Opinião: É possível conservadorismo no rap? | Por Geysson Santos
ESPALHA --->
O Brasil foi constituído a partir de forte influência européia, tendo como instituição representante do poder dominante a Igreja Católica. Os europeus não enxergavam os índios como seres humanos. Por este motivo, iniciou-se o processo de colonização.
Em seguida, nosso território passou a receber um grande número de negros, para serem escravizados, de forma a garantir a construção de uma grande colônia européia. Para legitimar o processo de escravidão, autores da época apontavam para os perigos da ‘mestiçagem’ e até fortaleciam a ideia de eugenia branca.
A presença massiva de negros e índios escravizados em território brasileiro não se deu de forma harmoniosa e amigável, como alguns intelectuais insistem em dizer. O período escravocrata provou que a resistência negra sempre fez parte de sua história. Sua necessidade de auto-organização, para os enfrentamentos com os senhores do poder, também.
“E ser negro nunca foi um defeito
Será sempre um privilégio
Privilégio de pertencer a uma raça
Que com o próprio sangue construiu o Brasil”
Sub-Raça, Câmbio Negro.
Tentei iniciar com esse breve resumo histórico, por acreditar necessário recordar nossa ancestralidade e assim entender nossa forma de enfrentamento para os períodos que virão.
Eram em Quilombos que os escravos organizavam-se para o enfrentamento. Hoje, nas periferias, acontece o mesmo. Não temos apenas um Zumbi dos Palmares, temos intelectuais nas quebradas, que utilizam da música rap para denunciar que “a falsa abolição fez vários estragos”, como cantou o GOG.
“Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Pelotão de cusão tem o seu sargento”
Camburão Negreiro, Realidade Cruel.
Não foi atoa que o Realidade Cruel cantou este verso no seu disco “Mais Cruel do que Nunca”, em 2002. O rap, em momentos de avanço do neoliberalismo, representou a auto-organização dos quilombos modernos, a periferia.
“As Senzalas são as ante-salas das delegacias
Corredores lotados por seus filhos e filhas”
Carta à Mãe África, GOG.
Hoje, vivemos um momento em que não só o neoliberalismo está avançando, mas há também um forte avanço do conservadorismo. O processo de construção do Brasil influencia diretamente nas opiniões vindas da periferia.
É importante percebermos o conservadorismo como uma forma de dominação. É a partir dessas concepções, que o Estado nos joga uns contra os outros. Seja nas diferentes formas de opressões (racismo, machismo, LGBTfobia, gordofobia, etc), seja na legitimação de uma exploração de classe. Não é apenas no discurso que essa ideologia conservadora se manifesta. São em ações práticas também. Todo aquele ódio disseminado por pessoas como Bolsonaro, se posto em prática, terá como vítimas diretas nós, da periferia.
Neste contexto, é necessário avaliar o posicionamento do rap. De que forma estamos combatendo o discurso do opressor?
A periferia foi criada num contexto conservador, então tende a reproduzir com mais força esse tipo de discurso. O rap nunca foi uma bolha dentro da periferia, porém, numa breve olhada histórica do nosso movimento, ele se colocava como um polo de subversão. É inadmissível que pessoas que reivindicam esse movimento, simplesmente reproduzam esse tipo de ideologia como algo natural. O discurso de ódio deve ser combatido em TODAS as esferas.
“Paz entre nóis, foda-se os playboys
Paz entre os pobres, que se foda os nobres… Classe de arrombado”
Muita Calma, Face Cruel.
Em 2015, foi divulgada a cypher “Vem pra Rua”, com alguns MCs de renome no cenário do rap brasileiro. Relembro esse caso, por achar necessário rever os caminhos que podemos trilhar se não revermos nossos erros do passado. O vídeo foi apagado, as postagens dos MCs sobre o caso também. “Quem não é visto, não é lembrado”. Mas a história não se apaga.
“Eu não falei por falar, dei minha opinião pela posição em que eu estava naquele momento… Não sou de direita nem de esquerda, não sou contra nem a favor da Dilma, sou contra o errado e a favor do certo”, explicou BuddyPoke, MC participante da cypher.
Não ser de direita, nem de esquerda, te aproxima automaticamente de um discurso da direita. Isso é muito simples, afinal, é o discurso dominante. Outro MC que participou da cypher, foi um que, alguns anos atrás, se envolveu num caso de machismo. O MC afirmava em redes sociais, que “mulher tem que aprender a ser mulher (…) e levar uma surra dentro de casa“. O autor deste comentário e do discurso conservador, foi o MC Maomé, da ConeCrewDiretoria.
Faço esses apontamentos para mostrar a gravidade de tomarmos para dentro da música rap e da cultura hip hop um discurso que dissemina ódio contra nós mesmos. Isto é o mesmo que ser um ‘negro nazista’.
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