Denis Duarte: A arte da experimentação musical e as conexões entre som, dança e emoção
ESPALHA --->
Denis Duarte é um dos grandes nomes da música experimental e instrumental brasileira, com uma trajetória que mescla sensibilidade artística, influências de produtores e beatmakers do rap, estética hip hop e técnica apurada. Do palco ao estúdio, ele transitou por colaborações com ícones como Elza Soares e Lenine, além de explorar a relação entre música e dança em projetos com coreógrafos como Ismael Ivo. Nesta entrevista ao Bocada Forte, Denis fala sobre suas inspirações, seus processos criativos e os desafios de compor em diferentes linguagens artísticas.
BF: Denis, você já trabalhou com grandes artistas como Elza Soares e Lenine. Como essas colaborações influenciaram sua abordagem musical?
Ter tido a oportunidade de participar gravando no disco Falange Canibal do Lenine e de ter gravado na faixa Espumas ao Vento da mestra Elza Soares pôde, primeiramente, me confirmar que o caminho na música era possível. E, junto com isso, me trouxe o apetite de querer estudar e praticar mais e mais o aprimoramento no caminho musical. Trazer uma evolução, ainda que aos poucos, em tudo que fui produzindo dentro dos caminhos da música, que são vastos e se entrelaçam infinitamente, ampliou meus sentidos significativamente.
BF: No campo da dança, você acompanhou Ismael Ivo e outros coreógrafos renomados. Como a música pode transformar a experiência da dança?
Existe um provérbio africano que levo comigo em tudo que faço musicalmente: “Se não existisse o movimento, não existiriam a música nem a dança.” Então, uma inteligência complementa a outra, tudo se tornando uma coisa só. A música transforma a experiência da dança quando entende que a própria dança é a partitura musical a ser lida à primeira vista. Os timbres, os padrões musicais e as ideias musicais podem trazer um estímulo ou uma atmosfera de sentimentos ou pensamentos que ressignificam o sentido dos movimentos.
Toquei muito para os processos seletivos do Ismael Ivo, para o espetáculo Biblioteca do Corpo, quando ele era curador do festival internacional Impulstanz, e ele sempre falava que a pessoa que dança é uma mensageira de ideias. Na música não é diferente: somos mensageiros de ideias, e uma ideia estimula outra ideia a surgir. É um encadeamento interessante de se pesquisar e materializar.
BF: Você é músico da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo desde 2011. Qual foi o impacto desse trabalho na sua trajetória artística?
Imagine o que é para um músico poder tocar diariamente, no mínimo por 4 horas diárias, desde 2011 até hoje, tomando os movimentos da dança como partitura. Na EDASP (Escola de Dança da Fundação Theatro Municipal), posso pesquisar tanto o desenvolvimento de atividades como instrumentista quanto como produtor musical e compositor de trilhas sonoras. A dança trouxe uma sensibilidade extra ao meu modo de tocar e entender a música de um modo geral.
BF: Como surgiram os projetos “Algoritmos Denoise” e “Maloqueiro Erudito”? Quais foram as inspirações para esses trabalhos?
Esses trabalhos surgiram durante a época da pandemia, quando tocava para dança online e fazia trabalhos espirituais divinistas diariamente durante todo o período de recolhimento. Esses samples, essas bases instrumentais, são substratos dessas vivências que me estimularam a criar música no sentido de criar música de cura. Gosto de pensar que, quando as pessoas ouvem meu som, elas podem ter sensações e se sentir melhores após a experiência. Não sei se de fato isso acontece, mas ao menos para mim faz sentido sentir dessa forma ao compor e pôr no mundo novas resultantes musicais sempre. Essas faixas foram todas feitas na SP404 OG e no Logic Audio. As inspirações musicais desses trabalhos foram Dibia$e, Madlib, J Dilla, Sala 70, Pancho Trackman, Organic_the_kid, Robot Orchestra, A.D.S. (Família Induz), Malak Beatz, entre outros.
BF: Você tem explorado bastante os improvisos musicais. Pode compartilhar como é seu processo criativo nesses momentos?
Procuro fazer improvisos de forma inopinada. Um dos significados da palavra improviso no dicionário é esse: o improviso é algo que nasce espontaneamente, de forma inopinada. Procuro tomar a realidade e tudo que acontece ao meu entorno como partitura na hora de criar musicalmente.
BF: Entre compor trilhas para teatro, cinema e TV, qual você considera o maior desafio em cada área?
Conseguir traduzir musicalmente toda a esfera de sentimento contida em cada passagem de um processo criativo, independente da área de atuação — seja no cinema, seja nos palcos. Conseguir exprimir o sentimento musicalmente de forma a trazer mais elementos que trabalhem a emoção adequada às criações artísticas de outra área de forma harmônica, somando artisticamente, é uma busca ininterrupta. Um trabalho sempre chama outro, então a busca é trabalhar a energia ou vibração de forma a atrair outras possibilidades maiores e melhores no campo da criação e composição musical, sempre.
BF: O disco Paisagens Sonoras Orbitais explora a relação entre som e espaço. Quais sensações você espera despertar no público?
A sensação de cura, o estímulo da memória afetiva, um renovo para o processo criativo de quem escuta.
BF: A música instrumental e a experimentação têm papel central no seu trabalho. Como você equilibra técnica e emoção em suas composições?
Com o estudo das técnicas, vendo outras pessoas tocarem, conversando com musicistas e músicos de todas as gerações antes e depois da minha. Conversar é tocar também. Sempre gostei de um termo que meu pai usava em situações que exigem boas escolhas num intervalo curto de tempo; ele nomeava essa ação como “presença de espírito.” Tocar de improviso é exercitar a presença de espírito, assim como sempre ocorreu no blues, no jazz, no samba de partido-alto, no tambor de crioula, etc. Manifestações populares brasileiras tomam o improviso por base dentro de padrões pré-definidos. Algumas já criam incorporando o espaço onde quadras de versos serão criadas de improviso, ou improvisos que, se encaixados perfeitamente, podem livremente ser repetidos. A cultura brasileira é muito mais ampla do que possamos conceber.
BF: Você também é conhecido por atuar com beats e sonoridades experimentais. Como enxerga o papel da tecnologia na música contemporânea?
Ela possibilita que possamos alçar voos cada vez mais altos criativamente. Amo chegar nos lugares sem nada e sair captando sons e ressequenciando-os de forma a criar bases espontaneamente ali, na hora. Cada processo criativo se torna único, pois só pode ser obtido onde foi criado. A tecnologia pode tornar a vida mais humana dependendo da sua utilização. Gosto muito dessa ideia. As máquinas mais antigas requerem mais paciência, mas a sonoridade também é muito mais consistente. Porém, gosto da ideia de tecnologia fortalecendo o processo criativo; é um artesanato que tem muitos microdetalhes para se obter um resultado sonoro digno. Portanto, tudo que vier a cooperar para um fluxo de trabalho rápido, sem perda de qualidade, é muito bem-vindo.
BF: Quais são seus próximos projetos e como você vê a evolução do seu trabalho nos próximos anos?
Estou montando uma mixtape de beats feitos na SP303 e SP404 com meu mano A.D.S. da Família INDUZ, para ser lançada em 21 de fevereiro de 2025. Estreei recentemente meu trabalho autoral de composições A Madeira Canta, em quarteto com Matheus Alvisi no piano, Nenem Menezes na percussão e Hassan Mboup (África) na percussão. Estou gravando e produzindo esse disco para ser lançado também em 2025, ainda sem data prevista.
Interaja conosco, deixe seu comentário, crítica ou opinião