Alt Niss: ‘Precisamos ouvir todas as vozes’
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No ano de 2019, as minas continuaram trampando e apresentando trabalhos cada vez mais consistentes, dialogando com questões do mundo atual e com qualidade, tanto nas produções quanto nas composições, destaco nessa turma trampos como da Tássia Reis, com seu disco “Próspera”, o EP “Quântica”,de Yzalu e Shirley Casa Verde, “Grande”, da rapper Karol de Souza, e “A Linha Tênue”, da cantora Alt Niss, seu primeiro disco, lançado pela produtora Boogie Naipe
Aliás, Niss é a primeira mulher a assinar com a gravadora dos Racionais, isso graças ao trabalho de Eliane Dias, empresária da produtora da Boogie Naipe.
A cantora construiu um disco de r&b com elementos do rap , um casamento que sempre deu muito certo ao longo do tempo. Niss continua moderna e contemporânea em “A Linha Tênue”, disco que aborda empoderamento, a vida das minas na quebrada e o universo feminino.
Em uma entrevista concedida em 2016, Niss dizia que sua música era totalmente ligada a quem ela era, com sua essência, e que a música era seu destino. “Tenho uma responsabilidade muito grande com a minha identidade artística, porque ela faz eu me sentir viva. Fazer minha própria música é sobrevivência. Então é o caminho que de fato eu tenho que seguir. Destino”
Nesta nova entrevista, a cantora diz que aqui no Brasil é muito difícil se fazer r&b, mas Niss considera que sua escolha seja um caminho natural..
“É muito difícil inserir o R&B aqui ainda, a gente sabe. Quantos artistas com uma grande expressão podemos citar? Não enche uma mão. Então o mix de gêneros é um caminho”, destaca a cantora.
Bocada Forte: O que te levou a aceitar o convite para fazer parte da produtora Boogie Naipe?
Alt Niss: As ideias bateram de uma forma geral. A visão deles, a organização e profissionalismo em gerenciamento de carreira veieram numa boa hora pra mim. Já tinha lançado pro universo e conversado com amigos próximos o quanto é difícil administrar a minha carreira de uma forma que aborde todas as necessidades correndo sozinha, com dois filhos pequenos e uma casa pra administrar. A falta de grana pra investir, etc. Eu recebi a resposta que se encaixou dentro da minha necessidade. E vindo de uma produtora/pessoas que eu admiro muito. Já tinha sido sondada antes por outras produtoras/produtores/selos etc, mas acho que não era pra ser.
Bocada Forte: “A Linha Tênue” é seu primeiro EP solo. Você diz que foi como ter um filho, foi uma jornada até este trampo, como você avalia essa sua caminhada até aqui?
Alt Niss: De muito aprendizado e inquietação também. Eu confesso que imaginei que seria mais fácil do que foi essa fase final. Reunir um repertório, levando uma leva de coisas em consideração, não é fácil. Principalmente por ser o primeiro, é aquela sensação de não poder errar, que no fim das contas não sei se faz sentido. Mas acredito que valeu a pena. Faz um tempão que eu estou ensaiando lançar um primeiro trabalho desse tipo, estou dando entrevista há uns 4 anos no mínimo prometendo data. Porque realmente não é fácil. E agora me sinto aliviada e planejando outras coisas.
Bocada Forte: O EP traz sua pegada de R&B com misturas de outros elementos, algo que você faz bem, você acredita que este é o caminho para trazer o R&B para o presente, aqui no Brasil
Alt Niss: Talvez sim. É muito difícil inserir o R&B aqui ainda a gente sabe. Quantos artistas com uma grande expressão podemos citar? Não enche uma mão. Então o mix de gêneros é um caminho. Porém, há algum tempo, é natural pra mim. É algo que eu realmente gosto. Na minha cabeça, a música é muito grande, existem muitas possibilidades a serem exploradas. E um grande público em potencial também. Sinto as coisas muito diferentes atualmente. Não é mais uma regra focar na massa. As gerações estão mudando. Tem muito artista alternativo fazendo história no Brasil hoje. Isso traz alguma esperança em continuar fazendo e acreditando na música de forma ampla e fora da caixa.
Bocada Forte: O fato de mulheres periféricas compor músicas e falarem de suas realidades, creio que aproxima mais as minas a se identificarem com suas letras e seu estilo. Estamos bem mais acostumados a ouvir letras sob o olhar masculino quando falamos da vivência nas quebradas e também sobre questões de relacionamentos, gostaria que você falasse sobre isso
Alt Niss: No geral, estamos sim no mesmo barco, só que em recortes diferentes. Eu gosto de ouvir de todos. Do homem favelado hétero, da mulher, da gay, da trans, todo mundo tem seu lado da história, tem seus desejos, suas experiências, sua forma de falar de festa, seus anjos e demônios, etc. O que precisamos é ouvir todas essas vozes, todos nós. Ter e dar espaço pra todos esses artistas, porque o público também é diverso. Eu acho que uma gay pode perfeitamente ouvir o que um artista hétero vive e se identificar com algo, mas ela tem que ter um artista que fale a mesma língua, e o público hétero também tem que se reeducar para ouvir o que a trans tem pra falar. Essas trocas precisam existir. A favela precisa se ouvir…e dar espaço a todxs.
Fotos: Divulgação
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