores de toda a nossa admiração, mas a gurizadinha que tá começando agora também não tá pra brincadeira. O respeito tem que prevalecer independente do tempo de corre que tu tem, cara. E quanto a mim, não me considero gangsta. O OQNMF tem música romântica, tem música pra ouvir no carro com o som mais alto… gangsta é o Nego Prego, autor daquele que eu considero o melhor disco da história do RAP gaúcho, “A Máfia dos Meninos“. O Branco é gangsta. Eu apenas adotei essa estética do RAP dos anos 90 porque me identifico mais com ela do que com a atual, em que muitas vezes a galera nem mostra mais o rosto, apenas adotam logotipos e usam em tudo que é coisa. O lance da cultura chicana também, sempre fui fã de Lowrider, curto restauração de carros antigos e me sinto bem vestido assim. É um estilo de vida que faz parte de quem eu sou. Eu apenas trouxe isso pra minha música e levo comigo aonde quer que eu vá.
BF: Mano tu citou que começou em 2005, de lá pra cá tivemos no rap temos uma cena feminista forte e em alta, e também quebrando tabus: Quebrada Queer, Rico Dalassam entre outros… em teu ver, essas cenas enriqueceram o rap? E se sim porque?
X’GUIL: Enriquecem e muito. Naquela pergunta que falava sobre a vertente direitista do RAP eu citei isso. Por mais que hoje o RAP já não esteja mais restrito às periferias e já não viva mais apenas do discurso revolucionário em prol dos menos favorecidos financeiramente, ele jamais pode deixar de ter essa veia do ativismo. E hoje em dia não são mais apenas os povos periféricos que gritam por igualdade, justiça e respeito. São as mulheres, especialmente as negras, os LGBT’s, povos indígenas, deficientes físicos e mentais, ateus, enfim… todo merecem ter vez e voz. O RAP tem que ser a porta que se abre pra essa galera se manifestar também. Vejo uma parcela do movimento que discrimina e não aceita esse novo momento do RAP, parece que esqueceram que lá no início, ainda que fosse quase que um privilégio exclusivo de homens heterossexuais, o RAP sofreu preconceitos e não foram poucos e hoje esses manos se acham no direito de se colocar no mesmo patamar daqueles que um dia nos discriminaram e desrespeitaram. Pior do que o preconceito vindo de fora é o que vem de dentro. Todo o meu respeito e admiração a todxs que representam e levantam as suas bandeiras sem medo, independente de quem sejam e de qual causa defendam. Que essa cena cresça e se expanda cada vez mais. Isso só fortalece o RAP como música e dá ainda mais legitimidade a ele como ferramenta de transformação social.
BF: Esse ano tivemos o relançamento do EP, lançamento do teu primeiro videoclipe, e de quebra o tão esperado segundo álbum. O que podemos (e se podemos) esperar pra esse segundo semestre? E o que podemos ter pra futuro.
X’GUIL: Durante o planejamento, antes mesmo do lançamento do disco, surgiu a ideia de lançarmos versões remixes de algumas faixas do disco. Esse trampo vai ficar aos cuidados do Snesh Beats, um cara aqui de Novo Hamburgo que eu ainda não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, mas só ouço falar bem a respeito e ouvi alguns trampos dele, gostei bastante. Recentemente, fiquei sabendo inclusive que ele está numa luta pra vencer uma doença que afeta gradativamente a visão, inclusive com vaquinha on-line pra bancar o tratamento. Que Deus ilumine os caminhos pra que ele consiga vencer essa batalha. Pro futuro, estou pensando em mais um videoclipe de uma das faixas do OQNMF, ainda estou pensando qual vai ser, mas quase certo que vai ser uma das músicas em que canto solo, já que a “Viver Bem” veio com duas participações. Também estou pensando em finalizar o projeto só com faixas inéditas que comecei com o Bandeira lá por 2014, ainda estava na função do OQNMF na época e por isso não tivemos preocupação em fazer nada com pressa. Ele está para receber a visita da cegonha nos próximos meses, então não quero incomodar ele com isso agora, vamos ter tempo pra ver isso com calma (risos). Por enquanto, quero trabalhar um pouco mais com o OQNMF, sonhei muito com esse trampo e quero ver até onde posso chegar com ele.
BF: O que achei interessante também, foi tu ter lançado e focado mais a divulgação do videoclipe no Facebook que pelo Youtube, foi estratégico? Qual foi a real intenção? E você não acha que essas “jogadas” de marketing são muito ousadas quando se é underground ou seja, você não estaria nadando contra a maré?
X’Guil: Foi totalmente estratégico. Lá pelo final de 2015, nós lançamos na rede um vídeo que fazia parte do Projeto RAPLV Acapella, que como o próprio nome denuncia nada mais é do que um vídeo onde eu apareço cantando uma música do meu repertório sem o instrumental, no caso era a “Questão De Honra“. Tivemos mais de 5 mil plays e uma série de compartilhamentos, tudo isso no Facebook, esse vídeo nem existe no YouTube. Um placar desses é ótimo pra mim que na época tinha como último lançamento o EP “Só Pra Te Uma Ideia” dois anos antes e mais nada desde então. Aí eu tive a comprovação de uma parada que o Bob vinha me falando há algum tempo: “o Facebook é o novo YouTube” (risos). É claro que a ideia é remar contra a maré, eu sempre procuro pensar e fazer diferente daquilo que estou vendo que a maioria tá fazendo e os irmãos que fecham comigo tem a mesma linha de raciocínio. Uma coisa que vejo a gurizada fazendo muito é lançando vídeo apenas no YouTube e depois publicando no Face, marcando cem pessoas sendo que muitas dessas quais nem estão interessadas no conteúdo em questão e depois enviando por inbox pedindo pra galera “dar like e se inscrever no canal“. Beleza, aí a pessoa vai lá, dá o like, se inscreve e nem dá play no teu som, de que adianta? Cada um com suas táticas de marketing, né… mas após horas de conversa e várias xícaras de café, eu e o Bob resolvemos pôr em prática essa ideia de lançar o “Viver Bem” no YouTube e no Facebook, mas dando mais ênfase no Face. Também contamos com o apoio mais que especial da página “Loucos Por Chevette“, do meu amigo Fred lá de Avaré, em São Paulo, que é a maior página relacionada a Chevette do país, com mais de 245 mil seguidores. Graças a Deus, a repercussão que tivemos foi a melhor possível, pois foram mais de 22 mil visualizações, muitos compartilhamentos e comentários positivos, sem contar os mais de dois mil plays no Spotify. O alcance do Facebook é ótimo e se o cara estiver disposto a desembolsar uma grana pra impulsionar, os resultados vem. Eu acho que a gurizada pensa que o YouTube é mais “profissional” do que o Facebook. Eu respeito, mas o grande lance é o seguinte: com estratégias bem pensadas, inteligência e um trabalho bem feito, com qualidade, qualquer rede social se torna uma vitrine boa pra tua música.
BF: Obrigado X pela entrevista, esperamos nos ver em breve com mais lançamentos aqui no site. Satisfação chapa! O BOCADA FORTE está de portas abertas para o amigo.
X’GUIL: Cara, me lembro que há uns dez anos atrás, na época que a gente juntava moedinha pra poder pagar umas hora de lan house, o Bocada era um dos poucos senão o único site onde eu entrava pra ver o que tava rolando de novo no RAP nacional e estar aqui hoje, vendo os meus trampos publicados aqui e participando dessa entrevista é uma parada surreal, difícil descrever o tamanho da minha alegria e gratidão! Valeu Bruno, valeu Bob e todos os demais que compõem o time do BF! Sem palavras pelo espaço, gurizada! Abração a todos e espero que a gente se fale de novo em breve! Paz!
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