Conheça a esquecida banda de funk Skull Snaps, alicerce sonoro do hip hop
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Por Aaron Carnes (Bandcamp Daily)
Tradução, adaptação e edição: Noise D
Em New Haven, estado de Connecticut/EUA, o rapper Dooley-O e DJ Chris Cosby vasculhavam uma coleção de discos de um vizinho quando encontraram um álbum peculiar, cuja capa ostentava um desenho de três crânios ameaçadores, com esqueletos dançando sobre ou perto de cada um. A contracapa tinha uma imagem de um esqueleto presumivelmente feminino, usando um elegante chapéu vitoriano. A banda chamava-se SKULL SNAPS e não havia foto dos artistas em nenhum lugar para ser encontrada.
Dooley-O presumiu que era um álbum de rock pesado, e desde sendo um caçador de raridades, ele decidiu escutar. No fim das contas, o álbum não era de rock, mas de funk e uma música em particular, “It’s a New Day“, ostentava uma batida de abertura matadora que estava implorando para ser usada. E assim, em 1988, Dooley-O fez exatamente isso em uma faixa chamada “Watch My Moves”, mas como ele não tinha nenhuma conexão com a indústria que pudesse ajudar a promover a música, ela permaneceu na semi-obscuridade (o som só foi finalmente lançado 14 anos depois pela Stones Throw Records).
Um ano depois de Dooley-O gravar “Watch My Moves”, seu primo Stezo, que havia conseguido um show como dançarino substituto para a EPMD, conseguiu um contrato com uma gravadora e perguntou a Dooley se ele poderia usar o intervalo da música do Skull Snaps. Dooley não gostou da ideia no começo, mas acabou cedendo. A música de Stezo, “It’s My Turn“, foi um grande sucesso, alcançando o número 18 na tabela “Hot Rap Songs” da Billboard.
Isso foi apenas o começo. Na música, Stezo deixa um trecho com o sample nu, e ele rapidamente se tornou alimento para centenas de outros rappers. O sample hoje aparece em quase 500 músicas, tornando-se uma dos beats mais experimentados na história do rap.
“Essa coisa parece boa. Você pode colocar qualquer tipo de groove para isso e soa bem. Qualquer groove”, diz Stezo sobre o sample. “Eu me lembro de Dooley dizendo ‘Não deixe a batida aberta porque as pessoas vão roubar nossa batida!’ Eu disse: ‘Cara, pra que se preocupar com isto, contanto que sejamos os primeiros’”.
Esse sample do Skull Snaps foi testado em uma série de canções de rap proeminentes – entre elas, “Passing Me By” do Pharcyde, “Give Up The Goods” (Just Step), de Mobb Deep, e “Take It Personal” de Gang Starr -, mas até no auge de seu uso, poucas pessoas sabiam alguma coisa sobre a banda Skull Snaps.
Tudo isso está prestes a mudar. Em 2011 e 12, Stezo gravou um documentário sobre o grupo em chamado “The Birth Beats of Hip-Hop: The Legend of Skull Snaps“. E em outubro, o selo Mr Bongo reeditou Skull Snaps em vinil com o apoio dos próprios membros da banda. O Skull Snaps era uma banda composta por Sam O. Culley, Erv Littleton Waters e George Bragg. Os membros também faziam parte do grupo chamado The Diplomats, que lançou vários singles nos anos 60. Quanto à capa misteriosa do álbum, Culley diz que não se destinava a influenciar as pessoas de maneira errada. A banda teve dificuldade em ser um trio de funk que tocava seus próprios instrumentos e fazia todo o seu próprio canto, e os selos de funk e soul da época simplesmente não sabiam como comercializá-los.
“Meu artista favorito foi Three Dog Night. As gravadoras não estavam realmente aceitando bandas negras na época”, explica Culley. “Então nós dissemos: ‘Não teremos fotos no álbum.’ O cara que fez a obra de arte colocou os três esqueletos em cima do maldito crânio e eu fiquei tipo, ‘Droga, isso é loucura. É a coisa mais assustadora que já vi. Isso me fez pensar em motociclistas. Esse foi meu primeiro pensamento. Eles vão pensar que este é um monte de motoqueiros, você sabe o que estou dizendo?” Aquela estranha capa de disco provavelmente nunca teria acontecido sem o nome incomum do grupo, que foi inspirado pelo vocalista do r&b, Lloyd Price. Certa noite, Price estava saindo com o grupo e se entusiasmando com seus sons desagradáveis. Durante uma sessão, ele deixou escapar que sua música “fez seu crânio estalar“. [Daí veio o nome da banda]
O álbum “Skull Snaps” foi lançado em 1973, mas a famosa batida que inspiraria uma geração de rappers remonta a meados dos anos 60, quando os membros da banda tocavam no começo dos shows como forma de obter energia. O som único e pop da batida foi feito pegando uma pequena caixa de 12 polegadas. “Basicamente era um tipo de coisa que fazíamos para se fazer os ajustes antes do show“, diz Culley. “A bateria começou a tocar, e eu comecei a tocar no baixo, e então o Erv começou a tocar no violão, e com isso, nós apenas tocávamos outra música, que seria o nosso show.”
Quando chegou a hora de gravar o álbum “Skull Snaps”, eles acharam que o jam precisava ser incluído em algum lugar. Eles decidiram anexá-lo ao início de “It’s a New Day”, porque essa foi a primeira música que eles gravaram. Assim como em seus shows ao vivo, eles precisavam da batida para ajudá-los a serem calibrados no estúdio.
“Nós dissemos: ‘Não podemos deixar isso de lado, porque sabemos o que isso faz conosco mentalmente. Isso nos deixa afiados juntos”, diz Culley. “Uma vez que começamos a batida assim e nós colocamos o vocal em ‘It’s a New Day’, foi quase uma surpresa que a maldita coisa soou como aconteceu.”
Essa batida, como boa parte do registro, foi uma situação de tomada única. Assim, sem o conhecimento deles, nasceu uma importante parte da história do rap/hip hop.
Ao contrário de muitas fontes de soul/funk dos anos 70 redescobertas, Skull Snaps parece claramente que poderia ter sido um sucesso em seu próprio tempo. O álbum atinge o equilíbrio perfeito de baladas de cortar o coração, músicas de soul uptempo e músicas de funk, todas com harmonias vocais impressionantes. “Nós dissemos que íamos fazer todo tipo de música no álbum. É o que nos propusemos a fazer, e foi o que fizemos”, diz Culley.
Produtor e arranjador George Kerr fala sobre a criação da música “It’s a New Day” (em inglês):
Os membros do grupo continuaram a escrever e gravar novas músicas, e estão se preparando para lançar um novo álbum do Skull Snaps em 2019
No final, a estranha capa do álbum e a falta de fotos da banda provavelmente não ajudaram a banda em sua busca pelo estrelato. Mas o maior problema que enfrentaram foi o fato de que, apenas seis meses depois de lançar o disco, seu selo GSF caiu e desapareceu completamente, deixando a banda em apuros. Os músicos eram experientes, mas quase nunca haviam surgido sob o nome de Skull Snaps. “Eu posso contar os shows em uma mão que fizemos [sob esse nome]”, diz Culley. “Nós ainda estávamos usando o nome de The Diplomats, e estávamos em todo lugar. Mas eles não sabiam o que era o Skull Snaps. E porque nós não sabíamos o que o disco iria fazer e quando a empresa desistiu, nós meio que nos retiramos.”
Os membros do grupo continuaram a escrever e gravar novas músicas, e estão se preparando para lançar um novo álbum do Skull Snaps em 2019. “Serão diferentes tipos de música – a mesma configuração do primeiro álbum”, diz Culley. “Muito diverso, você sabe o que quero dizer. Vai ser muito legal. Eu estou realmente agradecido pelo fato de que isso está acontecendo agora, e a ideia de que ainda estamos por aí e ainda estamos gravando. Ainda estamos no negócio.”
Eu ouvi o DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince uma vez. Jazzy Jeff estava fazendo uns cuts no toca-disco enquanto Will Smith estava dançando. Foi louco! Onde diabos está o dinheiro do Skull Snaps? Essa foi a minha missão. Eu ainda estou nessa missão.
Stezo e Culley ainda estão em contato e conversam regularmente. Stezo espera que seu documentário traga mais consciência para quem Skulls Snaps é como pessoas e como eles são talentosos. E ele espera que, acima de tudo, a comunidade hip hop preste o seu respeito. Enquanto filmava o documentário, ele apresentou a banda a vários rappers que haviam provado o sample para suas próprias músicas. “Imediatamente todos os pensamentos foram para: ‘Oh meu Deus, eles estão aqui para nos processar’“, diz Culley. “Mas eles descobriram que era exatamente o oposto. Queríamos conhecer as pessoas que usaram o sample”, diz Culley. “Todos eles ficaram tipo, ‘Você sabe quantas carreiras você salvou, quantas vidas você salvou com aquele breakbeat?‘ Isso é incrível E eles ainda estão usando isso.
Stezo, por outro lado, acha que alguns desses rappers, particularmente os mais famosos, deveriam fazer algo mais honrado e fazer um cheque para o Skulls Snaps. “Eles vivem. Eles estão aqui. Eles são saudáveis. Ajudem eles agora enquanto eles podem aproveitar o dinheiro. Não quando eles se foram”, diz Stezo. “Eu ouvi o DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince uma vez. Jazzy Jeff estava fazendo uns cuts no toca-disco enquanto Will Smith estava dançando. Foi louco! Onde diabos está o dinheiro do Skull Snaps? Essa foi a minha missão. Eu ainda estou nessa missão.”
Ouça o álbum “Skull Snaps” na íntegra:
Reportagem originalmente publicada no Bandcamp Daily e editada para o Bocada Forte
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