Opinião: O valor da arte no outro | Por Carol Anchieta
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Como explicar Anitta numa terra que tem Elis e Gal? Bom, Anitta, Pabblo Vittar e outros “fenômenos de popularidade” estão conseguindo o que Elis cantou e lutou: igualdade de gênero e liberdade. Simples assim. A falta de visibilidade, de representação, de oportunidade só aumenta a sensação de inferioridade e ter empatia com a realidade do outro é um dos poucos caminhos para a mudança nestes tempos de intolerância. Entender que aonde não chega comida, educação, saúde e segurança é, sim, a música que traz alento. A batida. A força do sopro. O ritmo. Poderoso a ponto de desfalecer Mozart, mas também de inspirar quem morreria de fome se não fosse o batidão.
O beat, a rima, a produção do baile de favela são, muitas vezes, os únicos caminhos de renda e autoestima para quem só tinha como referência de si os escravo nos livros de História e a representação de suas mães em lugares de subordinação, de inferioridade e com corpos julgados pelos padrões. Imagina a alegria de se ver em um clipe? Se ver representado como belo quando a sociedade diz que a tua imagem é marginal e inadequada? Da tua batida, que foi tirada de ouvido batucando na caixa da feira, ser ouvida em todo o mundo? Como desmerecer a grandiosidade de o outro sentir valor em si mesmo através da música? O tempo de criação de um beat pode ser o mesmo tempo de dedicação em uma partitura. Mas e por que comparar? Por que é preciso ter limite? Não são a criatividade e a liberdade valores da arte?
“Decadência brasileira não é o funk,
é o racismo, o classismo
e o machismo.
O jovem artista negro Basquiat se expressava nas paredes e hoje suas obras se igualam em valor com as de artistas brancos de renomadas escolas de arte. E para nós, que tomamos café da manhã todos os dias sem nos preocuparmos com a janta, vale lembrar que opinião é, sim, um direito, afinal ninguém é obrigado(a). Mas respeito pelo valor que a arte gera no outro é, sim, uma obrigação. Se a música clássica sobe a favela em projetos sociais, é porque o funk e o samba chegaram lá primeiro e foram o despertar musical da maioria. Decadência brasileira não é o funk, é o racismo, o classismo e o machismo.
*Texto originalmente publicado no portal GaúchaZH.
Carol Anchieta é
natural de Porto Alegre,
jornalista e repórter
no Grupo RBS.
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