Aori: “A ideia era fazer headphone music”
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AORI, a metade rimática do lendário Inumanos, trabalha na divulgação de ANAGA, seu mais recente EP. Com sons totalmente diferentes das experimentações que fez ao lado do DJ Babz, o MC apresenta maturidade para lidar com assuntos que vão do humor ao papo família, passando pelo conceito de resistência no hip hop. O BF trocou uma ideia forte com Aori, o artista fala do início de sua carreira, suas incursões no mundo do experimentalismo e a importância de ter personalidade e estilo no rap. O MC também aborda temas como racismo e apropriação cultural.
Bocada Forte: Como iniciou seu envolvimento com as batalhas de MC?
Aori: Participei da batalha do evento Duloco em 1998. Napoli, Kamau, Marechal, Black Alien, Max B.O, Akin, Rhossi e JL estávamos todos no palco trocando rimas, foi a partir daí que meu trabalho começou a ser falado em São Paulo.
Depois, no Rio de Janeiro , logo após o fim da Zoeira [evento de hip hop], num sabádo, Eu, Marechal, e Akira fundamos a Batalha do Real. O filme do Eminem [8 Mile] ajudou muito a espalhar a ideia.
Bocada Forte: Apesar de uma outra corrente ter começado uma certa mudança no hip hop, em 2000, o rap ainda tinha forte pegada periférica e estética gangsta. Os artistas de mais destaque seguiam esta linha. Ficando no campo das letras, como foram as primeiras ideias do Inumanos?
Aori: As primeiras ideias foram “Polegar opositor”, “Brutal crew” e uma música chamada “Guerra”. Eu e o DJ Babz passávamos os dias pesquisando discos antigos e obscuros e técnicas de gravação caseira. Nós 2 estudávamos desenho pra história em quadrinhos, o que acho que isso influiu muito na concepção do projeto. Misturando essas influências – videogames, quadrinhos, a gente chegou nessa mistura afro-futurista. A gente sempre curtiu o som gangsta, mas também curtíamos outros estilos musicais, outras referências . As letras eram colagens disso tudo, muitas vezes trocando o tema gangsta/periférico por algo centro/nerd, a gente estava na rua, mas nossa pegada era outra.
Ouça o EP Anaga
Bocada Forte: Vamos falar do Volume 10, seu primeiro álbum. Já tinham a ideia de subverter a cena rap quando estavam produzindo este disco? O quanto sua experiência no rock influênciou na elaboração do CD?
Aori: Quando a gente foi gravar nossa primeira música, a “Brutal crew”, dois dias antes de fecharem o CD Zoeira Hip Hop, o Damien nos mostrou um beat com um belo Sample orquestral. O que a gente fez? Pedimos a ele que abaixasse o pitch do som até virar aquele som fantasmagórico que geral conhece . O Babz usou aqueles samples loucos no refrão e, em todas as linhas da rima, eu finalizo em proparoxítonas!
Então a gente veio pra fazer algo diferente mesmo, nossa maior contribuição era fazer o som e ter a postura mais original possível . A gente já tinha tido umas bandas de rock, curtia drum ‘n’ bass, eu era MC da festa febre, o Babz era metaleiro, isso tudo somou pra gente. Nossa experiência no rock nos ensinou que era mais prático ser um MC e um DJ (risos).
Bocada Forte: O Aumenta o Volume, de 2009, é mais uma coleção de sons que estavam guardados ou o planejamento foi outro? Conte um pouco sobre a produção desse disco.
Aori: A gente lançou essa mixtape como teaser de um próximo disco, com algumas ideias novas, mas essa mix não teve o retorno que esperávamos. Não sei se foi o timing, mas a gente esperava mais desse trabalho. Fica o registro das ideias daquela época. Esse disco foi todo produzido no estúdio que o Babz tinha em Santa Teresa. Na real era um PC, uma MPC 3000 e um microfone velho. A música título foi gravada lá . Essa mixtape também foi uma limpada na gaveta do Campo de Concentração [estúdio de gravacão], tinham umas demos bem legais tipo a agora com a Lívia.
Bocada Forte: Nas matérias que abordam Anaga, seu novo trabalho, o seu afastamento das rimas para se dedicar ao marketing é citado. O que realmente você fez? Poderia falar sobre esse trabalho? Ainda teve alguma ligação com o rap?
Aori: Eu estudei propaganda e, depois de 10 anos dedicados ao rap, apareceu uma oportunidade de trabalho numa área que eu também gostava. Aceitei mais esse desafio e, desde então, eu trabalho na Nike do Brasil, fazendo parte da equipe de marketing. O meu trabalho hoje não envolve o rap diretamente, mas minha experiência no mundo do hip hop realmente me ajuda muito.
Eu não consigo ficar com a mente parada, trabalhar com comunicação e ideias é o que eu gosto de fazer . Esse tempo todo eu produzi festas como a LUV, freestyle e edições da Liga dos MCs. Mantive o MC Lapa, um blog com várias novidades que eu atualizava quase que diariamente. Apesar de não estar gravando, eu estava ligado no que estava rolando .
Bocada Forte: Foi nesse período em outros setores da cultura que começou a criar o que seria o disco Anaga, ou deu uma parada nos outros projetos para construir este trabalho?Aori: O Anaga surgiu dessa vontade de continuar contribuindo com o mundo do hip hop, de mais uma vez humildemente trazer novas experiências e vivências para a galera. Hoje em dia, eu sei que organizando, dividindo direito o nosso tempo podemos fazer muito mais. O Anaga foi composto em viagens de avião, pontos de ônibus, anotando ideias no celular, sempre com meus beats nos ouvidos. Eu gravava todo sábado à tarde, no estúdio, na maior calma.
Bocada Forte: Mais uma vez você seguiu na contramão. Se no início dos 2000 você veio com uma abordagem diferente e com referências futuristas, agora você apresenta um trabalho que não segue a tendência bass que domina o mercado. Como foi o lance da produção dos disco?
Aori: De cara eu tentei não trazer o clima futurista pra esse projeto, afinal tudo começou como um projeto solo, então tinha que ser algo diferente do Inumanos. O processo criativo começa com um pack de beats do Martins, que tinha levadas esqueléticas. Nessa sessão, eu gravei uma do Luiz Café chamada “Não paro”. Ao falar de família e resistência, essas duas músicas deram o tom do disco. O lance desse álbum foi misturar um pouco da vibe esperta do Inumanos com a fase “brutal reflexivo” de musicas solo, como “Musa” e “Calma”, também botando o humor na frente, como em “Anaga” e “Clima”. Nesse disco, a gente não mirou a pista, a ideia era fazer “headphone music”. Acho que por isso o bass ficou de fora, mas nada impede de, num próximo projeto, a gente mexer nisso. Quando a gente analisa os valores do disco, um “funkão” tipo “Disciplina” faz muito mais sentido.
Bocada Forte: Numa cena que tem muito rimador ligeiro em beat bom, mas com letras fracas, acredita que aliar forma e conteúdo é algo para poucos?
Aori: Acho que tem muito rimador genérico, falando o que agrada, sem trazer nada de novo. Poucos rappers tem um estilo definido com ideias próprias. Estilo é uma coisa muito importante no rap, e sua marca registrada. Não adianta você ter rimas fortes e não ter um estilo marcante. E isso vem muito da vontade do MC de se entregar na história que ele está contando. Se ele mesmo não acredita, não vai conseguir passar sua mensagem pra ninguém .
Bocada Forte: Você afirma que o EP Anaga celebra a amizade, entre outras coisas. Você acredita que está faltando isso na vida das pessoas?
Aori: Acho que está todo mundo conectado demais, sem tempo pra nada. Muitos amigos que eu mandei o link do som nem escutaram, tipo todo mundo correndo demais .
Qual foi a última vez que você sentou pra escutar um disco? O jeito que o Anaga foi feito, como as músicas se complementam e até a duração curta do EP foram criadas para tentar facilitar isso.
Bocada Forte: Por falar em vida das pessoas. Acha que o rap poderia ser mais ativo nas questões que abalam a vida dos pretos e dos periféricos? Não falo de abordagem nas letras, falo de postura, tomada de posição, atitude.
Aori: Acho que a galera escolheu os rappers como nossos representantes e acho que falta força para o rap na vida prática das pessoas. Poucos MCs se posicionam quanto a questões importantes, e talvez por isso o hip hop não tenha tanta influência na sociedade. Mas acho que está vindo uma galera bem politizada por aí, que vai saber equilibrar o lado festa e o lado guerrilha do rap. Os dois se equilibram. Quando os dois estão equilibrados você é um rapper perfeito.
Bocada Forte: Ainda insistem que só superaremos o racismo quando pararmos de falar sobre ele. O que acha disso?
Aori: Temos que falar do racismo o tempo todo! Até ele acabar. Me desculpem se é chato, mas a nossa luta continua, e isso reflete na nossa arte.
Bocada Forte: Quando o tema é apropriação cultural, qual sua posição?
Aori: Todos são bem-vindos, desde que respeitando quem veio antes. Até pra você inovar existem fundamentos a serem estudados, por isso, antes de dizer que você está inovando, olha lá atrás. Com certeza, alguém já fez igual.
Pela Web
Blog do Projeto Anaga
SoudCloud Aori
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