ACERVO BOCADA FORTE | Entrevista com Lews Barbosa
ESPALHA --->
Ouvindo o cachorro
Aperto o play. Depois de um instante silencioso, um cachorro me diz: “A gente é o que é”. Será que estou pirando? O CD segue. Baixo, percussão, violão, guitarra, berimbau, bases pré-gravadas. A batida eletrônica e a parte acústica, o grave que é indispensável no Rap. A composição é uma mistura de seleção de trechos e combinações de beats. Eu sinto o samba, o baião, o blues. Eu ouço Rap, mas também percebo a moda de viola, o funk, a bossa nova. O amigo leitor pode dizer: até aqui nada de novo.
Eu pergunto: Quem disse que a novidade radical é a essência da arte? Lews e DJ Wallace, ex -integrantes do grupo Potencial 3, nos respondem. Com o grupo Cachorro Magro S/A, seu projeto experimental para fazer uma ponte entre o Rap e outros ritmos, estes artistas criaram seu próprio caminho, temperando continuidade e ruptura, ousadia e tradição. Segundo o MC Lews, a ideia veio depois que ouviram o som do Jazzmatazz, do MC Guru (Gang Starr) e principalmente a música do grupo Pharcyde – “Otha Fish” (brazuca total), isso em 1995. Os fundadores do Cachorro Magro perceberam que podiam resgatar as raízes da música brasileira, assim como os artistas americanos fizeram com o jazz.
Ouça a faixa “Brasil x Brazil”
Filosofia, negritude, rua e ancestralidade. Temas que habitam as rimas deste grupo que afirma que seu trabalho está em constante desenvolvimento, não fazem “samba pra gringo ver”, são cães que latem e mordem. O CD ‘A gente é, o que é’ conta com as participações de MC Gaspar (Z’África Brasil), BBS, Banda Naffta e o grupo Transfusão. Os shows têm a colaboração de João Paulo (baixo), Ivom (berimbau), Dudão (violão e guitarra) e Helião (percussão). Fazem questão de preservar a batida eletrônica e a performance do DJ Wallace para manter e divulgar as raízes do Rap e do Hip-Hop. Aperto o eject, guardo o CD. O som é original, agora entendo aquele animal que trocou ideia comigo no início. Agora é com vocês… Viajem ao som do Cachorro Magro e confiram a entrevista concedida por Lews ao site Bocada Forte.
Bocada-Forte: Na sua opinião, o que há de original no trabalho do Cachorro Magro S/A ?
Lews: Acho que o nome do grupo (risos). Mas falando sério, eu acho que a originalidade está na forma mais subjetiva de nos expressarmos, procuramos colocar a nossa cara no trabalho, seja na área musical ou na área poética. A inovação só ocorre com espontaneidade, pois cada indivíduo é um evento único e não é por acaso que o nome do nosso álbum é ‘A gente é, oque é’.
B.F: Qual a contribuição que o grupo pode dar ao Rap nacional ?
Lews: Contribuir é servir, mas servir ao verdadeiro Rap que faz parte de algo maior que é a cultura Hip-Hop que, por sua vez, faz parte de algo ainda maior que é o nosso desejo por um mundo mais justo, humano e equilibrado. Logo, a melhor contribuição que podemos dar, é pouco a pouco nos tornarmos mais justos, humanos e equilibrados. É como diz aquele ditado: ‘Antes de sair para arrumar o mundo, faça uma bela faxina em seu apartamento’.
B.F: Há dez anos, no primeiro trabalho do Potencial 3, já notávamos a influência de música brasileira em suas composições. Quando você teve a ideia de fazer um trabalho assim?
Lews: Na verdade eu, como muitos, sempre fui bombardeado por ritmos tupiniquins desde a infância. Minha avó ouvia muito moda de viola, meu pai, que sempre foi do samba, me passou várias noções sobre este ritmo e minha mãe, ligada ao candomblé e fã de Clara Nunes, me ajudou a ter mais afinidades com a musicalidade afro brasileira. Mas, por ironia do destino, minha “Estrada de Damasco” (o que me fez abrir os olhos para a mistura de rítmos) foi um trabalho feito fora do Brasil, foi quando eu ouvi o álbum do Jazzmatazz, do rapper Guru. Cheguei a conclusão de que, da mesma forma que ele fez a fusão entre o Rap e o Jazz, resgatando assim as raízes da música americana, nós podemos fazer o mesmo com nossos ritmos e com isso resgatar também nossas raízes. Resumindo, podemos realizar a simbiose entre o regional (ritmos brasileiros) e o universal (Rap).
B.F: Ainda falando sobre a sonoridade. Como o CD foi produzido? Você e o DJ Wallace estavam na mesma sintonia? Houve participação de músicos que não são da banda?
Lews: O CD foi produzido no estúdio BPM, em Diadema, entre janeiro e setembro de 2003. Eu e o DJ Wallace estávamos na mesma sintonia, porque este projeto de mistura de ritmos já era antigo, da época em que ainda fazíamos parte do Potencial 3. Houve participação de diversos músicos e rappers para enriquecer ainda mais o nosso trabalho.
B.F: O que você lê? Até que ponto a leitura faz diferença no trabalho do Cachorro Magro S/A?
Lews: Gosto de ler sobre diversos temas, de política à romances, de gibis do Chico Bento à física quântica, de história do samba à literatura espírita. No momento estou lendo mais livros de filosofia (ocidental e oriental), pois ela nos ajuda a desenvolver o nosso senso crítico em relação ao sistema vigente e nos auxilia no processo de auto conhecimento. A leitura não só faz diferença no nosso trabalho como também em nossas atitudes no dia-a-dia.
B.F: A questão da identidade negra está presente no CD?
Lews: Está, principalmente em músicas como “Quilombo XXI”, onde trabalhamos com a temática sobre a resistência negra contra o sistema escravocrata e “Batucada quântica” onde trabalhamos com a ancestralidade e musicalidade negra, mas em ambas procuramos dar uma cara universal, ligando-as a outros ramos de conhecimento e a outras culturas.
B.F: No caso da assimilação do público. Vocês acham que conseguem incentivar o jovem brasileiro a conhecer nossa cultura e descobrir novas maneiras de fazer Rap?
Lews: Em relação ao fato do jovem brasileiro conhecer nossa cultura, tudo é possível, depende da maneira como executamos o trabalho, nos aperfeiçoando musicalmente e divulgando as ideias, depende também do nível de receptividade do público. Quanto ao jovem descobrir novas maneiras de fazer Rap, voltemos à parte da resposta da primeira pergunta. A inovação só ocorre com espontaneidade, pois cada indivíduo é um evento único. Portanto, basta ser você mesmo!
B.F: Qual a sua opinião sobre a cena atual? 2005 é o ano do Rap nacional?
Lews: “A vida é um mar de rosas, e tem os seus espinhos”. Traduzindo: É satisfatório ver o Rap se estruturando, invadindo os meios de comunicação e o número de adeptos aumentando cada vez mais. Por outro lado, é triste ver que conforme os galhos da árvore do Rap crescem, a sua raiz diminui cada vez mais, mas nem tudo está perdido, depende dos amantes do verdadeiro Hip-Hop mudar este quadro. Sobre a questão se 2005 será ou não o ano do Rap nacional, prefiro neste caso viver a dúvida essencial ao invés de me apegar a uma certeza aparente.
B.F: Desde o início do movimento Hip Hop, o Rap se multiplicou em diferentes estilos. Oque você acha dessa diversidade ?
Lews: Uma nação é rica culturalmente, devido à sua diversidade, seja ela musical, religiosa, linguística, folclórica, étnica etc, etc. O mesmo pode ser aplicado à nação Hip-Hop, quanto mais diversificada, mais rica culturalmente será.
B.F: Muitos dizem que o Rap não é uma manifestação popular brasileira. Oque você tem a dizer sobre isso ?
Lews: O Rap nacional não é uma manifestação? Não é popular? Não é feito por brasileiros? Não fala sobre os problemas e sobre a cultura dos brasileiros? Logo, é uma manifestação popular brasileira.
B.F: Qual o papel da Internet no cenário Rap? Até que ponto a tecnologia pode ser aliada do artista?
Lews: A Internet pode ser um instrumento poderoso na divulgação dos ideais do Hip-Hop, mas é preciso antes derrubar o muro da exclusão digital levando o acesso à rede para os lugares carentes. A tecnologia, bem aplicada, pode sem sombra de dúvidas ser uma aliada do artista e do ativista.
Confira Lews Barbosa ao vivo
B.F: O Rap tem caráter artístico e social. Todos falam que ele precisa evoluir. O que seria essa evolução ?
Lews: Você já respondeu parte desta pergunta ao afirmar que o Rap tem caráter artístico e social. É justamente através do aperfeiçoamento e equilíbrio entre esses dois fatores que ocorre a evolução. No artístico está o auto conhecimento, onde o verdadeiro artista expressa aquilo que ele realmente é, e não oque lhe pedem. No social está a consciência política, onde o verdadeiro ativista procura trabalhar em prol de uma sociedade mais justa.
B.F: Aparecer na TV está nos planos do grupo ?
Lews: Com certeza! Pois, o problema não está em aparecer, mas sim em como aparecer. A TV é como uma faca, podemos usá-la para matar uma pessoa ou para cortar um pão e dividi-lo entre quem passa fome, depende do livre arbítrio de cada um.
B.F: Mande uma mensagem para os leitores do Bocada-Forte e para quem pretende entrar no complexo mundo do Rap nacional.
Lews: Continue na batalha, não desista, mesmo que as dificuldades pareçam insolúveis. Não desvie do seu caminho, perseverança, responsabilidade e dedicação são os combustíveis que nos levam ao sucesso verdadeiro.
Por: DJ Cortecertu
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