Beco da Lama: os limites da revitalização no espaço cultural de Natal (RN)
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Brasil de Fato | Natal (RN), 30 de Setembro de 2019, às 12h
Foto: Canindé Soares
Há pelo menos três décadas, o Beco da Lama e suas ruas adjacentes são ponto de encontro de intelectuais, artistas e profissionais liberais da cidade do Natal, que se reúnem para bate-papos e apreciações culturais. Em 1994 os frequentadores do espaço fundaram a Sociedade dos Amigos e Amigas do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA) para articularem ações em prol da luta pela preservação da cultura e do patrimônio do Centro Histórico de Natal. A associação, que é privada e sem fins lucrativos, é responsável por atividades que historicamente movimentam o bairro da Cidade Alta, como o Festival Gastronômico do Beco da Lama – Pratodomundo e o mais recente Festival Literário do Beco da Lama – FliBeco.
Maria Gorette Barbosa, atual presidenta da SAMBA, afirma que aquele é um espaço criativo da cidade. “Com políticas públicas bem pensadas e executadas, o Beco da Lama e suas adjacências têm muitas potencialidades. Além dos bares e espaços culturais já existentes, tem se tornado uma forte área de comércio de rua. Aqui, se vende de tudo, comidas e bebidas, livros, discos, existem bazares de roupa. Outro dia, estavam vendendo até plantas e mudas”. Pensando em fortalecer esse cenário, a SAMBA está pensando em atividades como feiras de comida de rua, feiras de artesanato, entre outras ações.
Com inciativa da Prefeitura, o Beco da Lama foi esse ano repaginado com painéis de grafite realizados por artistas locais e o renomado Dicesarlove. A rua Vaz Gondim foi transformada, segundo o prefeito Álvaro Dias, em uma espécie de galeria a céu aberto e novo ponto de visitação turística da capital ṕotiguar. Apesar de melhorias na via pública e criação de um edital cultural para manifestações artísticas no centro da cidade, o que gerou um novo movimento na região. Os produtores e realizadores locais tecem algumas críticas ao que está sendo chamado pela Prefeitura de “Revitalização do Centro Histórico”.
Nazaré, famosa dona do bar localizado na Rua Câmara Cascudo, organiza uma tradicional roda de samba há doze anos nas quintas-feiras e diz nunca ter tido apoio do poder público para isso. Esse cenário não mudou com as novas ações propostas pela Prefeitura para o espaço. “Eles colocam banheiro químico e iluminação para o samba do sábado [do projeto Viva Centro, de comerciantes do bairro], mas na quarta-feira retiram e não podemos usufruir dos serviços”. Ela diz que, na verdade, a situação piorou para elas aos sábados, pois há muito barulho perto e muitos eventos acontecendo ao mesmo tempo, o que afasta a sua clientela.
Frank Aleixo, DJ e produtor cultural, que organizava o Sabadaço e o SounDj no Bar da Meladinha, cruzamento da Vaz Gondim com a Câmara Cascudo, acredita que o termo revitalização não é o mais apropriado para o que ocorreu com o Beco. Segundo Frank, “quando você diz que está revitalizando, você está dando vida a um espaço, nisso você está supondo que aquele espaço estava morto, que nada acontecia. Logo, você joga a vida que já estava lá debaixo do tapete. O que conta agora é a partir desse momento, da reforma que fizemos”.
Para o produtor cultural, o que ocorreu ali foi um “recauchutagem”, pois, segundo ele, “a arquitetura já estava ali, o espaço já estava ali, os bares já estavam ali. A mágica do lugar já estava ali e não é de hoje, veio antes de mim, antes de eu nascer já existia essa vocação”. Para ele, apesar das boas iniciativas da Prefeitura, não houve diálogo e respeito com o que já vinha sendo feito no espaço. Um exemplo foram as notificações feitas pela Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal (Semurb), por barulho excessivo, que impediram ou interromperam a realização de vários eventos na localidade, inclusive os aprovados pelo edital da Prefeitura.
Segundo Frank, “falta o compromisso de políticas públicas e de uma estrutura que faça com que aquele lugar possa florescer melhor. Quando eu falo em estrutura, eu não falo exatamente em questões financeiras, eu falo de valorização, de estudo daquele espaço, de reconhecimento daquele espaço e das capacidades dele. Se a prefeitura reconhece que aquele espaço está sendo proveitoso, e a mesma a reconhece, isso é perceptível pela propaganda que faz, então seria interessante que a mesma executasse políticas públicas para manter aquele espaço”.
Frank afirma que “o Beco da Lama não só representa uma potencialidade social muito grande, porque é a possibilidade que Natal tem de ver Natal, que a cidade tem de se experimentar, de viver a própria rua, de você não precisar de ter dinheiro para poder frequentar os espaços e ter acesso à cultura. Ele também é um espaço que possibilita a convivência de pessoas diferentes, de idades diferentes, de diferentes perspectivas de vida, das pessoas diferentes dançarem juntas, de furarem suas bolhas, de conseguirem enxergar o outro como ser humano”.
Outra potencialidade que Frank destaca é a questão econômica. O Beco “é um espaço de trabalho para pais e mães de família, que tiram seu sustento a partir do que eles conseguem ali”. O produtor afirma que “quem trabalha com bar, com evento cultural sabe que quanto mais tempo as pessoas permanecem mais as pessoas consomem. Então era importante que a prefeitura pensasse formas de fazer com que aquilo permaneça”.
Devido a esse cenário Frank questiona: “E, sabendo que é um espaço dessa importância, por que a prefeitura não faz ações que ajudem esses donos de bares a se adequarem? Porque não vão profissionais lá ajudar? Me parece que os órgãos públicos são tão acostumados a punir, a multar, a mandar parar”.
Por fim o produtor reclama que “a cidade não preparou sua política de cultura para lidar com esse tipo de manifestação popular, para estudá-la, para abraçá-la, fazer com que ela se regulamente, fazer com ela funcione da melhor maneira possível”. Com isso, segundo ele, “a gente perde oportunidade do natalense sair de casa e enxergar sua cidade de forma diferente. Do turista também ter um espaço para ir na cidade, uma cidade que é muito carente de vida noturna, e quando aparece um movimento genuíno ele não consegue se manter pela quantidade de burocracia, pela falta de apoio, de assistência”.
Edição: Marcos Barbosa
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